Sem divulgação prévia e pegando público e a mídia de surpresa, a editora Companhia das Letras lançou o livro O Réu e o Rei (Companhia das Letras, 528 págs, R$ 45), de Paulo César de Araújo. A obra é do mesmo autor de Roberto Carlos em Detalhes, que foi recolhido das prateleiras em 2007, após batalha judicial. E a ideia era realmente não ter chance, segundo o autor, de alguma medida judicial proibir novamente a circulação de uma obra sua.
O novo livro conta justamente todo o bastidor do polêmico embate entre o biógrafo e Roberto Carlos nos tribunais, há sete anos. Em entrevista ao portal R7, Paulo César disse que O Réu e o Rei é a história de um ídolo que se volta contra um fã e pede a prisão.
Mais do que falar sobre a censura, a obra revela um lado controlador de Roberto Carlos. Paulo César conta que o poder do cantor foi decisivo na proibição e também alega alguns artifícios mais graves, por parte dos advogados do ídolo.
— Eles deram interpretação negativa para algo que era neutro ou positivo. Eles chegaram ao ponto de adulterar o conteúdo do livro para obter a proibição.
Ao começar a conversa com a reportagem, Paulo César até fez uma brincadeira com o nome do portal: “Esse nome me lembra RC7, já fico assustado”. E pudera. RC é tema de muitos anos na vida de Paulo César, o ídolo que virou inimigo no fórum judicial. Leia a segunda parte da entrevista sobre o livro O Réu e o Rei (a primeira você confere aqui).
R7: Por que a decisão de lançar o livro sem divulgação prévia? A intenção era driblar qualquer proibição? Partiu de você?
Paulo César de Araújo: Eu venho anunciando esse livro há um tempo. Há uns três anos pelo menos eu falo que estou escrevendo um livro sobre os bastidores do processo. De fato, nos últimos meses, a editora optou por não anunciar previamente e tomou essa precaução para evitar que alguma medida fosse tomada por Roberto antes do livro ser lançado. O livro não foi em segredo, sempre que foi perguntado, eu falei que estava escrevendo. Mas, nos últimos meses, foi mesmo por uma precaução, dado o fato do que vem acontecendo no Brasil, de que autores estão sendo vítimas de censura, personagens estão invocando um aberrante do artigo 20, que está, felizmente, para ser mudado, mas que ainda está em vigor.
R7: O Réu e o Rei fala sobre a censura do seu livro e sua relação com Roberto Carlos após isso?
PC: Eu conto um pouco dessa história do Brasil recente. Um País que tem uma Constituição que nos garante a democracia, garante a liberdade de expressão, que diz no seu artigo 5 é livre a divulgação, é livre a publicação do trabalho artístico e científico independente de sua licença. Porém, existe um aberrante no artigo 20, que é um lei menor, que está prevalecendo. O meu caso é um caso entre outros livros que foram proibidos. E, ao mesmo tempo, eu conto uma história do Brasil, história de um fã, que veio do interior do Brasil, que se encantou com a música de um ídolo tão mais popular do País. É uma história universal, porque estou contando a história de uma multidão de brasileiros. No meu caso, o que se torna dramático é que esse ídolo depois, por conta de um livro que eu escrevi, vai se voltar contra um fã e pedir a minha prisão.
R7: RC já acionou advogados para saber sobre o conteúdo desse seu novo livro. Tem receio de seu novo livro também ser recolhido?
PC: Eu não. Só lamento que em vez de acionar advogados, ele devia ler o livro primeiro. Ele fez isso da outra vez e parece que ele repete o erro. Em se tratando de livro, ele devia ler. Inclusive, se ele se permitisse ler o livro, ele iria aprender que a história dele não é um patrimônio particular, a história dele foi construída por uma multidão de brasileiros, em sua maioria humildes, que com dificuldades compraram o disco dele e ajudaram ele a construir esse império que ele construiu. Se ele permitisse ler, ele veria que a história dele faz parte de uma história coletiva. Que ele possa pedir isso [a proibição], ele pode, mas que ele vá conseguir, acredito que não há a menor chance mais. Ninguém suporta mais a censura. Ele pode resmungar, pedir, pode. Mas acho que ele não possa conseguir, não. Essa é uma história virada na nossa história. Como diz o Chico, página infeliz da nossa história.
R7: Nesse novo livro, você conta os bastidores da censura de seu primeiro livro sobre Roberto Carlos. Qual foi o capítulo que foi mais difícil de escrever?
PC: O primeiro capítulo que eu escrevi foi o nove. Foi o capítulo mais dramático, que foi o mais difícil no sentido de ter revivido um momento muito ruim. Eu quis começar por ele mesmo, porque eu estava ali com a memória fresca. Eu escrevi esse capítulo em 2008. Fiz as primeiras anotações e quis logo relatar o que aconteceu na audiência, para não perder as informações, as frases que eu ouvi dos advogados, do juiz e do Roberto Carlos. É um livro com duas características bem definidas: é um livro de pesquisa e um livro de memória e eu sou o personagem e o narrador. Esse meu livro tem uma ampla pesquisa e são fontes e fontes citadas, quase mil notas, mas ao mesmo tempo tem o testemunho do que eu vivi.
R7: No O Réu e o Rei, você explica os argumentos usados pelos advogados de Roberto Carlos, para se defender. Você acha que os advogados do cantor deturparam os trechos do seu livro para vencer a batalha judicial?
PC: Eles chegaram a adulterar mais do que isso. Eles deram interpretação negativa para algo que era neutro ou positivo. Mais do que isso, tem uma parte do livro que eles adulteraram. Eu digo que “o ambiente da jovem guarda era marcado por playboys, jovens, garotas”, e eles trocaram mulheres por drogas. Algo que eu não digo sobre Roberto Carlos, que ele é consumidor de drogas. Eles chegaram ao ponto de adulterar o conteúdo do livro para obter a proibição. Isso eu conto em detalhes, citando a página e tudo de cada trecho. Eles quiseram atribuir ao livro, para conseguir a proibição, eles tinham que dizer que o livro atingia a honra e a respeitabilidade do Roberto Carlos. É a exigência do tal aberrante do artigo 20 da Código Civil. Para mostrar que o livro atingia a honra eles começaram a mostrar que atinge aqui, atinge acá, quando eles viram que não tinha mais assuntos, eles pensaram “bota aqui, tira mulher e bota droga”. Enfim, isso está no capítulo sete.
R7: Como você se sentiu vendo os advogados mudando o cenário, palavras para obter essa proibição?
PC: Essa adulteração eu só fui constatar depois. Na audiência eu ainda não sabia, só fui saber depois no acesso aos autos. Mas aquela audiência foi dramática por isso. Como eu disse na época, eu me senti abandonado. Sabe que duas pré-comissões todo cidadão precisa para entrar na Justiça ou num fórum criminal: ser assistido por um advogado e contar com a imparcialidade do juiz. Essas duas pré-condições me faltaram, porque o advogado, que em tese estava ali para me defender e era o advogado da Planeta, e quando a Planeta decidiu entregar o livro, eu fiquei sem advogado; e o juiz que estaria ali para mediar, estava francamente a favor do Roberto, ameaçou fechar a editora, como conto no capítulo nove. Foi uma situação difícil e dramática. Eu estava ali diante do meu ídolo, a quem eu tinha tentado uma entrevista por 15 anos, sendo acusado por ele e nesse ambiente totalmente hostil.
R7: Você acha que, se não fosse o Roberto Carlos, você chance de não ter sido proibido seu livro?
PC: Claro! Roberto Carlos mais do que um cantor e compositor é uma instituição nacional. Roberto é formador de opinião. Imagina, um juiz de primeira instância recebe um processo assinado por Roberto Carlos dizendo que o livro atinge a sua honra, boa fama e respeitabilidade, o juiz diz ‘claro, Roberto, é isso aí’. E foi isso que aconteceu. Daí a rapidez do caso. A gente sempre ouviu dizer que aqui no Brasil a Justiça é morosa, sabemos disso. Morosa para nós. Para Roberto Carlos foi rápida. Ele entrou na Justiça em janeiro, em fevereiro já estava com o livro proibido. Rapidez. O que é isso? Roberto Carlos. É o poder. Meu livro estabelece também uma questão do poder. Conto também da Rede Globo, como que a Rede Globo tentou ocultar ao máximo. Isso está contado no livro. Como foi a relação da mídia com esse caso. Como todos os outros jornais e televisões noticiaram isso com a Globo ali ocultando. Só falando quando o Roberto Carlos resolveu falar. Então o livro fala de relações de poder também.
R7
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