Educação

Idade mínima para entrada no fundamental pressionará a pré-escola; segundo o STF, só pode ingressar no 1º ano quem completar 6 anos até março

Foto: Diego Padgurschi – 2.mai.18/Folhapress

O O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta (1º) que crianças precisam ter seis anos completos até 31 de março para ingressar no 1º ano do ensino fundamental. A decisão deve pôr fim a divergências, inclusive na Justiça, que permitiam matrículas de alunos mais novos nessa etapa.

Por 6 votos a 5, o Supremo validou normas do CNE (Conselho Nacional de Educação) que já definiam o corte etário de março. Os magistrados retomaram julgamento iniciado em maio e adiado por pedido de vista de um ministro.

O mesmo corte etário se aplica às crianças de quatro anos para ingresso na educação infantil. Essa etapa é classificada como pré-escola (que atende crianças de 4 a 5 anos).

Apesar de resoluções federais definirem desde 2010 o corte etário em 31 de março, há enorme variedade de critérios pelo Brasil. Redes de ensino, escolas e famílias procuraram a Justiça para garantir a matrícula de alunos mais novos no ensino fundamental.

No caso das redes municipais, a liberdade de matricular no ensino fundamental crianças que completam seis anos após o mês de março reduz a pressão por vagas na pré-escola. Os dados mais atuais mostram que em todo o Brasil há 510 mil crianças de 4 a 5 anos fora da escola.

Isso ocorre porque faltam prédios de pré-escola pelo país. Esse problema não ocorre, no entanto, com o ensino fundamental, onde há vagas.

O presidente da Undime (entidade que reúne os secretários municipais de Educação), Alessio Costa Lima, diz que a decisão do STF é acertada e colabora para uma melhor organização de todo o sistema educacional.

“Há grande preocupação sobre esse entendimento equivocado, por parte de conselhos [locais de educação], Judiciário, estados e municípios que não tinham fundamentação”, diz. “Essa decisão põe um ponto final nessa divergência.”

Em oito estados, a norma federal já não é seguida, sobretudo por causa de decisões judiciais. Nesse sentido, a principal consequência prática é uniformizar as decisões judiciais daqui em diante.

“É uma decisão paradigmática importante, que é vinculante para todos os tribunais”, diz a advogada especialista em educação Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule. Gotti foi consultora do CNE quando essas regras foram estipuladas.

Especialistas argumentam, com base em pesquisas, que garantir crianças com seis anos completos até março evita uma antecipação da escolarização —uma vez que as atividades na pré-escola são mais lúdicas e, no ensino fundamental, o trabalho de alfabetização já é efetivo.

“Crianças mais velhas na mesma série têm uma vantagem nas pontuações de avaliações [externas]”, explica a consultora de educação Alejandra Velasco, sócia-efetiva do Movimento Todos pela Educação. “Isso abre brecha para a desigualdade educacional.”

O MEC também defende a medida. “Existem ciclos de desenvolvimento e aprendizagem que não apenas orientam a definição do corte etário para a entrada em um determinado nível da educação, mas também a organização dos conteúdos”, afirmou a pasta em nota.

Esse corte em março também é o mesmo praticado na maioria dos países do Mercosul, como afirma o MEC.

Foram analisadas no Supremo duas ações que abordavam o mesmo tema. Uma havia sido ajuizada em 2007 pelo governo de Mato Grosso do Sul, a favor da norma, e outra, de 2013, pela Procuradoria-Geral da República, contestando as resoluções do CNE.

Em maio, quando votou contra a norma em vigor, o ministro Edson Fachin (relator de uma das ações) afirmou que seu entendimento prestigiava o direito ao acesso à educação, uma garantia constitucional.

“A indicação das diretrizes da resolução do CNE, ao referir-se aos seis anos completos, não está na Constituição brasileira e não acredito que uma diretriz operacional de uma resolução possa mudar a Constituição”, disse.

Na quarta, Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli e Celso de Mello consideraram inconstitucional o corte etário, que restringiria o acesso à educação. Eles votaram por excluir da norma do CNE a expressão “completos até 31 de março”.

Mas eles foram vencidos. Os ministros Luiz Fux (relator de uma das ações), Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Cármen Lúcia votaram pela constitucionalidade das normas que exigem que a criança tenha a idade completa para poder entrar nos ensinos fundamental e infantil.

O ministro Marco Aurélio afirmou que os dispositivos legais que criam o corte etário foram regularmente aprovados pelo Legislativo e por órgão do Executivo (o CNE) composto por especialistas em educação, mediante amplo debate e estudos técnicos.

“Não cabe ao Judiciário o exame da controvérsia”, disse, destacando que os ministros não sabem o impacto que uma decisão contrária às normas vigentes teria nas escolas.

A presidente da corte, Cármen Lúcia, disse que o CNE levou em consideração as condições dos alunos nacionalmente para estabelecer o corte em 31 de março. “E se demonstrou que haveria uma desordem dentro do sistema educacional se não houvesse essa situação. Haveria não a organização nacional do ensino, mas a desorganização”, afirmou.

Atualmente, casos de transferências de alunos para outras cidades confrontam-se com regras diferentes.

A rede estadual de São Paulo, por exemplo, tem duas: nas escolas da capital paulista, o corte é de 31 de março, o mesmo da rede municipal da capital.

Já nas unidades do resto do estado, vale 30 de junho, o que segue norma do Conselho Estadual de Educação de São Paulo de 2015, que contradiz a norma federal.

Escolas privadas do estado tendem a seguir a regra do conselho estadual. No Colégio Santa Maria, na zona sul da cidade de São Paulo, o corte etário se dá em junho.

“Há uma demanda muito grande das famílias [para matricular antes]. Como entram crianças mais novas, a gente faz adaptação de currículo para acolher essas crianças, com passagens do infantil para o 1º ano do fundamental de forma mais gradativa”, diz Sueli Gomes, uma das orientadoras pedagógicas da escola.

Após a decisão do STF, a escola afirma que pretende rediscutir a questão, mas também vai esperar o Conselho Estadual de Educação. A Secretaria Estadual de Educação afirma que vai realizar, em breve, discussões com o conselho sobre isso.

Rose Neubauer, membro do conselho e ex-secretária estadual de Educação de São Paulo, diz concordar com o STF e esperar uma redefinição do órgão estadual. “Uma determinação federal, em nível de Supremo, tem que ser levada em consideração”, diz.

“Houve pressão forte dos municípios e da iniciativa privada [para o conselho estadual manter o corte em junho]. Como educadora, acredito que o STF fez uma decisão sábia.”

Folha de São Paulo

 

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