O implante registra a atividade cerebral de uma área do cérebro associada à produção da fala. (VEJA.com/VEJA/VEJA)
Pesquisadores americanos desenvolveram um decodificador capaz de traduzir a atividade cerebral e transformá-la em fala. A descoberta poderia restaurar a fala de indivíduos que perderam a voz devido à doenças como câncer de garganta, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica (ELA) – doença que afetava o físico Stephen Hawking. “É um grande avanço. Isso pode ser muito importante para as pessoas que não têm meios de produzir linguagem”, comentou Kate Watkins, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, ao The Guardian.
De acordo com o estudo, publicado na revista Nature, o mecanismo funciona em dois estágios: no primeiro, um eletrodo é implantado no cérebro pra captar os sinais elétricos que controlam os movimentos dos lábios, língua, caixa de voz e mandíbula. Em seguida, um programa lê as informações coletadas para simular a movimentação que forma os sons das palavras na boca e na garganta.
Essa leitura é sintetizada e reproduzida por um aparelho chamado trato vocal virtual. “Pela primeira vez podemos gerar frases inteiras com base na atividade cerebral de um indivíduo”, disse Edward Chang, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, à BBC.
Sintetizadores de fala já existentes – como o que era utilizado por Stephen Hawking – geralmente envolvem soletrar as palavras letra por letra utilizando movimentos musculares dos olhos ou da face. Estes aparelhos permitem ao paciente dizer cerca de oito palavras por minuto – a fala natural tem em média 100 a 150.
A nova tecnologia tem ‘velocidade de fala’ mais rápida – quase similar a fala natural, embora a pronúncia de algumas palavras seja menos clara. Ainda assim, os cientistas dizem que essas imperfeições não representariam uma barreira significativa à comunicação já que, com o tempo, as pessoas se familiarizam com as peculiaridades da fala de modo a compreender o que está sendo dito independente das dificuldades.
A equipe americana ainda salientou que embora a descoberta seja promissora, estudos clínicos serão necessários para confirmar os atuais resultados. Trabalhos anteriores já haviam tentado traduzir artificialmente a atividade cerebral em fala, mas este é o primeiro a apresentar resultados tão promissores.
Como funciona?
Para testar o equipamento, foram recrutados cinco voluntários que estavam se preparando para passar por uma neurocirurgia para epilepsia. Na preparação para o procedimento, os médicos implantaram temporariamente eletrodos no cérebro desses pacientes para mapear as fontes das convulsões. Durante o tempo em que os eletrodos estavam implantados, a equipe realizou testes de leitura para que pudessem registrar a atividade cerebral de uma área do cérebro associada à produção da fala. Essas medições tinham como objetivo decodificar a fala através da tradução de sinais elétricos no cérebro responsáveis pelos movimentos vocais que se transformariam em movimentos em sons da fala.
Com os dados coletados, a equipe configurou um algoritmo de aprendizado para combinar os padrões de atividade elétrica no cérebro e os movimentos vocais que produziam. O trato vocal virtual, como foi batizado, é controlado diretamente pelo cérebro para produzir uma aproximação sintética da voz do indivíduo, assimilando até mesmo o gênero de quem fala. “Esta é uma estimulante prova de que, com a tecnologia que já está ao nosso alcance, devemos ser capazes de construir um dispositivo que seja clinicamente viável para pacientes com perda de fala”, ressaltou Chang.
No entanto, os pesquisadores salientaram que o implante pode não ser viável para determinados pacientes, como os que sofreram acidente vascular cerebral (AVC) em partes do cérebro que controlam a produção da fala.
Os pesquisadores ainda testaram a inteligibilidade das frases produzidas pelo dispositivo. Os participantes foram apresentados a 100 sentenças e um conjunto de 25 palavras. Em 43% das vezes, eles foram capazes de transcrever a frase à perfeição, indicando que o aparelho é capaz de pronunciar frases com significativa precisão. Apenas palavras com letras específicas, como ‘p’ e ‘b’ não foram decodificadas adequadamente, mas isso pode não representar um problema para a utilização futura do dispositivo.
Leitura de pensamentos
Como o equipamento é capaz de interpretar a atividade cerebral e convertê-la em fala – o que poderia ser entendido como ‘leitura de mente’ -, os pesquisadores também testaram o equipamento para verificar a possibilidade. “Tentamos ver se é realmente possível. E acontece que é um problema muito difícil e desafiador. Essa é uma das razões pelas quais nos concentramos apenas no que as pessoas estão tentando dizer“, revelou Chang.
Embora neste momento ainda não seja fácil ‘ler a mente’, já existe dentro da comunidade científica um debate ético sobre tecnologias que conseguem desvendar os pensamentos das pessoas.
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