O Ministério Público Estadual pediu, na última quarta-feira, a prisão e a quebra dos sigilos constitucionais (telefônico, fiscal, bancário, etc) dos suspeitos de fraudes na seção de precatórios do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. O pedido não foi ainda apreciado pela Justiça. A juíza da 5ª Vara Criminal, Emanuella Cristina Pereira Fernandes, alegou suspeição para julgar a ação por “razões de foro íntimo”. O pedido deve ser remetido para a 7ª Vara Criminal, mas até o fim do expediente do TJ ainda não havia sido remetido para o setor de distribuição do Tribunal.
Não há informações oficiais que identifiquem os alvos das prisões e quebras de sigilo. Contudo, segundo o despacho expedido pela juíza Emanuella Pereira, trata-se de mais de uma pessoa. Os promotores do Patrimônio Público, designados pelo procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, para acompanhar o caso, fizeram a solicitação baseados em uma suspeita de “peculato”. Peculato é o crime referente à apropriação de “dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel” em proveito próprio por parte de um agente público. Essa, segundo notas distribuídas pela presidente do TJ, Judite Nunes, é a principal suspeita que paira sobre o setor de precatórios do Tribunal.
As suspeitas, que envolvem principalmente a ex-chefe da Divisão de Precatórios, Carla Ubarana, dizem respeito a supostos desvios de valores relativos ao pagamento de precatórios, que são o instrumento pelo qual os municípios, Governo do Estado e fundações e autarquias pagam dívidas. Fontes fontes ligadas ao meio jurídico, com trânsito no Tribunal de Justiça, ouvidas pela TRIBUNA DO NORTE, deram detalhes sobre como funcionava o esquema das fraudes.
Os desvios eram realizados a partir da duplicação de guias de pagamento. Cada processo de pagamento de precatório gera, após o acordo e a escolha da forma de quitação, guias de pagamento. Uma fonte próxima ao Tribunal disse que foram encontradas guias sem a existência dos processos administrativos correspondentes.
As suspeitas iniciais recaíram sobre dois processos específicos, um deles no valor de R$ 4,5 milhões. O outro não foi mensurado, mas garante-se que é de um valor superior ao primeiro. Dessa forma, um cálculo simples mostra um montante aproximado de pelo menos R$ 10 milhões sob suspeita. “São pagamentos realizados sem que exista um processo correspondente”, relatou uma das fontes ouvidas pelo jornal.
O suposto esquema tem como complemento a utilização de “laranjas” para receber esses valores. Ao mesmo tempo, pessoas que atuam no Tribunal garantem ser muito improvável executar uma operação dessa natureza sem a existência de “comparsas” dentro da instituição bancária. No RN, é o Banco do Brasil o responsável pelas contas para pagamento de precatórios. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com a Assessoria de Comunicação do BB, que negou o afastamento de qualquer funcionário ou a existência de qualquer tipo de investigação.
Um dos trunfos do suposto esquema, que ainda carece de ser provado, seria a utilização das guias em duplicidade. O dinheiro direcionado para o pagamento de precatórios já sai com um destinatário. Caso o valor a ser pago para esse destinatário fosse desviado, haveria reclamação e rapidamente as irregularidades seriam descobertas. Contudo, como cada destinatário recebia a sua parte, sendo o dinheiro do desvio oriundo da verba do poder público – sobre a qual o controle é falho – teria sido possível dar continuidade aos desvios sem levantar maiores suspeitas ao longo dos anos.
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