Josias de Souza
Houve quem imaginasse que a ex-presidência fosse fazer bem a Lula. A planície seria para ele uma espécie de zona de desintoxicação. Por ora, não funcionou. O ex-soberano continua viciado. Pior: a abstinência de quase sete meses angustiou-o. Acumularam-se mágoas que chocalham dentro dele como guizos de cascavel.
Nesta quinta (14), Lula teve uma recaída. Deu-se no Congresso da UNE, em Goiânia. A estudantada serviu ao ex-soberano uma de suas drogas prediletas. “Eu tava com saudades do microfone”, disse Lula, antes de entrar em êxtase. Entregando-se ao velho vício, pôs-se a espinafrar a imprensa.
Como que narcotizado por suas víboras interiores, Lula despejou veneno sobre o microfone: “Eu tô ficando invocado. Faz seis meses que eu saí da Presidência, mas eles não saem do meu pé”.
Nos pesadelos particulares de Lula, o pior fantasma é a comparação com Dilma. Como num transe, ele empilhou os seus incômodos:
1. “Primeiro disseram que há diferenças entre mim e Dilma, que somos diferentes. Não precisa ser um especialista para saber que ela é diferente de mim.”, ironizou.
2. “Falaram que divergimos. Eu já disse que, se houver divergência, é ela quem estará certa. Não há divergências.
3. “Depois, quando fui a Brasília e tirei uma foto com senadores, disseram que ela era fraca”.
4. “O babaca que escreveu a matéria nunca deve ter sentado com a Dilma para conversar. Ela pode ter todos os defeitos do mundo, menos ser fraca.”
5. “Ninguém que passa três anos na cadeia, sendo barbaramente torturada e é eleita presidente pode ser fraca.”
6. “Inventaram também que ela é diferente nas coisas que faz, que eu falava muito. É que eu competia com o que eles falavam e o povo acreditava em mim”.
7. “Chegaram a dizer que eu deixei uma herança maldita. A primeira herança maldita é o pré-sal. Tem o Prouni, o PAC 2. Quem sabe é o Minha Casa, Minha Vida 2…”
8. “O dado concreto é que eles [os jornalistas] não perceberam que as coisas mudaram no Brasil.”
Repisou a tecla segundo a qual o brasileiro agora informa-se “de múltiplas formas”, não apenas por meio daqueles “que achavam que formavam a opinião pública”. A certa altura, simulou desinteresse por 2014. À sua maneira, um tanto sinuosa, vaticinou o segundo mandato de sua pupila:
“A Dilma vai fazer mais e melhor do que nós fizemos. Ela vai inaugurar até o final do mandato, digo, deste primeiro mandato, obviamente, mais 200 escolas técnicas.” Noutro trecho, ressuscitou 2010. Afirmou que Dilma, por usar saias, foi mais discriminada na campanha do que ele nos seus tempos de macacão.
Sem mencionar o nome do tucano José Serra, acusou-o de patrocinar a “mais preconceituosa [campanha] da história”. Fez graça para o auditório repleto: “Inventaram até um meteorito de papel. Depois, falaram que era um objeto não identificado”.
Insinuou que os antagonistas de Dilma serviram-se do machismo: “Falam em uma sociedade igualitária desde que a mulher limpe a casa, lave a roupa suja.” Usou e, sobretudo, abusou do velho bordão: “Nunca antes na história desse país”. Contrapôs ricos e pobres:
“Aqueles que governavam para um terço da população estão incomodados ao ver pobre andado de avião. Tem gente que se incomoda de ver pobre de carro novo. Querem que pobre só ande de Brasília, de Chevette com para-choque arrastando no paralelepípedo”.
Lula disse que ele mesmo, hoje um milionário palestrante, é a “evolução” de seu próprio governo. Ao tropeçar numa palavra que considera sofisticada –“factível”— repetiu um chiste que, de tanto escorrer de seus lábios, já se tornou batido: “Antes eu falava menas laranja, agora falo ‘en passant’, factível…”
Terminado o discurso, a turma da UNE, tão viciada em Lula quanto o orador em microfone, encontrava-se nas nuvens. A rapaziada entoou o coro predileto do petismo: “olêêêê, olêêêê, olêêêê, oláááá, Lulaaaa, Lulaaaaaaaaaa…”
O refrão da velha canção de Adelino Moreira, imortalizada no vozeirão de Nelson Gonçalves, talvez tivesse soado melhor: “Ele voltou! O boêmio voltou novamente. Partiu daqui tão contente. Por que razão quer voltar?”
Convidada a participar do encontro da UNE, custeado por empresa estatais, Dilma preferiu se abster.
O reencontro de Lula com o microfone mostrou que o ex-soberano está muito longe de livrar-se da droga que o escraviza. Há pessoas que só discursam em ocasiões muito especiais. Outras, como Lula, consideram especiais todas as ocasiões em que discursam.
Longe do poder, Lula fabrica suas circunstâncias. Se o convidarem para um batizado, um baile de debutante, uma quermesse, lá estará ele para exercitar o seu vício. Excesso de microfone é ruim. Mas, para Lula, é muito bom.
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