Deu no Diário de Natal
Ele sempre perguntava à criança o nome da rua”, conta o pai da vítima. Começa assim a história de assédio sexual contra duas meninas, de 10 e 11 anos de idade, estupradas dentro de casa na quinta-feira que antecedeu o carnaval, no dia 9 de fevereiro. O suspeito, já reconhecido pelas vítimas e por mais cinco crianças, está preso no Centro de Detenção Provisória do Panatis, Zona Norte, para onde vão os que são presos acusados de crimes sexuais. Neste caso o suspeito é o motoboy José Antônio da Silva, 31 anos, que assumiu seus atos e se disse uma pessoa “doente” durante entrevista a O Poti/Diário de Natal, reproduzida a seguir. A “doença” a que Antônio se refere é a pedofilia, atração sexual por crianças, meninos ou meninas. Ele sente prazer em vê-las despidas, ao tocar seu corpo inocente, ao fazê-las se beijar ou praticar nele sexo oral.
As acusações contra José Antônio não incluem penetração anal ou vaginal. Ainda assim, ele praticou crime de estupro devulnerável, conforme consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei dos Crimes de Identidade Sexual e no Código Penal, reformado em 2009 para incluir a situação de atentado violento ao pudor. Antes estupro era apenas quando havia penetração. O trabalho de motoboy executado por José Antônio facilitava sua ação.
Naquele começo de noite de quinta-feira ele passava de moto em uma rua no bairro de Dix-Sept Rosado, Zona Leste, quando viu as duas irmãs e se sentiu atraído por elas. As meninas estavam sozinhas em casa porque o pai tinha ido buscar a mãe no trabalho. Antes disso, ele havia perguntado o nome daquela rua onde elas caminhavam entre o ponto de ônibus e a residência da família, conforme relatou o pai, um servidor público municipal que, obviamente, não será identificado, tampouco suas filhas. “As meninas disseram o nome da rua e seguiram caminho. Acho que ele ficou observando de longe e, quando entraram em casa, ele foi pedir água. A rua é clara, tinha muita gente na vizinhança, mas ninguém suspeitou dele porque moramos ali há menos de um ano e não conheço todos os vizinhos. Acharam que era um parente”, relata o pai. Antes de pedir água às meninas, Antônio cumprimentou os vizinhos.
Às garotas, disse que precisava tomar um medicamento. “Elas trouxeram um copo d’água, que não deu para passar na fresta do portão. Então ele falou: ‘Ou vocês trazem um copo menor ou abrem o portão’. Inocentemente elas abriram um pouquinho e ele botou o pé para dentro”. Depois, aconteceu o pior. Rapidamente, Antônio pediu que as duas meninas fossem ao cômodo que fica do lado da área da residência, próximo ao banheiro. Por ser um estranho, e dizendo que estava armado, as meninas obedeceram.
“Ele dizia que sabia onde elas estudavam, que elas não gritassem, que as mataria se contassem aos pais. Minha filha contou que ele mandou elas tirarem as roupas e depois começou a fazer sexo oral nelas. Logo após, pediu para que elas tocassem nele, e que se abaixassem e fizessem da mesma forma com ele. Não houve conjunção carnal”. Temendo a chegada de alguém, o estranho se vestiu e foi embora após quase meia hora. O pai relatou que vizinhos contaram que ele ainda quis voltar “para terminar o serviço, mas ficou com medo de aparecer alguém e foi embora”. A primeira reação das meninas, desesperadas, foi ligar para a avó. “A avó delas me ligou dizendo que as meninas contaram que tinha um homem querendo entrar dentro de casa”.
Correndo ao encontro das crianças o pai encontrou as garotas chorando muito, dizendo que um homem havia estado ali e queria fazer mal a elas. “Me abraçaram muito, percebi que elas estavam nervosas e liguei para a polícia. Meia hora depois minha mulher veio me dizer que conversou com as duas e disse que o homem não havia tentado entrar. Ele havia entrado realmente e feito tudo que já relatei. Acho até que ele levou os documentos de uma delas porque depois disso a identidade sumiu”, acrescentou o servidor público. Na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), o pai iniciou a busca que culminou na prisão em flagrante de José Antônio da Silva no dia seguinte. O suspeito já estava no encalço das investigações do delegado José Francisco Correia Júnior, titular da DCA.
Crime é comum no seio familiar
O caso de José Antônio foi o mais grave já visto pelo delegado Correia Júnior, durante o tempo em que está na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), desde outubro de 2011. Mas é um crime que ocorre com relativa frequência, e especialmente nas classes econômicas menos favorecidas. Essa semana, durante coletiva de imprensa, o novo arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, declarou que a pedofilia, que foi alvo de inúmeros escândalos no Brasil e no exterior dentro da Igreja Católica, é um problema que surge no seio familiar. “Esse problema da pedofilia certamente existe na sociedade. A igreja, como uma instituição forte, com mais de dois mil anos, muitas vezes incomoda principalmente sob o ponto de vista da moral e liberdade restrita. Talvez por isso os holofotes do mundo se voltam mais à igreja. Quem mais exige também é mais cobrado”, afirmou ele.
Atualmente a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) investiga 53 casos com suspeita de crimes contra maus tratos, aliciamento e violência sexual contracrianças e adolescentes, mas já são 856 os inquéritos instaurados. Destes, 803 foram remetidos à justiça desde 30 de maio de 2001, quando a delegacia foi criada. No ano passado, foram 229 estupros de vulneráveis, que se referem a crianças ou maiores de idade impossibilitados de reagir. Nenhum caso se refere a pessoa religiosa, padre ou pastor.
A maior parte dos casos de 2011, por exemplo, ocorreu conforme afirmou o arcebispo, no seio familiar ou com pessoas próximas às famílias da vítima. Pais (37 casos), padrastos (33), namorados (15), tios (13) e avós (12) respondem pela maior parte dos casos de estupro de vulneráveis registrados no ano passado. “Todos os casos ocorrem nas classes mais pobres. Não há sequer um suspeito de classe A ou de classe média alta. No máximo, apenas vítimas”, afirmou o delegado Correia Júnior.
Estatísticas da DCA também trazem dados sobre sexo e faixa etária das vítimas e dos agressores dos casos registrados em 2011. A maior parte das vítimas de estupro são meninas: entre 12 e 17 anos (98 casos), entre 7 e 11 anos (64) e entre zero e 6 anos (42). No caso dos meninos, as vítimas em geral têm entre 12 e 17 anos (18 casos), seguidas entre 7 e 11 anos (16) e entre zero e 6 anos (11). Os ofensores, no caso de estupros, geralmente são homens entre 30 e 64 anos (88 casos), seguidos de 18 a 29 anos (54), e acima de 64 anos (4 casos). Mulheres também exploram crianças. Treze mães ou madrastas entre 30 e 64 anos estupraram seus filhos, e duas entre a faixa etária de 18 a 29 anos fizeram o mesmo. Somados todos os crimes contra a infância e adolescência registrados na DCA, inclusive maus tratos, desaparecimento, corrupção de menores e aliciamento, o total chega a 1.152.
A mente de um pedófilo
Entender o que se passa na cabeça de quem é suspeito de estuprar pelo menos 20 estupros contra crianças não é fácil, mas durante a entrevista concedida pelo motoboy José Antônio da Silva a O Poti/Diário de Natal, se percebe que ele está no mínimo pensativo com o que fez. A entrevista começou por volta das 9h da manhã e durou pouco mais de meia hora. José se manteve quase sempre de cabeça baixa, com os olhos marejados e as mãos cruzadas, presas por algemas. No depoimento, ele se disse preocupado com a ausência de visitas da família e com a repercussão do caso na imprensa. Respondia com voz baixa, quase sussurrando, mas não se negou a pedir ajuda.
“Preciso entrar em contato com minha família pra que eles venham aqui me ver. Preciso também conversar com algum advogado, conversar com alguém. Estou desesperado”, disse ele, insistentemente e repetidas vezes. Ao ser questionado sobre a prática de pedofilia, José Antônio disse assumir que tem “essa doença maldita”, como assim chamou, e que “precisa de tratamento urgente”. Ao final, ele pediu perdão às famílias das vítimas que foram estupradas por ele em sua moto, tanto na rua quanto dentro das casas. “Peço que me perdoem e que Jesus abençoe cada um deles. Eu sei que é difícil compreender uma pessoa que errou”, afirmou.
Informado sobre o pedido de perdão do acusado que assediou suas filhas, o pai das duas meninas desabafou que depois do que ocorreu com sua família, sua vida mudou. “Sem exageros, me decepcionei com o ser humano, estou descrente de tudo, inclusive desse pedido de perdão. Como é possível alguém fazer isso?”, questiona. “Só compreende a situação um pai que passa por isso. Ele violentou a inocência delas. Não tenho perdão para ele. Ele violentou a coisa mais preciosa que existe que é a inocência das meninas. Não sei explicar o que sinto, mas é muita dor. A morte de um sujeito desse é pouco. A mágoa é tão forte que não consigo traduzir a revolta que sinto agora. Sei que seria também um crime, mas a vontade é de trucidar um sujeitodesses”.
Estupros de crianças são situações que chegam através de denúncias à Polícia Civil. “É um crime silente, não tem testemunhas, não tem violência física aparente. Na maioria das vezes não há conjunção carnal. Os parentes próximos se aproveitam e alisam as crianças, pedem para masturbá-lo, alisam a genitália delas”, enumera Correia Júnior. “Os exames de conjunção carnal não vão constar no caso em que não há penetração. São poucas provas materiais. A principal delas é a avaliação psicológica feita pelo Instituto Técnico e Científico de Polícia (ITEP). Elas relatam o fato como aconteceu, do jeito delas. Muitas condenações dependem desses depoimentos. É preciso que se perca o medo e denuncie os agressores”.
É comum, segundo o delegado, o crime de pedofilia e estupro de menores ser praticado e ficar escondido em municípios do interior, de acordo com os casos que chegam à DCA em Natal, única delegacia especializada no Estado. “É um crime cometido nas camadas mais pobres. Muitas mães querem esconder o fato. Muitas querem casar suas filhas cedo para garantir, inclusive, estabilidade financeira. Só que menores de 14 anos não têm discernimento da questão sexual, e as pessoas se aproveitam disso. Mas a polícia só pode chegar ao caso se tomar conhecimento. O interesse não é da mãe, e sim do Estado. Criança não está em idade de praticar sexo”.
Para Correia Júnior, a pedofilia é um distúrbio. “Saber se é doença ou não é algo que perpassa a psicologia, medicina e até a sociologia, e não cabe a mim enquanto delegado, mesmo que eu investigue esses casos. Mas que não é algo comum ao cidadão médio. É um distúrbio que se aproveita de uma situação de vulnerabilidade. Eles se acham no direito de usar o corpo da criança”, opinou.
muito triste,coitadas DEUS mim protega!!arlete