Está na Tribuna do Norte
O escândalo dos precatórios no Tribunal de Justiça do RN voltará a ser motivo para discussão nesta semana. O Conselho Nacional de Justiça incluiu na pauta de votação da próxima terça-feira o processo administrativo disciplinar que apura a conduta dos desembargadores afastados Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro. Caso não haja nenhum pedido de adiamento, o CNJ deverá começar a decidir acerca da responsabilidade dos dois magistrados nos desvios de recursos públicos no TJRN. Entre os elementos analisados pelo Conselho, está o relatório produzido por uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado.
Determinada pelo TCE ainda em abril do ano passado, a auditoria produziu um relatório que foi enviado para os vários órgãos envolvidos na apuração das irregularidades no dia 19 de dezembro do ano passado. Também receberam cópias o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, o Tribunal de Justiça do RN e a 7a. Vara Criminal de Natal. No texto, a comissão de auditoria nomeada pelo TCE pediu a indisponibilidade dos bens de Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro, e dos demais envolvidos, além do ressarcimento dos valores desviados.
Segundo dados do relatório, ao qual a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro foram requeridos na devolução de R$ 3.063.430,47 e R$ 5.458.826,16, respectivamente. Carla Ubarana, George Leal, todos os laranjas, Wilza Dantas e João Batista Pinheiro, ex-secretários do TJRN, também tiveram pedidos de condenação e ressarcimento formulados pela equipe de auditoria do Tribunal de Contas. A desembargadora Judite Nunes, presidente do Tribunal de Justiça do RN à época do escândalo dos precatórios, não foi responsabilizada pelos desvios, segundo avaliação da auditoria do TCE/RN.
O ressarcimento, se for aprovado pelo plenário, é feito de forma “solidária” entre os possíveis condenados. Ou seja, caso um não possa arcar com as despesas integralmente, os demais são chamados a “completar” o pagamento. O pedido, que funciona como uma peça de acusação, ainda será analisado pelo conselheiro responsável pelo processo, Carlos Thompson. Todos os acusados terão oportunidade para se manifestar acerca das conclusões da equipe de auditoria. Após a instrução, Carlos Thompson deve proferir um voto e o plenário do TCE decidirá se acata o relatório.
A indisponibilidade de bens seria uma medida cautelar, para garantir um possível ressarcimento em caso de condenação, e deve ser decidida antes do fim da instrução. Tendo em vista que a defesa dos acusados ainda será exercida, tanto os valores quanto o próprio pedido de indisponibilidade e ressarcimento podem ser revistos.
O total de recursos desviado, na apuração do TCE, coincidiu com os valores encontrados pela comissão do TJ. Trata-se de mais de R$ 14 milhões em desvios. Dados do relatório do TCE dão conta de que pelas contas dos envolvidos passaram mais de R$ 18 milhões, no período investigado. Os números foram obtidos pela investigação junto à Receita Federal. A reportagem da TN tentou contato com os advogados dos desembargadores, mas sem sucesso. O conselheiro Carlos Thompson disse não poder fazer nenhuma consideração acerca dos dados por ser o relator.
O inquérito judicial acerca da conduta dos desembargadores tramita no Superior Tribunal de Justiça. As demais investigações acontecem de forma administrativa. O processo trocou de relator três vezes, por conta de aposentadorias de ministros. Atualmente, o ministro Napoleão Nunes Maia é o responsável. O processo está sob segredo de Justiça.
Técnicos analisam documentos do TJ
Para aferir a responsabilidade dos desembargadores, a equipe de auditoria do Tribunal de Contas do Estado utilizou como base os documentos obtidos junto à comissão do Tribunal de Justiça, presidida pelo desembargador Caio Alencar, e os depoimentos de Carla Ubarana ao Ministério Público Estadual e à Justiça. As provas foram compartilhadas entre os envolvidos nas investigações.
Após a análise do material, a comissão concluiu que os desembargadores “concorreram decisivamente” para a realização dos desvios, além de afirmar o benefício indireto com as irregularidades ocorridas no setor de precatórios. Veja o trecho transcrito do documento: “a partir dos elementos constantes nos autos, infere-se que o desembargador Osvaldo Soares da Cruz, na condição de responsável por administrar valores públicos destinados ao pagamento de requisitórios, concorreu decisivamente para a prática de desvios, além de ser beneficiário indireto do esquema operado pela Sra. Carla de Paiva Ubarana Araújo Leal”. A auditoria se manifestou de maneira igual em relação a Rafael Godeiro.
O cálculo dos valores de ressarcimento diz respeito ao quantitativo de dinheiro desviado nas gestões dos desembargadores, sem entrar no mérito da existência de apropriação do dinheiro desviado por parte dos acusados. Os dois são julgados no TCE como administradores de dinheiro público. O julgamento acerca da responsabilidade criminal dos magistrados é de competência do Superior Tribunal de Justiça, cujo processo ainda não teve uma acusação formal.
Apurações identificaram 520 operações fraudulentas
Os mais de R$ 14 milhões de desvios comprovados são referentes a cerca de 520 operações fraudulentas, entre guias de pagamentos, cheques e autorizações de transferências bancárias. Além disso, a equipe do Tribunal de Contas do Estado, em conjunto com servidores do TJRN, identificaram 11 laranjas, a maioria deles empregados e ex-empregados de Carla Ubarana.
O modus operandi das fraudes variava de acordo com o instrumento utilizado. Os cheques e autorizações de transferências bancárias foram as primeiras formas utilizadas por Carla Ubarana para realizar o desvio. Nesse caso, eram enviados para o banco cheques e ofícios assinados pelo presidente do TJRN autorizando o pagamento. Os ofícios indicavam as contas para onde o dinheiro deveria ser transferido.
A utilização de guias de pagamento foi a forma mais utilizada por Ubarana. A ex-chefe do setor de precatórios utilizava guias em branco assinadas pelos presidentes do Tribunal, Osvaldo e Rafael, além da ex-secretária geral do TJRN, Wilza Dantas, para emitir ordens bancárias de pagamentos a pessoas sem nenhum vínculo com os processos de pagamentos de precatórios.
Os precatórios são processos para o pagamento de dívidas do poder público (estados, municípios, autarquias, fundações, etc) que foram determinadas pela Justiça. Normalmente quem tem valores para receber do poder público através de precatório espera anos até conseguir ter acesso ao dinheiro.
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