Pesquisas recentes observaram uma grande diminuição dos anticorpos contra a Covid-19 pouco tempo após a recuperação da doença. Mas outras células de defesa do corpo, os linfócitos T, podem ajudar no combate ao novo coronavírus.
Uma pesquisa publicada nesta semana na revista científica Nature encontrou sinais de resposta imune relacionada aos linfócitos T prolongada em pacientes que foram contaminados com o Sars (síndrome respiratória aguda grave) há 17 anos.
Os cientistas responsáveis pelo estudo também observaram resposta imune, mais uma vez relacionada aos linfócitos T, cruzada entre o Sars-CoV-2 (o novo coronavírus) e o Sars. Além disso, “surpreendentemente, também detectamos linfócitos T específicos para Sars-CoV-2 em pessoas sem histórico de Sars, Covid-19 ou contato com pacientes de Sars/Covid-19”, afirma os autores do estudo.
Isso poderia estar relacionado a contaminações anteriores por outros betacoronavírus, especulam os pesquisadores.
Os linfócitos T têm ação próxima e concomitante à dos anticorpos. Quando um corpo estranho invade o organismo, algumas células (como os macrófagos) fagocitam o invasor e passam a mostrar em sua parede celular fragmentos do intruso.
É aí que entram em ação os linfócitos T, que se aproximam das células apresentadoras de antígeno (a organela que fagocitou o invasor), conectam-se ao fragmento do intruso e, a partir disso, conseguem se multiplicar para combater a infecção.
Toda essa ativação dos linfócitos T é importante para a produção de citocinas, que são determinantes para processos de inflamação (defesa do corpo) e ativação de linfócitos B, responsáveis pela produção de anticorpos.
Os pesquisadores estudaram 36 pessoas que tiveram casos moderados a graves de Covid-19. Encontraram, em todos os pacientes, linfócitos T (mais especificamente, dois tipos, o CD4 e o CD8) que reconheciam as estruturas presentes no Sars-CoV-2 —o que significa uma memória imune e a capacidade de combater o vírus em caso de infecção.
Também foram analisados outros 23 pacientes que tiveram Sars, responsável pela primeira pandemia do milênio. Nesses, observaram os linfócitos T de memória de longa duração com elevada correspondência com as estruturas presentes no Sars-CoV-2.
A similitude não é inesperada, afirma Mariane Amano, pesquisadora da área de imunologia do Hospital Sírio-Libanês e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia, o que fica evidente até mesmo no nome dos vírus (Sars-CoV-1 e 2), mas é importante que haja trabalhos, como o em questão, que comprovem isso.
Por fim, os cientistas testaram a resposta das células T de 37 pessoas que não tiveram contato com Sars e Sars-CoV-2 e obtiveram resultados positivos em 19 delas. Os pesquisadores levantam a hipótese de que a reação esteja relacionada a infecções por gripes comuns, que podem também ser causadas por coronavírus.
“É interessante que pessoas que não tiveram contato com os vírus tenham células com possibilidade de reconhecê-los. Não é algo ‘nossa, nunca vimos’, sabemos que existe a possibilidade de reação cruzada. Mas, ainda assim, é uma boa notícia”, afirma Amano. “Pode ser que isso explique o fato de parte das pessoas não desenvolverem sintomas tão graves.”
Contudo, alguns pontos sobre a pesquisa devem ser destacados. A amostra usada no estudo (algumas poucas dezenas de pessoas) é pequena para tirar conclusões definitivas.
Além disso, o trabalho analisa a ativação de células fora do corpo. “Não é uma garantia de que os indivíduos que possuem as células que reconheceram os antígenos virais não vão apresentar nenhum tipo de sintoma. Especialmente aqueles que nunca foram infectados por Sars-CoV-1 ou 2”, diz Amano.
A pesquisadora do Sírio também alerta que com a velocidade atual das publicações, não é comum haver uma queda da qualidade de produção. Ela cita como exemplo um estudo da própria Nature —e também sobre linfócitos T— recentemente retratado, ou seja, teve sua publicação cancelada.
Isso, porém, não significa que este estudo da Nature objeto da matéria esteja errado ou não seja de qualidade, pelo contrário. Somente quer dizer que ainda há necessidade de ainda mais pesquisas sobre o tema para, aí sim, ser possível chegar a respostas mais concretas sobre imunidade de longo prazo à Covid-19 —respostas que parecem distantes no momento.
“Talvez seja um raiozinho de luz no fim do túnel”, diz Amano sobre a pesquisa sobre linfócitos
FOLHAPRESS
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