Daiane Costa – O Globo
RIO — Cinco das dez marcas de cachaças e aguardentes avaliadas pela Proteste — Associação de Consumidores, em um estudo realizado no segundo semestre do ano passado e divulgado com exclusividade pelo GLOBO, foram reprovadas por conter uma substância nociva à saúde acima dos níveis aceitáveis. Não passaram no teste as bebidas 7 Campos de Piracicaba, Pedra 90, Ypióca Prata, Pitú e Salinas. São cachaças que ganharam mais notoriedade em 2012, após o reconhecimento da bebida como produto exclusivo e genuinamente brasileiro pelo governo dos EUA.
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As cinco marcas apresentaram entre 165µg/l (microgramas por litro) e 755µg/l de carbamato de etila, composto químico classificado como possível agente causador de câncer pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o valor aceitável estipulado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) é de até 150µg/l. Mas as empresas têm até 2014 para se adequarem à norma. Segundo a Proteste, o limite é o mesmo aplicado por outros países, como Estados Unidos, Canadá, França, República Tcheca e Alemanha. No entanto, não há um parâmetro internacional neste caso.
O limite para a presença dessa substância em bebidas destiladas foi estabelecido no Brasil em 2005 pela Instrução Normativa nº 13, a partir de uma pesquisa realizada com cachaças produzidas no país. Inicialmente, as empresas ganharam cinco anos para se adequarem. No entanto, desde o fim desse período, em 2010, o prazo já foi prorrogado duas vezes.
— É inadmissível dar nove anos para os produtos se adequarem à norma, tendo em vista que o carbamato pode colocar em risco a saúde das pessoas — ressalta Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
O Mapa informa que o índice vem sendo prorrogado porque as fabricantes não conseguem se adequar, e pela falta de um parâmetro internacional. “Inclusive, o Brasil exporta para os centros mais desenvolvidos do mundo e nunca foi questionado”, ressalta a nota do ministério. Entre as bebidas testadas, a Sagatiba foi a que apresentou o menor índice da substância: menos de 50 µg/l. Além desta, foram avaliadas e aprovadas as marcas São Francisco, Seleta, Pirassununga 51 e Velho Barreiro.
De acordo com o nutricionista do Instituto Nacional de Câncer (Inca) Fabio Gomes, o carbamato de etila é tóxico e um dos agentes cancerígenos mais potentes que se tem conhecimento. Apesar de ser apenas um dos fatores responsáveis pelo aparecimento da doença, a substância agride desde a mucosa da boca até o estômago e o fígado.
— Temos de considerar que ela é só um potencializador do problema. Por si só as bebidas alcoólicas já causam danos à saúde. Ano passado o Brasil registrou dez mil casos de câncer associados ao uso de álcool — alerta Gomes.
Segundo a Iarc, em ensaios com camundongos, ratos, hamsters e macacos, submetidos a diferentes doses de carbamato, a substância demonstrou um aumento da incidência de diversos tipos de tumores entre estes animais.
A Proteste também avaliou o grau de arsênio, cobre e chumbo, metais comuns a essas bebidas. Neste caso, as dez marcas foram bem avaliadas.
A partir dos resultados das análises, encomendadas a um laboratório registrado no Mapa, cujo nome a Proteste não revela, foi feita uma avaliação final de cada bebida, com notas que podem variar de zero a cem, sendo esta última a melhor (veja quadro). De acordo com a pesquisadora da entidade e coordenadora do estudo, Manuela Dias, tiveram maior peso os itens que dizem respeito à legislação ou impactam a saúde.
No teste da presença de aldeído, substância que contribui para intoxicações e sintomas de ressaca, só a cachaça Velho Barreiro ultrapassou o limite máximo — foi de 41,55mg/100ml de álcool anidro, quando o permitido são 30mg/100ml a.a. Por isso, recebeu o conceito “Fraco”. A fabricante contesta o resultado. Informa que análises periódicas feitas pelo Mapa com a bebida nunca identificaram aldeídos em quantidade superior a 10mg/100ml a.a.
Artesanais têm mais dificuldades
O carbamato de etila aparece durante a fermentação da bebida e, na destilação, tem o surgimento acelerado. Para verificar a incidência da substância, antes do envase as empresas têm duas alternativas, explica Vitória Cavalcanti, engenheira química e uma das fundadoras do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), da qual foi presidente por cinco gestões: encaminhar o produto pronto a laboratório especializado, raros no país, ou submetê-lo a um equipamento que pode ser adquirido pelo fabricante ao custo de US$ 120 mil.
Como o processo de produção da cachaça artesanal é bastante rústico, e os produtores dispõem de menos recursos, as artesanais e pequenas empresas enfrentam mais dificuldades para controlar a incidência da substância, esclarece Vitória. Segundo a ex-presidente do Ibrac, esta foi uma das razões que levou o setor a pedir ao Mapa prazo maior para que os produtores possam se adequar ao limite máximo estabelecido para o carbamato.
O instituto e a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) afirmam, em nota, que apenas Canadá, República Tcheca e França estabelecem limites para a substância e que o prazo de cinco anos inicialmente estabelecido para a regulamentação vigorar tem sido “alvo de discussões em decorrência da carência de estudos específicos para a bebida”. Desde então, tentam readequar o limite estabelecido pelo Mapa para a substância. As duas instituições afirmam ainda que o setor produtivo “não tem medido esforços para aprimorar técnicas produtivas e analíticas para colocar a cachaça entre os melhores destilados do mundo”.
Empresas alegam que limite considerado não está em vigor
Procuradas para comentar o assunto, as empresas contestaram os resultados do teste e afirmaram estar em conformidade com a legislação brasileira, apesar de ainda não estar vigente. Também argumentaram que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) está realizando um novo estudo com 500 amostras de bebidas do tipo para estabelecer um novo limite máximo para a presença de carbamato de etila em cachaças e aguardentes.
Por meio de nota, o responsável pelo processo de produção da cachaça do Grupo Salinas, Thiago Medrado, esclarece que o teor de 165µg/l identificado no teste é referente à safra anterior a 2011 e que, desde então, os produtos da empresa já estão de acordo com a legislação, conforme análises feitas em laboratórios acreditados pelo Inmetro. A empresa ressalta ainda que, no fim de agosto do ano passado foram coletadas in loco amostras de todos produtos da safra de 2012 pelo Ministério da Agricultura para análise, e que todas as amostras passaram no teste de acordo com a legislação.
A Ypióca esclarece que o teor de carbamato de etila de todo o líquido produzido desde a aquisição da empresa pela Diageo, em agosto do ano passado, está abaixo do índice estabelecido pela lei brasileira e que o lote da amostra utilizada para a análise no teste é de março, data anterior a esta adequação.
A Industrial Boituva de Bebidas, detentora da marca 7 Campos de Piracicaba, informa que um laudo do Mapa, emitido no fim de abril do ano passado, revela que o produto atende à legislação vigente.
Faltam parâmetros, dizem empresas
A Industria de Bebidas Paris, detentora da marca Pedra 90, disse ter sido surpreendida pela conclusão do teste, “quando sabemos que, no mundo, somente três países utilizam o limite máximo de 150µg/l: França, Eslováquia e o Canadá”. A empresa ainda ressalta que o Mapa “vem estudando esta questão com bastante responsabilidade no Brasil, (…) e executa a coleta de mais de 500 amostras de cachaça, que serão representativas de nossa verdadeira posição quanto a este problema”. Segundo a empresa, este estudo irá determinar um novo limite para a presença do carbamato em destilados no país.
A empresa argumenta ainda que não existe padrão oficial ou metodologia formal para análise da substância e que poucos laboratórios no Brasil estão credenciados a fazer a análise.
A empresa diz também aguardar definições da comunidade europeia sobre o assunto, “que desenvolve amplos estudos há mais de quatro anos com responsabilidade para que não se cometa algum erro de interpretação que possa gerar sérios prejuízos a toda a sua infinita cadeia de produto destilados”.
A empresa Engarrafamento Pitú informou refutar “a conclusão drasticamente adotada pela Proteste” no teste com cachaças.
No entanto, afirma que, “apesar da inexistência no Brasil de uma obrigação normativa para obediência ao nível máximo de carbamato de etila em bebidas alcoólicas, a Pitú orgulha-se de ter alcançado limites inferiores a 150µg/l em 97,3% de sua produção que é submetida e aprovada em testes qualitativos pelos diversos países para onde vem sendo exportada, principalmente no Canadá, que legalmente estabeleceu o limite em 150µg/l”.
Canadá é referência mundial
A Pitú enfatiza que tem um processo de qualidade que lhe permite exportar, desde 1970, para países que possuem rígidos controles, como o Canadá, Alemanha e Estados Unidos, sendo que no Canadá e na Alemanha é a líder em vendas, e nos EUA está entre as três marcas mais vendidas no país.
Em nota, a Pitú salientou que, como informado pela Proteste, o país que é a principal referência no método de análise do carbamato de etila é o Canadá, para onde a empresa exporta periodicamente, e que realiza laudos de cada lote do produto ali vendido.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/defesa-do-consumidor/teste-reprova-cinco-marcas-de-cachaca-7440758#ixzz2JUu7qyBB
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