Profissionais do Morada da Paz refletem sobre as mudanças no trabalho, desafios emocionais e o impacto da alta demanda durante a pandemia
Há cinco anos, o Brasil registrava a primeira morte por Covid-19, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava oficialmente a pandemia causada pelo coronavírus (Sars-CoV-2). No Rio Grande do Norte, foram registrados 582,6 mil casos da doença, resultando em 8.689 óbitos entre 2020 e 2022, segundo dados do Ministério da Saúde.
O setor funerário esteve entre os mais impactados pela pandemia, enfrentando uma demanda sem precedentes enquanto se adequava a rigorosos protocolos sanitários.
No cemitério, funerária e crematório Morada da Paz, referência no segmento, os desafios foram imensos, exigindo adaptações para garantir que o suporte às famílias enlutadas continuasse sendo prestado com acolhimento, segurança e dignidade.
Mudanças, adaptações e desafios
Para lidar com a alta demanda e prestar atendimento humanizado, foram adotadas diversas medidas, como reestruturação do estoque de insumos, treinamento das equipes para seguir as normas sanitárias e adaptação das cerimônias para respeitar as restrições. Além disso, o Morada da Paz promoveu lives e webinares sobre o luto, auxiliando colaboradores e famílias a enfrentarem esse momento.
A gerente de Cuidado ao Cliente no Morada da Paz, Mariana Cedraz, relembra os desafios enfrentados no início da crise. “Começamos a perceber um crescimento acelerado no número de mortes. Estávamos tão focados em atender as famílias que passamos dias e noites desenvolvendo soluções para viabilizar o atendimento remoto. O setor funerário é burocrático e informatizar processos foi essencial para garantir um serviço eficiente em meio à alta demanda”, conta.
Além dos desafios operacionais, a equipe enfrentou forte desgaste psicológico. “Houve momentos em que atendemos um óbito pela manhã e, horas depois, recebíamos um pedido para adiar o seputamento porque outro membro da família havia falecido. Isso gerou um impacto emocional enorme na equipe, que precisou lidar com o medo da contaminação e, ao mesmo tempo, oferecer acolhimento às famílias em luto”, destaca Mariana.
Acolhimento e novas formas de despedida
Lucineide Bento da Silva, cerimonialista no Morada da Paz, relembra que a pandemia exigiu uma nova abordagem no acolhimento das famílias. “Foi um período de muitas incertezas, medo e tristeza.
Precisamos reorganizar a equipe para garantir um atendimento respeitoso e seguro, sem perder a essência do nosso trabalho: honrar a memória de quem partiu com segurança para todos e, em especial, oferecer conforto a quem ficou”, explica.
Com as restrições sanitárias impedindo velórios tradicionais, o Morada da Paz adaptou o ambiente das cerimônias para tornar as despedidas mais personalizadas. Foram criadas
homenagens simbólicas, utilizando porta-retratos, banners, flores e mensagens personalizadas para tornar os momentos de despedida mais acolhedor, mesmo com a limitação do contato físico que limitava até mesmo um abraço nos enlutados.
“Um dos primeiros sepultamentos que realizamos foi de um médico. Saber que aquela pessoa, que dedicou sua vida a cuidar e salvar outras, havia partido foi muito impactante. Nos unimos para organizar uma despedida que realmente honrasse sua memória. Criamos um ambiente especial, reunimos fotos, flores e fizemos uma homenagem com um texto emocionante. Até hoje me emociono só de lembrar”, compartilha Lucineide.
O impacto emocional e suporte psicológico
O impacto emocional da pandemia também exigiu um olhar especial para a saúde mental dos profissionais do setor funerário. O Serviço de Psicologia do Luto, que já era oferecido aos colaboradores antes da pandemia, foi ampliado para atender a crescente demanda emocional da equipe.
Mariana conta que houve momentos em que se perguntou como seria passar por tudo aquilo. E o medo de levar o vírus para casa era constante. “A pressão era enorme: além da preocupação com minha família, meu trabalho exigia que eu estivesse presente, lidando diretamente com pessoas em luto. Foi nesse período que comecei o acompanhamento psicológico, pois a sobrecarga emocional de gerir uma equipe e enfrentar tantos desafios”.
Cinco anos depois: reflexões e aprendizados
Hoje, cinco anos após o início da pandemia, Mariana e Lucineide seguem atuando no acolhimento às famílias e compartilham suas reflexões sobre o período.
“Viver esse período me fez refletir sobre a importância do meu trabalho ao longo desses 20 anos, especialmente nos momentos de dor e saudade das famílias enlutadas. Mais do que uma profissão, é uma missão que reafirma, todos os dias, que na era da inteligência artificial, a presença humana é insubstituível”, destaca Lucineide.
Para Mariana, a pandemia mudou sua perspectiva sobre a vida e a morte. “A morte pode chegar para qualquer um, a qualquer momento, sem aviso. Isso me fez perceber a importância de viver e amar no presente. Antes, eu priorizava o trabalho, estendia jornadas, trabalhava nos finais de semana. Hoje, busco estar mais presente para minha família. Quero viver cada momento com intensidade”, conclui.
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