Tribuna do Norte
Em território urbano ou rural. Não importa o cenário. Elas estão sempre lá. No rosto, as feições de quem se acostumou a sobreviver com pouco. Pessoas cuja renda per capita não ultrapassa R$70 por mês e que aprenderam a dispensar o supérfluo, desde cedo. No Rio Grande do Norte, elas representam 12,81% da população – são 405.812 ao todo. A maioria é mulher, parda e tem entre 15 e 64 anos. Algumas não sabem ler ou escrever.
Apesar de ter o menor percentual da população vivendo em extrema pobreza, no Nordeste, de acordo com dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com base no Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Norte não tem o que comemorar. O número de habitantes nessa condição é elevado, alerta o economista Aldemir Freire, chefe do IBGE/RN. “O indicador ainda é bem superior à média nacional e 400 mil pessoas representam praticamente a população inteira de alguns municípios”, justifica.
No Rio Grande do Norte, a renda média mensal domiciliar per capita – o que cada pessoa da família recebe por mês – subiu 35,19% nos últimos dez anos. Apesar da evolução, milhares de potiguares não conseguiram sair da condição de pobreza extrema. Maria Gomes da Silva, 62, é uma delas. A feirante divide a casa, doada pelo Estado, com dois netos e o marido. A renda mensal da família não ultrapassa R$100, já incluindo o Bolsa Família, que lhe rende R$70 por mês – o que dá uma média de R$25 por pessoa.
Apesar da evolução verificada nos últimos anos, reflexo, em parte, do impacto dos programas assistenciais do governo Lula, o Nordeste ainda é a região que concentra o maior número de pessoas em pobreza extrema: são 9,6 milhões ao todo – o triplo do registrado na região Sudeste.
Na avaliação de Aldemir Freire, o Bolsa Família, as aposentadorias rurais e o aumento do salário mínimo foram responsáveis pela evolução das rendas nordestina e potiguar. “A economia do Nordeste como um todo também vem crescendo mais intensamente que a brasileira e isso acaba por também puxar o emprego e a renda de forma mais acentuada”, explica.
Crescimento continuado
Segundo ele, todos os indicadores apontam para a manutenção do crescimento tanto no estado quanto na região nos próximos anos. O ritmo da evolução, porém, dependerá da expansão da economia brasileira, que deverá crescer, pelo menos, 5% ao ano, segundo o economista. “O aumento dos investimentos em infra-estrutura, a elevação do emprego, o aumento de crédito, o crescimento das exportações brasileiras de produtos agrícolas e minerais: tudo isso aponta para uma perspectiva boa para a economia brasileira (e consequentemente potiguar e nordestina)”, conclui.
Nas outras regiões do país, com exceção da Norte – onde 16,76% da população vive em pobreza extrema – o percentual de famílias que não recebem nada ou recebem até R$70 por pessoa não supera 4%. Todos, brasileiros, que independentemente do sotaque, enxergam na ascensão da classe C e D a possibilidade, de um dia, atravessar a linha da pobreza extrema e colocar o pé na nova classe média.
Bolsa Família ajuda, mas nem tanto
Entrar num supermercado e comprar danone para as crianças. O que é rotina para muitos pais, se trata de um sonho distante para Maria Francineide Gomes, 32, mãe de seis filhos e moradora da favela do fio, na periferia de Natal. A renda mensal da família não ultrapassa R$200, incluindo o Bolsa Família que lhe rende R$134 por mês. A renda mensal per capita é de R$50. Isso porque dois dos seis filhos moram com a avó, também na favela. Se morassem todos juntos, a renda mensal per capita da família cairia para R$33, muito abaixo do limite de quem vive em pobreza extrema (R$70 per capita).
Mesmo com o reforço do Bolsa Família, o dinheiro mal dá para fazer a feira. Na geladeira, ligada graças a uma gambiarra, só tem água. “Meu sonho é encher a geladeira de danone e um monte de coisa boa”, confessa. A geladeira, comprada de ‘segunda mão’, é um dos poucos bens adquiridos pela família. Boa parte dos móveis ou foi doada ou encontrada no lixo, como o sofá e o guarda-roupa. Na casa de Neide, às noites são iluminadas pelo candeeiro. A energia elétrica foi cortada e as contas, todas acima de R$70, se acumulam na gaveta. “Não gosto nem de olhar para elas”. O botijão de gás está seco. Há três meses, Neide e os quatro filhos se alimentam na casa da mãe dela. “É muita gente para pouco dinheiro”, justifica.
Para aumentar a renda, Neide vende roupas e calçados doados na feira. Quando não vende nada, vai de banca em banca e tenta trocar roupa por comida. O marido limpa para-brisas nos semáforos e um dos filhos, de 14 anos, trabalha numa banca da feira nos sábados e domingos. Ainda assim, o orçamento é apertado. “Tenho muita vontade de comprar um sofá, um camiseiro, uma cômoda, mas não posso. Então, recebo o que o povo não quer mais”. O enxoval de sua filha caçula, Gabriele de apenas 10 dias, foi todo doado.
A realidade é a mesma na casa de sua mãe, Maria Gomes da Silva, 62, também moradora da favela do Fio. “Me pego com Deus. Imagino uma melhora de situação. Deus pode mostrar uma sorte. Comprar o que eu desejo. É muito triste ver meus netos pedirem um lápis e um caderno e não ter dinheiro. Dá até vontade de chorar”, afirma Maria, que tem o mesmo nome que a santa cuja imagem está pendurada na parede da sala.
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