Foto: Getty Images/BBC
A chamada superdisseminação — que é quando pacientes transmitem infecções para um grande número de pessoas — ocorre em quase todos os surtos.
Na maioria das vezes não é culpa deles, mas eles acabam tendo um impacto significativo na disseminação das doenças.
Não poderia ser diferente com o atual surto de um novo coronavírus (batizado de covid-19), que começou em dezembro na cidade chinesa de Wuhan e matou até agora mais de mil pessoas e infectou outras 40 mil.
Um dos superdisseminadores foi identificado como sendo o britânico Steve Walsh, que esteve em Cingapura a trabalho e depois foi associado à infecção de quatro pessoas no Reino Unido, cinco na França e uma na Espanha.
O que é um superdisseminador?
O termo é um tanto quanto vago, e não tem uma definição científica consolidada.
Mas trata-se do caso de um paciente que infecta significativamente mais pessoas do que o normal.
Em média, cada pessoa infectada com o novo coronavírus o transmite para duas e até três pessoas.
Mas isso é apenas uma média: algumas pessoas não passarão o vírus para ninguém, e outras, para mais de uma dezena, por exemplo.
Quão grande pode ser um episódio de superdisseminação?
Gigantesco. E eles podem ter um efeito enorme em um surto.
Em 2015, um episódio de superdisseminação à infecção de 82 pessoas a partir de um único paciente hospitalar com a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), um outro tipo de vírus da família de coronavírus.
Na epidemia de ebola na África Ocidental, a maioria dos casos (61%) partiram de poucos paciente (3%).
“Surgiram mais de 100 cadeias de transmissão a partir de um único funeral em junho de 2014”, relata Nathalie MacDermott, do King’s College de Londres.
Por que algumas pessoas espalham mais doenças que outras?
Parte se dá apenas pelo contato com mais pessoas — por causa da natureza do tabalho ou das características de onde vivem, por exemplo —, mesmo que não apresentem sintomas. No surto atual, o vírus pode ser transmitido durante o período de incubação, que vai de 1 a 14 dias.
“Crianças são boas nisso, e é por isso que fechar escolas pode ser uma medida eficiente”, explicou John Edmunds, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Outras pessoas são consideradas “superarmazenadoras”, ou seja, soltam uma quantidade incomum de vírus (ou outros organismos) de seus corpos, ampliando a possibilidade de infectar muitas pessoas.
Hospitais que atuaram contra a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), ligada a um outro tipo de coronavírus, se tornaram centros de superdisseminação porque os pacientes mais doentes eram também os mais infecciosos e entraram em contato com muitos profissionais de saúde.
Como eles podem transformar um surto?
“Os superdisseminadores desempenham um gande papel no início de qualquer surto, momento em que o vírus está tentando se estabelecer”, afirmou Edmunds à BBC News.
Quase todas as novas infecções em humanos, incluindo o novo coronavírus, vêm de animais.
Quando um vírus faz o pulo para o primeiro paciente humano, esse agente infeccioso sofre antes de se tornar uma grande epidemia.
Mas se o vírus encontrar seu caminho até um superdisseminador, aí o surto ganha um impulso. As mesmas regras se aplicam quando casos de uma doença são “importados” em outros países.
“Se há muitos superdisseminadores próximos, será muito difícil conter o surto”, disse MacDermott, do King’s College de Londres.
Como é possível conter uma superdisseminação?
A superdisseminação do novo coronavírus não seria uma surpresa, e não mudaria significativamente a estratégia de contenção do surto.
Até agora, busca-se identificar rapidamente quem está doente e todos aqueles com quem essa pessoa teve contato.
Segundo a Comissão Nacional de Saúde da China, 451.462 pessoas foram identificadas como indivíduos que tiveram contato próximo com pacientes infectados, e 185.037 estão atualmente sob observação médica.
“Toda essa situação torna esse tipo de estratégia muito mais importante. Você não pode errar, você não pode perder de vista superdisseminadores”, explicou Mark Woolhouse, da Universidade de Edimburgo.
Os superdisseminadores têm culpa?
Historicamente, há uma tendência de demonizar um superdisseminador.
Apelidada de “Mary Tifoide”, a cozinheira irlandesa Mary Mallon (1869-1938) transmitiu a febre tifoide quando ainda não tinha desenvolvido qualquer sintoma, e acabou passando décadas no exílio e em quarentena forçada.
Mas, na realidade, isso não foi culpa dela.
“Precisamos ser cuidadosos com as palavras que usamos”, defendeu MacDermott, do King’s College de Londres.
“Eles não fizeram nada de errado. É uma infecção contraída sem qualquer responsabilidade da pessoa. Eles provavelmente estão com medo, e precisam de amor e atenção.”
Para Michael Ryan, da Organização Mundial da Saúde, é lamentável e contraproducente culpar pessoas durante a disseminação do novo coronavírus. “As pessoas não são culpadas. Elas nunca têm culpa nesse tipo de situação. Então, vamos ser extremamente cuidadosos aqui, é muito, muito importante que não estigmatizemos ninguém.”
G1, com BBC
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