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A reta final da reforma da Previdência

Debate nos estúdios da ISTOÉ DINHEIRO detalha as mudanças no sistema de aposentadorias em meio às negociações finais no Congresso Nacional. Para diminuir resistências entre os parlamentares, governo aceita algumas mudanças que afrouxam o texto inicial em temas como a fórmula de transição, os benefícios rurais e nas regras de professores e policiais

1- Marcos Lisboa (presidente do Insper); 2- Darcy Francisco (economista e especialista em finanças públicas); 3 – Luís Artur Nogueira (editor de economia da IstoÉ Dinheiro); 4 – Marcelo Caetano (secretário da Previdência do Ministério da Fazenda); 5 – Mansueto Almeida (secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda); 6- Gabriel Baldocchi (editor-assistente de Economia IstoÉ Dinheiro)

Na quarta-feira 5, ao encontrar o secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, na sede da Editora Três, em São Paulo, o presidente do Insper, Marcos Lisboa, lembrou de quando tinha sido secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, no início dos anos 2000. Naquele tempo, Lisboa recebera a indicação do jovem Caetano como o técnico mais qualificado para sugerir mudanças no sistema de aposentadorias. Quase 15 anos depois, a reforma da Previdência, que, nesta versão, tem Caetano como principal autor, caminha para sair do papel e obriga o especialista a dedicar tempo para mostrar que apenas argumentos técnicos não bastam para garantir a revisão. “Tem um processo de negociação no Congresso”, afirmou Caetano em debate realizado pela revista ISTOÉ DINHEIRO. O evento, que contou ainda com as participações do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, e do especialista em finanças públicas, Darcy Francisco, além de Lisboa, foi transmitido ao vivo pela página da revista no Facebook e pela TV NBR.

A busca de apoio no Legislativo está por trás da decisão do governo de admitir mudanças propostas por parlamentares, que podem afrouxar o texto original da reforma. Os principais pontos que devem ser modificados são os benefícios para população de baixa renda (BPC), a fórmula de transição do regime atual, o acúmulo de benefícios, as regras para a população rural e as aposentadorias de professores e policiais civis. Enviado no final de 2016, o projeto incluía esses três últimos grupos na regra geral da idade mínima, de 65 anos. Atualmente, eles podem se aposentar com cinco anos a menos. No caso do BPC, a reforma elevava para 70 anos o benefício. Além disso, criava um sistema de contribuição individual para os produtores rurais, que hoje conseguem ter acesso à aposentadoria pela comprovação de atividade agrícola, sem necessariamente contribuir.

Não está claro ainda como ficarão as novas regras (leia quadro na pág. 24). A definição deve sair daqui a duas semanas, após intensas rodadas de negociações que resultarão no relatório final. “As mudanças propostas pelo relator mantém a integralidade da reforma”, afirmou à ISTOÉ DINHEIRO o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (leia entrevista ao lado). A reforma busca conter a disparada dos gastos previdenciários. A conta vem crescendo ininterruptamente e chegou a R$ 151 bilhões no ano passado apenas no INSS, que compreende trabalhadores do setor privado urbano e rural. A conta não inclui, portanto, o déficit dos servidores públicos, de R$ 155,7 bilhões, entre Estados, municípios e União. Combinados, os gastos hoje chegam a 13% do PIB, nível mais elevado do que o Japão, segundo o secretário Mansueto Almeida. “Se não fizermos a reforma, até 2060 o Brasil gastará mais do que 20% do PIB”, afirmou Almeida, durante o debate da ISTOÉ DINHEIRO. “Nenhum país do mundo gasta 20% do PIB com Previdência.”

Em parte, a pressão dos gastos é explicada pelo envelhecimento da população. O Brasil terá, em 20 anos, uma evolução demográfica que levou 50 anos para acontecer na Europa. A participação dos idosos deve saltar de 10% da população para 33,7% do total em 2060. Mas o sistema carrega distorções que acentuam o problema. A aposentadoria por tempo de contribuição, que ainda permite aos brasileiros usufruir dos benefícios, com 55 anos, na média, é praticamente uma exceção nas comparações internacionais. Além disso, em setores do serviço público, ainda é possível se aposentar com o mesmo salário da ativa, enquanto contribuintes da iniciativa privada estão sujeitos ao teto do INSS, de R$ 5.531,31. “Estamos atrasados. O mundo já fez reformas nos anos 1980, 1990”, afirmou Lisboa, do Insper. “Fomos irresponsáveis. Fingimos que o problema não existia.”

“As mudanças propostas mantêm os pontos fundamentais da reforma”

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, falou à DINHEIRO na tarde de quinta-feira 6:

Uma sondagem feita pelo jornal O Estado de S. Paulo indicou resistência à reforma no Congresso e votos insuficientes para a aprovação. Qual é a estratégia para reverter esse quadro?

Essa pesquisa reflete o estágio atual da discussão. No momento em que os parlamentares vão entrando em contato com os dados, eles começam a se convencer, a se conscientizar da necessidade da reforma. A mudança será gradual. É um processo em andamento, não só um diálogo direto com os parlamentares, mas também um esclarecimento para a sociedade. Não há proposta de reforma da Previdência que tenha sido aprovada no mundo que já tenha começado com apoio. É um processo normal.O pano de fundo da proposta desenhada por Caetano era igualar todos os brasileiros e acabar com privilégios específicos. “Encaro como uma reforma de Estado, não uma reforma de governo”, afirmou o secretário. O governo, no entanto, acabou cedendo em pontos centrais. Sob a justificativa de que são categorias diferentes, o Executivo deixou os militares de fora do texto original e promete enviar mudanças específicas mais adiante. Para os especialistas, não haveria razão para esperar. “É exatamente nos militares que existe a maior relação entre inativos e ativos”, afirmou Francisco, no debate. Diante das pressões, o governo abriu a possibilidade de que Estados façam ajustes próprios nas previdências em até seis meses. Se não o fizerem, terão de seguir as regras gerais.

O relator indicou mudanças em cinco temas. O que deve ser mantido para que a reforma não desfigure como um todo?

As mudanças propostas pelo relator mantêm a integralidade, os pontos fundamentais da reforma. Alguma mudança na questão dos benefícios para deficientes, a questão dos professores e de policiais, ou a questão de mudar algo no rural, tudo isso tem um impacto menor.

Isso significa que os professores e os policiais terão uma regra própria?

Isso, exato. Como hoje já se propõe aos militares.

Com idades diferentes também, como é hoje?

Isso não está definido.

As alterações diminuem a resistência no Congresso Nacional?

Acredito que sim. Às vezes, os problemas são esses pontos abordados, o trabalhador rural, que ganhou pouco e não pode ficar igual ao urbano, policiais, professores… Estive na Câmara, falei na Comissão da Presidência, com a bancada da oposição toda presente. Antes disso, tinha falado com os principais partidos da base aliada. O que senti é que os pontos de maior preocupação foram esses que foram alterados.

Qual é o prazo que o governo trabalha para aprovação do texto final?

Estamos fazendo um projeto para décadas. Então, se for aprovado em junho, que é a expectativa, ou se for aprovado pelo Senado em agosto, porque julho é férias, do meu ponto de vista não altera substancialmente. Não são um ou dois meses que vão fazer uma grande diferença num projeto tão importante, tão profundo e que, na realidade, tem resultado no longo prazo.

Se os argumentos técnicos convencem economistas e o mercado, são mais difíceis de serem aceitos pela população em geral. As dúvidas enviadas por internautas durante o debate da ISTOÉ DINHEIRO incluíam desde questionamentos sobre as exceções às regras até as razões que justificam mudanças em benefícios como os rurais, por exemplo. Essa percepção, somada à pressão de grupos de interesse, como os servidores, vem gerando uma forte resistência no Congresso. Uma sondagem divulgada pelo jornal O Estado de S.Paulo na quarta-feira 5 mostrou que o governo não teria votos suficientes para passar a reforma caso o texto fosse a plenário naquele dia. Antes de ir ao Senado, o projeto precisa ser aprovado por 308 deputados federais, em dois turnos. O placar da sondagem indicava 251 favoráveis. “O governo chegou com um texto que considerava ideal, mas a reforma que passará é a possível no momento”, afirma Efraim Filho (PB), líder do DEM na Câmara. Meirelles minimiza e diz que a resistência é natural no início, mas que deve perder força. “Não há reforma da Previdência que tenha começado com apoio.” Na reta final das negociações, milhares de internautas puderam esclarecer, num debate franco, suas dúvidas e formar suas opiniões. O vídeo, na íntegra, segue disponível no site e no Facebook da ISTOÉ DINHEIRO.

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