“Eu só posso dizer a você duas coisas: primeiro, nós vamos apurar que merda é essa. A coisa fugiu do controle, e, por isso, estamos abrindo uma outra frente…”
“…Isso é um absurdo, está errado. Antes de mais nada, tá errado. […] Como é que você tá sendo cobrado em R$ 3 milhões?”
Os comentários acima foram feitos, em abril de 2008, numa reunião noturna realizada na surdina, no Ministério do Esporte.
Foram pronunciados por Fábio Hansen, à época chefe de gabinete da Secretaria de Esporte Educacional, a repartição que gerencia o programa ‘Segundo Tempo’.
Auxiliado por Charles Rocha, então chefe de gabinete da secretaria-executiva do Ministério do Esporte, Hansen tentava acalmar o policial militar João Dias Ferreira.
Hoje, João Dias frequenta o notíciario como delator de um esquema que desvia verbas do Esporte para as arcas do PCdoB, partido do ministro Orlando Silva.
Naquela noite de 2008, o policial, dono de duas ONGs brindadas com verbas de convênios esportivos, era apenas uma ameaça de escândalo.
Precavido, João Dias gravou a reunião. Como já era esperado, o teor da gavação veio à luz nas páginas da última edição de ‘Veja’.
Travados em timbre vadio, os diálogos não deixam dúvidas quanto ao propósito da reunião. Buscavam-se meios de proteger o fraudador, em prejuízo do ministério.
João Dias abespinhara-se com um documento enviado pela pasta do Esporte à sua corporação, a Polícia Militar do Distrito Federal.
Na peça, o ministério responsabilizava o policial por irregularidades detectadas na execução de um par de convênios. Coisa de R$ 3,2 milhões.
O documento poderia custar a João Dias o emprego na PM. Daí o desassossego que o levou à cúpula do Esporte.
Sem saber que o interlocutor os gravava, os auxiliares do ministro Orlando Silva deixaram claro que estavam ali para socorrê-lo.
A alturas tantas, João Dias soa como se ameaçasse o próprio Orlando Silva:
“Nêgo tá querendo colocar a mão no ministro… Porque, se eu quisesse me livrar, pegar os caras certos, nós pegaríamos.”
A conversa prossegue, por vezes tensa. Como que decidido a pacificar o policial, Fábio Hansen declara:
“O que nós estamos tentando aqui é tentar remediar a merda que foi feita.”
Mais adiante, Charles Rocha urdiu uma saída: “A gente pode mandar lá [para a Polícia Militar do DF] um ofício desconsiderando o que a gente mandou.”
E Hansen: “Você faz três linhas pedindo prorrogação de prazo.” Depois, ele injeta no acerto espúrio uma dose adicional de fraude.
Recomenda que o pedido de prazo adicional seja feito “com data anterior à notificação”.
Hansen detalha: “Imediatamente, a gente faz isso, passa por fax, para o mesmo que foi encaminhado o outro, e a gente manda um portador entregar […] na mesma hora.“
Decorridos dois dias, o ministério fez exatamente o que os auxiliares de Orlando Silva combinaram com o hoje delator João Dias.
Enviou-se à Polícia Militar um novo documento, pedindo para que o ofício anterior fosse desconsiderado.
Prorrogou-se o prazo para a prestação de contas do convênio, além de eivado de irregularidades, havia expirado dois anos antes.
O nome do Agnelo Queiroz (PT), governador de Brasília e antecessor de Orlando Silva no Esporte, emerge da gravação na voz de Hansen. Diz ele:
“Nós conversamos com Agnelo hoje. O Agnelo estava indignado. O Agnelo nos chamou de moleques hoje…”
“…[…] O Agnelo ficou puto, ficou indignado. Falou: ‘Vocês não sabem o estado em que está o João’.”
Quer dizer: chamado de bandido pelo PCdoB, o agora delator João Dias já foi figura gratíssima no Ministério do Esporte. Para acalmá-lo, valia tudo.
Josias de Souza
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