O ex-sindicalista do PT Jaques Wagner, hoje governador da Bahia, recusa-se a chamar a paralisação dos policiais militares do Estado pelo nome usual. “Isso é mais levante do que greve, pelo jeito que foi feito”, diz ele.
“Caboclo põe dois berros [armas] na cintura, tira população de dentro de ônibus, agride as pessoas, interrompe o trânsito. Têm por obrigação legal garantir a ordem pública e estão fazendo o contrário.”
Wagner falou aos repórteres Graciliano Rocha e Fábio Guibu. O resultado da conversa foi às páginas da ‘Folha‘ nesta segunda-feira (6), dia em que a greve com ares de levante entra no seu sétimo dia.
Nas ruas de Salvador, policiais da Força Nacional e soldados do Exército fazem as vezes de PMs. A paisagem urbana da capital baiana foi maculada pela presença de veículos de guerra –tanques do tipo Urutu.
A despeito da atmosfera de anormalidade, o governador declara que não cogita negociar salários com quem se porta como “bandido”. Bate o pé: não dará à PM nada além do que deu aos demais servidores: reajuste de 6,5%.
Líder dos PMs rebelados, o soldado Marco Prisco também fala grosso: “Isso não nos interessa. É obrigação do governo oferecer esse percentual a todos os servidores públicos. Do contrário, passa a agir de forma inconstitucional. O que nós reivindicamos são valores devidos especificamente à polícia.”
Prisco adiciona à pauta salarial duas novas reivindicações: “a revogação das prisões” e a “anistia irrestrita aos policiais”. Há 12 mandados de prisão expedidos contra lideranças do “levante”. Uma delas ordena a detenção de Prisco. Wagner estica a corda.
Declara que “ninguém do governo vai receber o Prisco”. Deseja ver as ordens de prisão executadas. Anistia? Nem pensar. “Não vou assinar anistia nenhuma a quem cometeu crime, invadiu ônibus, matou mendigos ou moradores de rua, como foi feito.”
Quer dizer que os PMs mataram pessoas? “Óbvio que não tenho prova”, o governador admite. Se é assim, por que acusa? “Como a estratégia deles é a criação de pânico, é muito estranho que nesses dias morram moradores de rua na proximidade da associação deles.”
Wagner dá asas à suspeição: “Você pode perguntar se estou sendo leviano. Estou falando de uma suspeita. Será acusação se a gente conseguir provas.” Os PMs insurretos refugiraram-se na Assembléia Legislativa da Bahia.
Em nota, informaram que, com o reforço de familiares –incluindo mulheres e crianças—, a “tropa” da Assembléia já soma 3.000 pessoas. Entre elas os PMs que a Justiça mandou que fossem recolhidos ao cárcere.
O Legislativo será invadido? “Invasão, não, porque é um prédio de outro Poder”, disse o governador. “Mas o próprio Poder está incomodado com a presença de pessoas com ordem de prisão sentadas ali.”
Aliado de Wagner, o presidente da Assembléia, deputado Marcelo Nilo (PDT), disse: “Quero a Casa que eu presido de volta. Não posso permitir que o Poder Legislativo seja esconderijo de foragidos.” Fixou prazo para a saída dos intrusos: zero hora desata segunda (6). O ultimato foi ignorado. Sob cerco militar, o prédio do Legislativo teve a luz cortada. No início da manhã, respiravam-se ares de alta tensão.
Na mais grave crise de seu governo, Jaques Wagner vive seus dias de Cesar Borges, o ex-pefelê que governava a Bahia em 2001, quando a PM promoveu movimento semelhante ao atual. Naquela época, Lula responsabilizava o governo pelos saques e o PT apoiava os grevistas.
“Eu não”, diz agora o ex-deputado federal Jaques Wagner. “Vários parlamentares apoiaram, eu não apoiei. Eu entrei para negociar e ajudar a sair da greve.”
Prisco, o líder da rebelião, assegura que, em 2001, o atual governador chegou a auxiliar na estruturação financeira do movimento. Wagner diz que ele mente. Além de mimetizar o antecessor ao comparar PMs a bandidos, o governador petê enxerga digitais forasteiras no levante de 2012.
“Esse movimento tem esse caráter nacional, tem uma direção nacional, uma cartilha cujo objetivo é a votação da PEC-300”, diz Wagner, referindo-se a uma proposta de emenda constitucional que corre no Congresso. Nela, sugere-se a criação de um piso salarial para PMs e bombeiros.
Difícil prever qual será o desfecho da encreca policial baiana. No ponto em que se encontra, negociação soaria como capitulação. Autoridade, como se sabe, é como virgindade. Uma vez perdida, perdida está.
De concreto, por ora, apenas uma evidência. Os PMs amotinados empurraram para dentro da biografia do petista Jaques Wagner uma passagem perene. O verbete da enciclopédia anotará detalhes constrangedores.
Quando a PM impôs o regime de terror à sociedade baiana, o governador encontrava-se em Cuba. Junto com Dilma Rousseff, confraternizava com os companheiros-ditadores Fidel e Raúl Castro.
“Eu estava monitorando”, alega Jaques Wagner. “A Assembléia [de grevistas] foi no dia 31 [de janeiro] à tarde, cheguei na madrugada do dia 2 [de fevereiro]. Havia autoridade aqui. Tinha o governador em exercício e o secretário de Segurança.”
Tomado pelas palavras, o governador-viajante dispunha de um monitoramento de fancaria. “A primeira ligação que eu recebi foi informando que a Assembleia [dos PMs] deu mais gente do que eles [os órgãos de ‘segurança’] achavam que ia dar”. Hã?!?
“A avaliação que as estruturas de segurança tinham [do movimento] não se confirmou na Assembleia. Isso é fato.” Dito de outro modo: Wagner voou para Cuba imaginando que deixava para trás uma ameaça negligenciável de greve.
Ao retornar, encontrou um “levante” composto de elementos tóxicos: desordem, saques, assaltos, mortes, pânico. Como pano de fundo, os Urutus nas ruas de Salvador. Tudo isso na bica do Carnaval.
“Ainda estamos a 10 ou 11 dias do Carnaval. Não há hipótese de esse planejamento da PM para o Carnaval não ser cumprido. Até lá estará acabado esse processo”, diz Jaques Wagner. Será?, perguntam aos seus botões os milhares de turistas que programaram viagens à Bahia.
Blog do Josias
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