O futuro da licitação para escolha das novas empresas responsáveis por explorar as linhas de ônibus de Natal passa por um pedido de indenização de R$ 389 milhões. O Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Natal (Seturn) exige da Prefeitura de Natal o pagamento dessa quantia como indenização pelos investimentos realizados no setor nos últimos anos. De acordo com o assessor jurídico do Seturn, Wlademir Capistrano, não será possível romper o atual vínculo com as empresas de ônibus sem o pagamento da indenização.
Um levantamento detalhado da indenização pedida foi protocolado pelo Seturn na ação civil pública promovida pelo Ministério Público Estadual para obrigar a Prefeitura de Natal a realizar a licitação. O valor de R$ 389 milhões é fruto dessa auditoria, contratada pelas empresas de ônibus e diz respeito a valores atualizados até junho de 2009. Esse montante, corrigido, pode ser ainda maior. A Prefeitura, segundo Wlademir Capistrano, precisa realizar um levantamento próprio para conferir os valores cobrados. Inclusive, na ação civil pública, as empresas de ônibus solicitam que o juiz determine a realização desse levantamento.
De acordo com o Seturn, a indenização significa um ressarcimento do montante investido pelas empresas nos últimos anos para o funcionamento do sistema de transporte público. A auditoria lista vários investimentos, como aquisição de novos ônibus, manutenção da frota, implantação do sistema de bilhetagem eletrônica, entre outros. A maior parte do valor pedido é referente a uma “defasagem tarifária”. Em outras palavras, as empresas afirmam que os valores cobrado pelas tarifas de ônibus nos últimos anos estavam defasados e não foram suficientes para cobrir os investimentos da iniciativa privada. Somente por “defasagem tarifária” as empresas cobram R$ 265,6 milhões.
O fundamento jurídico para o pedido é o artigo 42 da lei 8987, de 1995. Trata-se da lei que rege as concessões de serviço público. O poder público (a Prefeitura, no caso) pode delegar a outros (empresas privadas, como as responsáveis pelo transporte público em Natal) a prestação de um serviço (o transporte de passageiros, nesse caso). Para isso, as empresas investem na realização e manutenção desse serviço ao passo que cobram da população uma tarifa para reaver os custos e o dinheiro investido. O poder público por sua vez precisa garantir que as tarifas irão, a partir do preço mais módico possível, ressarcir os investidores.
Atualmente, o Seturn alega que as tarifas não foram suficientes para garantir esse “equilíbrio econômico-financeiro”. Em Natal, não há concessão para explorar as linhas de ônibus, mas uma “permissão”. Ou seja, não houve concorrência para a escolha das atuais empresas e o contrato não tinha um prazo definido de validade.
Apesar de ter sido protocolado na Justiça somente no dia oito de junho desse ano, o levantamento do Seturn foi enviado à Prefeitura de Natal, segundo Wlademir Capistrano, em junho de 2009, logo após o anúncio de não renovar as permissões. Capistrano diz que outros dois ofícios foram enviados ao poder municipal, lembrando da necessidade de uma auditoria para fixar os valores ainda devidos. “A responsabilidade, na verdade, é da Prefeitura, mas como o prazo chegava ao fim e nada era feito, o Seturn se adiantou e apresentou essa auditoria”, diz Wlademir. E complementa: “Basicamente, essa é a “conta” apresentada pelas empresas. Claro que a Prefeitura irá fazer o seu próprio levantamento e concordar ou não com esse valor”.
A “conta” – independente do valor – pode ser paga de várias maneiras, desde o pagamento em parcela única até a emissão de créditos para as empresas ou o repasse da dívida para os futuros ganhadores da licitação. “O que a Justiça não vem admitindo é a possibilidade de pagar a indenização prorrogando a validade das permissões”, encerra Wladimir.A Prefeitura de Natal foi contatada pela TRIBUNA DO NORTE, através do procurador-adjunto Eider Nogueira e do secretário de Comunicação, Jean Valério. Ambos disseram desconhecer a solicitação do Seturn.
Defasagem da tarifa é o que mais pesa na “conta”
Somente os valores refentes a uma suposta defasagem da tarifa de ônibus nos últimos anos (R$ 265,6 milhões) são responsáveis por mais de 68% da indenização pedida pelo Seturn à Prefeitura de Natal. O que as empresas de ônibus dizem nas entrelinhas é que durante o período auditado, de 2002 a 2009, a passagem de ônibus não acompanhou os custos de operação no mesmo período e por isso houve prejuízo. Para balizar a auditoria, foi utilizado um índice chamado GEIPOTI, comum, de acordo com os auditores, no cálculo das tarifas na maioria das capitais brasileiras .
A auditoria contratada pelo Seturn apurou que de maio de 2002 a maio de 2009 houve uma diferença de R$ 1,50 entre a tarifa definida pelo poder público e o índice considerado correto pelas empresas de ônibus. Os auditores alegam que o índice GEIPOTI foi considerado o mais adequado por uma perícia judicial realizada em 2005. Em maio de 2002, cobrava-se R$ 1,10 e no mesmo mês de 2009 R$ 1,85. Os valores adequados, segundo a auditoria, seriam R$ 1,17 e R$ 2,14. Multiplicando-se essa suposta defasagem pelo número de passageiros transportados no período (629 mil pessoas), acrescido de juros, chega-se ao número de R$ 265,6 milhões.
O período de 2006 a 2008 foi considerado fundamental para essa dívida, por conta da adoção de critérios de preço que não levavam em conta, na opinião das empresas de ônibus, as peculiaridades e os custos do transporte público em Natal. Naquela época, a tarifa foi fixada através da comparação com os preços das demais capitais do Nordeste. Esse critério não engloba incentivos fiscais diferenciados em cada capital e a demanda de cada cidade. “Ao deixar de utilizar padrões técnicos para compor os valores das tarifas a serem praticadas pelas operadores de transporte em Natal, feriu-se os princípios norteadores do equilíbrio econômico-financeiro entre o objeto e o preço da tarifa”, diz o texto da auditoria. Natal tem a segunda maior tarifa de ônibus do Nordeste, segundo levantamento publicado no início de 2011. “Perdia” somente para Salvador.
Nova licitação foi adiada e está programada para 2012
Enquanto as empresas de ônibus cobram indenização da Prefeitura de Natal, segue o processo que irá escolher as novas empresas responsáveis por operar as linhas de ônibus da cidade. A secretária municipal de Mobilidade Urbana, Ana Elizabeth Thé, anunciou que até março de 2012 o contrato com as empresas selecionadas na concorrência pública estará assinado, ao contrário do que havia sido informado à Justiça, fixando esse prazo para setembro de 2012.
Nesse momento, a Semob escolhe, também através de licitação, a empresa que irá modelar o edital e realizar um estudo para determinar a quantidade total de linhas de ônibus necessárias. Essa consultoria será contratada até agosto deste ano. “Estamos contratando essa consultoria, que será técnica e jurídica, para modelar o edital”, explica a secretária. O edital em si deve prever a realização de audiência pública. Como o cronograma foi modificado recentemente, a Semob não tem como fixar a data da audiência.
O Plano Municipal de Mobilidade Urbana será a base do estudo realizado por essa consultoria. O Plano fala dos “desejos de viagem” presentes na cidade. Em outras palavras, quais os principais deslocamentos necessários no cotidiano da população. Foram contabilizadas 21 linhas principais ao longo da cidade.
As linhas principais devem ser complementadas por linhas menores, dentro dos pólos previstos pelo Plano Municipal. São linhas de ônibus responsáveis, por exemplo, pelo deslocamento dentro da própria Zona Norte ou nos demais bairros. Esses itinerários menores podem ser outorgados para os transportes alternativos, mas ainda não há nada certo. “Somente com a modelagem da licitação será possível definir com exatidão esses fluxos. Mas a tendência é que cada empresa vencedora fique com um pólo da cidade, como o Norte ou o Oeste”, explica Haroldo Maia, secretário-adjunto de Transporte, um dos representantes da comissão que criou o Plano de Mobilidade Urbana.
MPE
O Ministério Público Estadual afirmou não ter tido acesso à petição do Seturn e por isso não iria se pronunciar a esse respeito. “Para o MP, o principal é a licitação, que precisa ser realizada”, disse o promotor do patrimônio público, Emanuel Dhayan.
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