A primeira imagem que vem à cabeça de qualquer um de nós ao ouvir o nome Walfredo Gurgel é a de um hospital lotado, com macas pelos corredores e funcionários sobrecarregados de trabalho. Desde que foi inaugurado como Hospital Geral e Pronto Socorro de Natal, em 14 de março de 1971, que a história da saúde pública do RN está dividida entre antes e depois da maior unidade de saúde pública para atendimentos do trauma em todo o Rio Grande do Norte (RN).
Com 44 anos de serviços prestados à população do RN, seu perfil é a assistência a pessoas feridas por armas de fogo, armas brancas, acidentes de trânsito, queimaduras, entre outros casos graves e de urgência. Tais casos são atendidos no setor considerado o coração do hospital: o Politrauma. Fazem parte deste serviço as equipes assistenciais compostas por cirurgiões gerais, neurocirurgiões, cirurgiões vasculares, bucomaxilos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, ortopedistas, assistentes sociais e nutricionistas, havendo ainda as especialidades de sobreaviso: oftalmologia, cirurgia de cabeça e pescoço, cirurgia plástica, ultrassonografia, radiologia, otorrino e urologia. Diariamente a unidade registra uma alta demanda de atendimentos, com o registro de mais de 250 novos boletins/dia.
Com uma estrutura física que atualmente conta com 225 leitos clínicos, equipamentos modernos como raio-x e tomógrafo digital de última geração, monitores cardíacos multiparâmetros, aparelho de ultrassonografia, 40 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTIs), grupos integrados à gestão, como o Núcleo de Qualidade e Assistência Hospitalar (NAQH), Segurança do Paciente (NSP) e Classificação de Risco, somando um total de 63 setores (entre assistenciais e burocráticos).
Apesar de toda a gigante infraestrutura que possui, a dura realidade enfrentada pela saúde pública no país também deságua na maior unidade de saúde para atendimentos do trauma do estado, fazendo, muitas vezes, com que momentos de dificuldade assistencial ganhem maior repercussão e visibilidade que todos os pontos positivos que, há mais de 40 anos, sustentam o hospital.
Contudo, por mais alto que sejam os obstáculos, o principal foco da unidade sempre foi prestar a melhor assistência possível aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse sentimento de preocupação, cuidado e de entrega no cuidar é facilmente sentido nas palavras dos mais diversos profissionais que integram seu quadro de recursos humanos.
É o caso da enfermeira do Politrauma, Adalgiza Carolina da N. Brito. Há três anos no setor, ela discorre sobre sua rotina agitada: “por se tratar de um Pronto Socorro de urgência, na maioria das vezes, o contato com o paciente é muito rápido. Porém, mesmo assim, procuro fazer com que esse contato seja o melhor possível”. Aliado a isso, ela acredita que um bom acolhimento ao paciente também é fundamental. “A partir do primeiro bom dia que ele recebe, desde sua entrada, até o início da assistência propriamente dita, isso já fará uma grande diferença para quem procura este hospital. Porque, mesmo diante de nossas dificuldades, que não são poucas, se ele for bem acolhido, ele irá aderir melhor ao tratamento”, afirma.
E para garantir que o usuário tenha a melhor assistência sob os seus cuidados, a enfermeira revela que sua prioridade ao assumir cada plantão é verificar todas as pendências de cada paciente, pois o principal foco é dar a resposta que ele precisa, procurando dar resolutividade à queixa do doente.
Esse cuidado mais atencioso é fruto também de anos de participação do HMWG nos programas e políticas nacionais de humanização (veja quadro abaixo), incentivadas durante os últimos 16 anos pelo Ministério de Saúde (MS). Desde 2001, o Walfredo Gurgel integrou diversos programas de humanização do atendimento pelo MS e criou uma cultura de trabalho multidisciplinar, priorização da assistência e qualidade do serviço, que permanece até os dias atuais.
Um dos principais setores a prestar o atendimento humanizado é o Serviço Social. As 16 profissionais lotadas por toda a unidade são responsáveis por fazer um contato mais íntimo e pessoal com os pacientes, criando, sempre que possível, um laço de confiança e segurança para poder resolver diversas questões relacionadas ao doente.
É o que conta a assistente social, Shirley Reis do Rego Rodrigues. “Nossa primeira aproximação é através de uma escuta qualificada. Ficamos a sós com o paciente, ou algum parente próximo, procuramos saber o histórico familiar, fazemos contato com amigos e damos orientações, além dos encaminhamentos necessários, de acordo com cada situação”.
Ela explica como acontece a escuta qualificada: “quando o assunto é mais delicado, temos uma abordagem mais cuidadosa. Fazemos o atendimento individualizado, sempre em nossa sala e nunca em outro ambiente, para que não se criem constrangimentos e se construa uma zona de conforto. É preciso que o paciente (ou familiar) se sinta seguro para compartilhar as informações conosco”.
Este, porém, não é o primeiro contato do paciente com a assistência hospitalar do HMWG. Isto acontece ainda no setor de Politrauma, no momento da entrada do usuário, quando ele ainda não está internado. Movimentado e sempre com uma alta demanda diária, este setor é o responsável por receber pessoas vítimas de arma de fogo, arma branca, acidentes de trânsito, queimaduras e Acidentes Vasculares Cerebrais Hemorrágicos (AVCH).
“É no politrauma que o paciente é avaliado e que são determinadas as primeiras condutas. Esta avaliação é feita pelo cirurgião geral do plantão. É ele quem enxerga, para aquele paciente, a necessidade ou não, de intervenção das demais especialidades. É, neste momento, que são solicitados os primeiros exames complementares (tipo sanguíneo, hemograma, tomografia e raio-x, por exemplo)”, explica o chefe da cirurgia geral, Ariano Oliveira.
O cirurgião diz que, em 20 anos de atuação no hospital, já se deparou com diversos casos onde somente o conhecimento médico não foi suficiente para prestar a melhor assistência ao paciente. “Apesar da difícil situação, vivenciada na saúde pública, o médico acaba meio que atuando de muitas outras formas durante o tratamento do doente. Somos, muitas vezes, conselheiros, ouvintes e, às vezes, até nos envolvemos emocionalmente com o problema vivenciado pelos pacientes e suas famílias. Essa interação, médico/paciente, só contribui para a melhora do quadro clínico, pois, cria-se um vínculo de confiança”, revela.
A diretora geral, Maria de Fátima P. Pinheiro, antes de estar à frente do HMWG, atuou durante muitos anos no Centro Cirúrgico, em sua especialidade, na cirurgia geral. Ela relembra que durante este tempo nunca conseguiu operar um paciente sem que a cobrança em fazer tudo ao seu alcance, em benefício do doente, lhe atingisse de imediato. “A primeira coisa que me vinha à mente, antes de realizar qualquer procedimento cirúrgico, era: esta pessoa é uma mãe, é um pai de família, é um irmão, tem uma história de vida que precisa continuar. Eu não posso me dar o direito de não dar o meu melhor”. Apesar de afastada há cinco anos dos focos e bisturis, ela fala que esse pensamento positivo não deixou de existir. “Hoje aplico essa mesma cobrança nas outras áreas em que estou envolvida, como na posição de diretora, porque sei que sempre é possível fazer melhor”.
Gilberto Souza da Silva é técnico de enfermagem e está no HMWG desde 1999. Lotado no Politrauma e nas enfermarias do segundo andar, ele afirma que o relacionamento com os doentes sob seus cuidados é próximo a de um familiar. “Trato cada paciente como se fosse uma pessoa da minha família. Tudo tem de ser em função dele, sempre. Ele está em primeiro lugar. Mesmo nos momentos de dificuldade do hospital, minha prioridade é o paciente”.
O técnico garante que também procura interagir com os usuários e fazer com que o período de internação, seja o menos desconfortável possível. “Por causa disso, já houve casos em que o contato diário se estendeu e criei laços de amizade que mantenho até hoje”, revela. “Procuro também sempre dar uma palavra de apoio. Muitos deles ficam sem acompanhante, longe de casa e da família”, diz.
Gilberto explica que ao receber seus pacientes no início do plantão, as primeiras providências adotadas são: verificar os sinais vitais (pressão arterial, frequência cardíaca, respiração e temperatura corporal) e, logo em seguida, verificar o controle de glicemia. De acordo com ele, estas atribuições são comuns a todos os técnicos. Porém, ele garante que o seu diferencial ao cuidar de alguém é sua preocupação com a higiene e a troca de curativos dos pacientes. “São coisas que não podem deixar de ser feitas, pois, podem desencadear uma melhora ou uma piora no quadro de saúde”, alerta.
Nestas mais de quatro décadas, o Walfredo Gurgel passou (e passa) por várias dificuldades. Muitas ainda se repetem como os pontuais desabastecimentos, a superlotação e a ambulancioterapia. Mas, mesmo diante de tantas barreiras, o hospital mantém sua importância para a saúde pública do povo potiguar, crescendo ano a ano, tanto assistencialmente, quanto em sua estrutura física e na qualificação de seus profissionais.
Este ano o HMWG completou 44 anos de avanços, percalços, histórias de derrotas e superação, de fé e esperança, de gente que veste a camisa e que acredita em uma saúde pública de qualidade. São histórias inteiras de vida passadas entre suas dependências. Histórias estas de renovação, esperança, fé, encontros e despedidas, de tentar fazer o melhor com o que se tem, de entrega, dedicação e, principalmente, de amor ao próximo.
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