No início, os deuses da tecnologia criaram a internet e viram que era algo bom. Finalmente havia um espaço público com potencial ilimitado para um debate racional e uma troca de ideias, uma espécie de ponte para ampliar os horizontes ligando as muitas barreiras geográficas, sociais, culturais, ideológicas e econômicas que nos separam na vida, uma maneira de fazer as coisas livremente.
Mas então alguém inventou a seção de “comentários do leitor” e o paraíso foi perdido.
A internet, deve ser dito, ainda é um lugar maravilhoso para o debate público. Mas quando se trata de ler e compreender artigos online – como este, por exemplo – este meio pode ter um efeito surpreendente poderoso sobre a mensagem. Uma pesquisa feita por professores de ciência da comunicação na Universidade de Wisconson-Madison, nos EUA, mostrou que comentários de alguns leitores podem distorcer, e muito, o que outros leitores acham daquilo que foi inicialmente informado nos artigos e notícias.
Mas, neste caso, não é o conteúdo dos comentários que importa. É o tom deles.
No estudo publicado online no mês passado na revista acadêmica The Journal of Computer – Mediated Communication, foi relatado um experimento para medir o que pode ser chamado de “efeito grosseria”.
Foram selecionados 1.183 participantes para os quais foi pedido que lessem cuidadosamente um post de um blog fictício em que eram explicados os riscos e os benefícios potenciais de um novo produto tecnológico chamado “nanopartícula de prata”. De acordo com o artigo no blog, estes elementos minúsculos de prata, mais finos do que 100 bilionésimos de um metro em qualquer dimensão, têm vários benefícios potenciais (como propriedades antibacterianas) e riscos (como contaminação da água).
Em seguida, os participantes eram instruídos a ler os comentários, supostamente publicados no blog fictício por outros leitores, para depois responder às perguntas sobre o conteúdo do próprio artigo.
Metade dos participantes foi exposta aos comentários de leitores mais civilizados e a outra metade, às opiniões mais grosseiras – em ambos os grupos, o conteúdo, a extensão e a intensidade dos comentários eram equivalentes, embora variassem entre os que apoiavam a nova tecnologia e os mais cautelosos em relação aos riscos.
A única diferença era que os comentários grosseiros continham palavrões ou insultos pessoais como “se você não vê benefícios no uso da nanotecnologia neste tipo de produto, você é um imbecil” ou “Você é estúpido se não pensa nos riscos para os peixes, plantas e outros animais por causa da água contaminada com prata”.
Os resultados do experimento foram surpreendentes e perturbadores. Os comentários mais grosseiros não só polarizaram os leitores que participaram da pesquisa, mas com frequência mudaram a interpretação deles sobre o próprio conteúdo do artigo.
No grupo exposto às reações mais contidas, tanto os participantes que apoiaram a nova tecnologia quanto os que a desaprovaram ao ler o texto mantiveram sua opinião depois de ler os comentários. Já os outros participantes, que leram as manifestações grosseiras, ficaram depois com uma compreensão mais polarizada sobre os riscos da nanopartícula fictícia.
O simples fato de haver um ataque pessoal no comentário de um leitor foi suficiente para fazer os participantes pensarem que as desvantagens da tecnologia fossem maiores do que eles haviam imaginado antes ao ler o texto.
Embora seja difícil quantificar os efeitos distorcivos dessa grosseria online, ela ocorre de maneira substancial e particularmente – talvez ironicamente – na área do jornalismo científico.
Cerca de 60% dos norte-americanos que buscam se informar sobre assuntos científicos afirmam que a sua fonte primária de informação é a internet – ela aparece no topo sobre qualquer outra fonte de notícias.
Novas regras. A situação em que vivemos, de uma mídia online emergente, criou um novo fórum público sem as tradicionais normas sociais e o autocontrole que normalmente influenciam nossas trocas de ideias cara a cara com uma pessoa – e este meio determina cada vez mais aquilo que sabemos e o que achamos que conhecemos.
Claro que uma estratégia possível para diminuir o efeito da grosseria é fechar completamente o espaço de comentários, como algumas empresas de comunicação e blogueiros fazem. Por exemplo, o post no blog de Paul Krugman, no New York Times, publicado no dia que marcou os dez anos dos atentados de 11 de setembro de 2001, terminou simplesmente com: “não vou permitir comentários neste post, por razões óbvias”.
Outras organizações de mídia adotaram regras para favorecer a civilidade entre os leitores de seus sites ou para receber comentários de usuários mais moderados.
Mas, como dizem, é só para enxugar gelo. A interação do leitor é parte do que faz a internet ser a internet, como também o Facebook, Twitter e qualquer outra plataforma de mídia social. Este fenômeno só vai ganhar mais impulso à medida que avançamos para um mundo de celulares e TVs inteligentes em que qualquer tipo de conteúdo se incorpora imediatamente ao fluxo constante de comentários e aos contextos sociais.
É possível que as normas sociais neste admirável domínio novo mudem mais uma vez – e que os usuários passem a rejeitar ataques mesquinhos de alguém que assina com um pseudônimo e, em vez disso, cultivem o debate civilizado. Até então, tenham cuidado com o efeito grosseria.
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