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Inocentada, ex-chefe de UTI no PR que ficou conhecida como “doutora morte”, vive reclusa e trabalha como telemarketing

Quatro anos após ter ficado conhecida como a “doutora morte”, a médica Virgínia Soares de Souza, 60, hoje vive reclusa em seu apartamento, na região central de Curitiba, onde mora com um filho e a cachorra Naomi.

Sem perspectivas de continuar na medicina, ela trabalha como uma espécie de telemarketing, em uma pesquisa por telefone para uma clínica de radiologia local.

Na semana passada, ela foi inocentada pela Justiça da acusação de ter matado sete pacientes, entre 2011 e 2013, na UTI do Hospital Evangélico em Curitiba –unidade de terapia intensiva chefiada por ela na ocasião. O Ministério Publico do Paraná vai recorrer da decisão, com pedido para um júri popular.

Andre Rodrigues – 20.mar.13/Gazeta do Povo/Folhapress

Virgínia e outros cinco funcionários da UTI (três médicos e duas enfermeiras) foram acusados pela Promotoria de prescrever medicamentos e alterar padrões de ventilação com o propósito de encerrar a vida de pacientes da unidade para liberar leitos.

Em interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, a médica falava sobre a necessidade de “sair” com pacientes e “desentulhar a UTI”.

Na última segunda (24), Virgínia falou à Folha sobre os anos em que foi tachada de assassina e sobre a responsabilidade de decidir sobre a distribuição dos leitos em uma UTI​ –comparado por ela a uma “escolha de Sofia”, em referência ao filme em que a personagem-título tem de optar pela vida de somente um de seus dois filhos.

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Folha – Nesses quatro anos desde o início do processo, como tem sido sua vida pessoal e profissional?

Virgínia Soares de Souza – Estudei. Fiz pós-graduação em auditoria interna. Posteriormente fiz mais um curso de pós-graduação para qualificação de clínicas de imagem. É minha perspectiva trabalhar numa parte burocrática.

Eu fazia um curso no centro de Curitiba todos os dias às 18h. Muitas pessoas vinham e falavam: “Eu acredito na senhora”. Mas também teve algumas chamando de “assassina”. Aí eu me isolei. Brinco que foram férias forçadas, porque eu nunca tinha férias. Agora resgatei o convívio com familiares, amigos.

Na sua carreira, a sra. se arrepende de algum ato médico?

Não, nunca. Não seria diferente, não agiria diferente. Porque fiz exatamente aquilo que tinha vocação e amor. É um serviço exaustivo, fisicamente e emocionalmente. Porque você atende o paciente e a família. Às dores de uma família, você não fica imune.

A que a sra. atribui a acusação de que atuou para abreviar a vida dos pacientes?

Até hoje eu não sei exatamente. Acredito que tenha sido fruto de inexperiência, falta de escrúpulos, de conhecimento, de treinamento de alguns colaboradores.

Como normalmente eu já sou uma pessoa mais exigente, eu evitava falar com os técnicos e me dirigia aos enfermeiros responsáveis. Isso não é um desprestígio, mas pode ter sido interpretado assim. É uma questão de hierarquia.

Se for olhar a colocação do juiz, nas oitivas, era papo de corredor, tipo papo de bar. Ninguém viu, mas ouviu falar. O desconhecimento sobre as patologias, sobre os pacientes. Foi um conjunto de coisas.

Em escutas telefônicas feitas pela polícia, a sra. diz frases como ‘sair’ com pacientes, ‘desligar’ pacientes e que quer ‘desentulhar a UTI’. O que significam?

As frases estavam descontextualizadas e foram editadas. Um paciente tinha perdido todos os acessos, a médica estava discutindo comigo, e eu disse: “Perderam os acessos [às veias]?”. E ela: “Perderam”. E eu disse: “Mas só matando essa gente”. Isso é um comentário informal, um desabafo, porque só matando de vez em quando [risos]. Porque a pessoa não pensa no paciente como se fosse um seu [familiar ou amigo].

“Girar a UTI” é um termo que a gente usa, a demanda de leito de UTI é muito alta e a oferta é ínfima. Você abre uma vaga e tem cinco, seis pessoas esperando. Você tem uma responsabilidade muito grande e acaba ficando numa situação do livro e o filme “A Escolha de Sofia”. É extremamente cruel, porque não tem como saber se o que tem mais chance é o que vai sobreviver.

O que a sra. pensa sobre a eutanásia e ortotanásia?
A eutanásia é proibida por lei. Acho que o nosso país precisa de uma discussão muito séria, mas acho que não é o momento. Tem família que te propõe isso independente se o doente tem chance ou não.
Você tem um pensamento como médico, pela literatura e por leis. Como cidadão, muitas vezes você dá alta e fica refletindo.

O que pretende fazer agora?
Eu faço pesquisa num processo de auditoria externa pra ver grau de confiabilidade dos laudos de exame, diretamente com o paciente, via telefone. Eu converso, pergunto tudo. Tem sido uma receptividade muito grande até pra uma espécie de telemarketing. Fora isso vou aguardar o processo, que vai ter andamento.

Folha de São Paulo

 

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