Josias de Souza:
Estabeleceu-se entre Dilma Rousseff e os partidos que a apoiam no Congresso uma atmosfera de mesa de pôquer.
A presidente decidiu jogar o peso de sua autoridade no pano verde das incertezas legislativas. Nega-se a entegar R$ 4 bilhões “exigidos” pelos aliados.
Os líderes governistas na Câmara, à frente Henrique Eduardo Alves (PMDB), arrastaram sua fichas: sem as verbas, as votações vão desandar.
Informada da ameaça, Dilma dobrou a aposta. Disse que não prorrogará o decreto que cancela nesta quinta (30) as emendas reivindicadas pelos parlamentares.
Numa conversa privada com dois auxiliares, Dilma soou assim: “Se acham que vão me dobrar na base da chantagem, estão enganados”.
Dilma contrapõe à exigência dos congressistas o “interesse nacional”. Esgrime argumentos que, segundo imagina, encontrarão eco na opinião pública.
Alega que, cedendo aos congressistas, prejudicaria o equilíbrio fiscal num instante em que o governo corta R$ 50 bilhões do orçamento.
Sustenta, de resto, que a parcimônia no manuseio da chave do cofre é vital para manter sob controle as taxas de inflação.
A “chantagem” foi levada a Dilma pela ministra Ideli Salvatti (Coordenação Política). A presidente recebia no Alvorada senadores do PSB, PDT e PCdoB (foto no alto).
Ideli passara a manhã com a cintura encostada no balcão. Reunira-se com a bancada de deputados do PT. Almoçara picadinho e camarão providos por Henrique Alves.
O anfitrião arrastara para a mesa os líderes dos demais partidos que integram o consórcio governista.
Henrique relatou o andamento do repasto em tempo real, no twitter. Absteve-se despejar na web todo veneno servido a Ideli.
Ficou entendido que, sem as verbas das emendas de anos anteriores, levadas ao orçamento de 2011 na rubrica “restos a pagar”, a Câmara se rebelaria.
A sublevação poderia manifestar-se horas depois, na votação noturna do regime que estabelece rito acelerado às licitações das obras da Copa e das Olimpíadas.
Presente ao almoço, o petista Cândido Vaccarezza, líder de Dilma na Câmara, disse que, à falta das emendas, ficaria difícil “segurar” os aliados.
Com as palavras dos líderes atravessadas na traquéia, Ideli foi ao encontro de Dilma. No Alvorada, puxou-a pela braço. Disse-lhe que precisava conversar a sós.
Dilma pediu licença aos senadores que a rodeavam. Em privado, trocou um dedo de prosa com Ideli. Voltou à sala com cara de poucos amigos.
Declarou aos senadores, segundo relatos recolhidos pelo blog, que os deputados a estavam pressionando a tomar decisões inadequadas. Fincou o pé.
Voltou a dizer que não vai prorrogar o decreto das emendas. Obras e serviços não licitados até esta quinta (30) vão ao arquivo. E ponto.
Mais tarde, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), um dos senadores que passaram pelo Alvorada, escalou a tribuna do Senado.
Em meio a elogios às políticas econômica e social do governo, endossou a decisão de Dilma. Responsabilizou os prefeitos pela encrenca das emendas.
Disse que os gestores municipais não foram capazes de demonstrar a viabilidade técnica dos gastos enganchados no orçamento nos anos de 2008, 2009 e 2010.
Estabelecido o impasse, Ideli repassou aos deputados a decisão de Dilma. Numa tentativa vã de simular prestígio, anunciou a liberação de R$ 150 milhões.
Longe de adocicar os ânimos, a novidade tonificou o azedume. Por quê? As emendas sob o selo de “restos a pagar” somam R$ 4,750 bilhões.
Há cerca de dois meses, num encontro com prefeitos, Dilma comprometera-se a liberar R$ 750 milhões. Mas soltou apenas R$ 500 milhões.
Ou seja: os R$ 150 milhões levados à mesa por Ideli não cobrem nem a diferença do que já estava prometido: R$ 250 milhões.
Com o humor conspurcado, os deputados foram ao plenário. Depois de passar o dia rugindo como leões, miaram à noite.
Levada a voto, a proposta que flexibiliza as licitações da Copa e das Olimpíadas foi aprovada com as alterações que o governo consentiu.
Significa dizer que, na primeira rodada do pôquer, Dilma prevaleceu sobre a “chantagem”. Seus apoiadores alegam que lhe deram um “voto de confiança”.
Asseguram que, se não recuar, Dilma será chamuscada pela reação de uma coligação em chamas. Será?
Além das emendas, há os cargos. E a presidente, na cadeira há escassos seus meses, ainda manuseia uma caneta cheia.
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