Foto: Reprodução / Globo
Demitido e “cancelado” nacionalmente após denúncias de assédio sexual e moral, o ator, redator e ex-diretor da Globo Marcius Melhem diz que atravessa um “pesadelo do qual não sabe se e quando vai acordar”. Afirma que sua mãe, a ex-mulher e até suas filhas sofreram e ainda sofrem com ataques de terceiros.
O assunto voltou à tona nesta semana, depois que a atriz Dani Calabresa, uma das mulheres que denunciaram Melhem ao “compliance” da emissora, falou sobre o caso no programa “Saia Justa”, do GNT —sem citá-lo nominalmente.
“Hoje, analisando, por causa do trabalho eu não reagi antes. Tinha tanto medo de sofrer algum boicote, ser prejudicada, que não reagi antes. Assédio é tão assustador que a gente tenta negar para a gente mesma. Tenta fingir que aquilo que está acontecendo é normal. Você segue do jeito que consegue, fingindo normalidade, tentando ser legal, dizendo que tá tudo bem, que não está brava.”
Melhem continua negando as acusações e afirma que a atriz “mentiu e agiu por vingança”. Segundo ele, a vingança teria a ver com o fato de ela ter tido um projeto recusado pela direção do humorismo da Globo.
Procurada, Dani Calabresa não quis comentar as alegações do ex-diretor. A TV Globo também afirmou que não se manifestaria.
Denúncia de 2019
O “compliance” é um departamento que está surgindo em quase todas as empresas do Brasil e do mundo na esteira de investigações de corrupção e de casos de assédio moral e sexual.
A denúncia de Calabresa foi feita em 2019, mas voltou a virar notícia no final do ano passado, após reportagem da revista “piauí”.
Depois de meses sendo ameaçado de violência física nas redes sociais e pessoalmente, Melhem afirma que o que mais o revolta nem é isso: são as ameaças e as perseguições à sua família.
Ele teme a “cultura do cancelamento e do ódio” e até cita o “Big Brother” como um exemplo nocivo de uma era de perversidade e justiçamento —e por pessoas que, na maioria das vezes, não conhecem o caso a fundo.
O humorista decidiu processar Dani Calabresa por difamação, injúria, calúnia e está exigindo indenização de R$ 200 mil, além de compensação financeira por tudo o que gastou nos últimos meses, em médicos e terapia.
Também está processando outros humoristas, como Danilo Gentili, de quem afirma ter sofrido ofensas públicas. Gentili nega e diz que estava fazendo piada do caso.
Por fim, abriu processo em separado contra a revista “piauí”, que acusa de erros factuais e de ter feito uma reportagem “grave” toda em “off” (sem identificar as pessoas ouvidas). Procurada, a “piauí” disse que não manifestaria.
Projeto recusado
Sobre Calabresa, o ex-chefe de humorismo da Globo é assertivo: nega todas as acusações e afirma que a atriz tinha outras motivações. “Ela mentiu e agiu por vingança”, afirma. Vingança, segundo ele, porque teve um projeto recusado na Globo.
O humorista afirma que, justamente quando começou a exibir publicamente provas de que o relacionamento entre ambos era amistoso e carinhoso —inclusive entre 2017 e 2019, quando a atriz afirma que sofreu os assédios—, ela e sua advogada correram à Justiça para calá-lo e exigir sigilo nas investigações.
“Quer me calar porque tenho provas [de que ela mente].”
Melhem apresentou à Justiça mensagens de celular que teria trocado com Dani Calabresa, comprovando que a relação entre ambos era boa.
No programa “Saia Justa”, a atriz afirmou: “Nada autoriza assédio. Nenhuma brincadeira, nenhuma mensagem autoriza assédio. Naquele dia foi carinhosa, riu, bebeu, não interessa. Ninguém tem o direito de forçar o contato físico com ninguém. É preciso permissão”.
Ameaçado e isolado
Melhem diz que não sai de casa há meses, e não por causa da pandemia. Ele afirma ter medo de violência, devido à repercussão do caso.
No entanto, diz que no meio de todo esse “inferno” que atravessa, ao menos algo de bom aconteceu: colegas da Globo que o acusaram e fizeram postagens agressivas agora o procuram e pedem desculpas.
Alguns, no entanto, não tentam reaproximação. “Tem gente que agora não pode mais voltar atrás. Como fica para elas entender que tudo não passou de vingança [de Calabresa?”
Segundo a colunista Mônica Bergamo, da “Folha de S.Paulo”, outras oito mulheres fizeram denúncias contra o humorista, mas até o momento nenhuma delas falou publicamente sobre o caso. Elas deram depoimento à ouvidoria do Conselho Nacional do Ministério Público.
Leia, abaixo, trechos da entrevista com Marcius Melhem.
UOL – Passados cerca de quatro meses do agravamento do caso, como você está? Você disse que chegou a ser ameaçado… Já sai em locais públicos?
Marcius Melhem – Não saio. E não só eu. Acusações sem rosto e sem provas, vingança, linchamento público destroem emocionalmente você e sua família.
Além dos meus pais, irmãos, ex-mulher, tenho filhas pré-adolescentes já profundamente marcadas por essa covardia. Com reflexos na escola, por exemplo, que as pessoas sequer imaginam quando te pré-julgam e destroem publicamente.
Acho que o “BBB 21” escancarou mais as consequências dessa cultura do ódio e do cancelamento. Eu falo desde sempre que buscar apenas o cancelamento de alguém, sem ir à Justiça, sem dar a alguém o direito à defesa e à mudança, é a barbárie. Quero acreditar que as pessoas estão vendo isso melhor hoje.
UOL – Você me disse em entrevista em dezembro que as pessoas o linchavam sem nem considerar a dúvida. Você acha que hoje isso mudou? Que já existe essa dúvida?
Melhem – Acho que informações novas mudaram a percepção de muita gente. Mas, depois, muita coisa entrou em sigilo, fica mais forte na lembrança aquela avalanche inicial. A opinião pública ainda não sabe de tudo.
Na entrevista de Dani Calabresa ao “Saia Justa” (GNT), ela diz que, por causa do medo de boicote no trabalho, não reagiu à época do suposto assédio e fingiu normalidade até a hora em que não deu mais e denunciou. Infelizmente, mulheres sofrem isso todos os dias. E ela construiu um discurso para se encaixar nesse lugar.
Mas, no caso dela, é mentira. Dani e eu tivemos uma relação pessoal e profissional absolutamente saudável até 2019. Ela não era nem de longe alguém disfarçando ou tentando parecer normal.
Ela quer fazer crer que você mostra nudes a seu chefe para disfarçar, sem ele nem pedir; que, para fingir normalidade uma semana depois de um suposto assédio, responde em privado a um parabéns enviado no grupo, convidando seu chefe para ir à Disney e agradecendo por tudo que ele é de bom na sua vida; que, para não sofrer boicote, liga para falar da sua vida ou mal de algum colega.
E ainda quer fazer crer que talvez seja coincidência ela “arrebentar a tampa desse caldeirão” [frase que Calabresa usou na entrevista ao GNT] e começar a acusar um colega de um assédio de dois anos atrás no exato momento em que tem uma desavença profissional com ele.
Dani Calabresa vai distorcendo a realidade, tentando se encaixar num perfil que a sociedade compre e que, infelizmente, acontece todos os dias. E, como mulher, sua palavra tem muito valor.
Eu, como homem, estou a priori errado e condenado. Mas peço o benefício da dúvida e atenção aos atos e à cronologia dos fatos.
Então, quando eu a processo e começo a mostrar provas, ela corre e pede à Justiça para me calar [foi pedido que o processo seguisse em segredo de Justiça]. E depois tenta convencer as pessoas de que ela que buscou a Justiça primeiro. Ela vai moldando o discurso às circunstâncias para receber apoio e aplauso.
UOL – Sei que o caso está agora sob sigilo. Você acha que o desfecho ainda está distante?
Melhem – Não sei. Isso só os advogados saberiam dizer. O que eu posso garantir é que, dure o tempo que durar, tanto para a Justiça quanto para a sociedade, é preciso esclarecimento. Que todos os lados sejam olhados com isenção.
UOL – O humorista Danilo Gentili afirmou que você quer “intimidar” testemunhas e pessoas como ele… Que ele só fez piada do caso. Você está notificando judicialmente algumas pessoas, mas não vi você notificar jornalistas. E nós também criticamos você.
Melhem – Eu não processo quem me critica ou quem faz piada. Eu processei quem me ofendeu com grande repercussão. São quatro processos apenas. E muito mais gente falou de mim.
Milhões de pessoas foram induzidas a me achar um abusador, um assediador, sem saber que nem processo na Justiça há contra mim. Sem saber que ninguém me acusou publicamente de algum ato criminoso. Sem saber que só houve ida à Justiça porque eu fui primeiro.
A crítica é livre. A ofensa, não. Só processei quem me caluniou. A crítica faz parte. Mesmo as de que eu discordo. Mas não é verdade que não busco justiça contra a imprensa. Aquela matéria absurda e mentirosa da revista “piauí” é alvo de processo, sim.
Lá nós listamos os 43 erros da reportagem. Quem tiver interesse, vale procurar na internet. Isso é muito grave! Destruiu minha dignidade. Até hoje falam dessa reportagem. Toda feita em “off”, com erros absurdos.
Então, comecei a mostrar algumas evidências. E a opinião pública foi começando a entender. Para mim pode abrir tudo. Mostrar tudo. Qualquer mensagem, áudio, tudo. Não tenho nada a esconder.
UOL – Que conselho você daria para uma pessoa que sofresse hoje uma acusação igual à que você está enfrentando?
Melhem – Que busque a Justiça, esclarecimento, verdade. Sem deixar de olhar para si e para os seus erros.
Eu fui condenado por muita gente numa onda, sem precisar de prova nenhuma, de rosto nenhum. Depois, do pouco que veio à tona, já recebi muitas ligações de pessoas querendo entender melhor.
É pedir muito o benefício da dúvida? Essa história é muito mais intrincada do que parece.
Vou assumir todos os meus erros. Mas, preciso mostrar que pessoas estão usando uma causa importantíssima para conseguir ganhos secundários. É fundamental que tudo seja esclarecido. Na Justiça e fora dela. As motivações, os personagens centrais ainda vão aparecer.
UOL – Última pergunta: você acha que dinheiro, que indenizações podem resolver toda essa questão de alguma forma?
Melhem – Claro que não. Por isso que, desde o início, eu já avisei que vou doar as indenizações. Não tem dinheiro que pague o que eu e minha família estamos sofrendo.
Quando tudo isso passar, minhas filhas têm que poder encontrar informações sobre o que realmente aconteceu. Eu preciso mostrar que o pai delas errou, mas que nunca na vida cometeu qualquer ato de violência nem crimes.
Quero aproveitar para agradecer às dezenas de pessoas que todos os dias me ligam, me escrevem, me dão uma palavra de conforto, mas que não podem aparecer com medo de serem canceladas. E [agradeço] ao público em geral, em cuja inteligência sempre confiei, e de quem também recebo muitas e muitas mensagens.
Ricardo Feltrin – UOL
Entrevista exclusiva do UOL, frise-se