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“A meta de leilões estabelecida pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, está mantida e todo o corpo técnico da pasta segue empenhado em cumpri-la”, disse o ministério em nota.
Dos 35 trechos prometidos, nove foram concedidos nos primeiros dois anos de governo, com previsão de investimentos nos próximos anos da ordem de R$ 80 bilhões (Capex). Apesar de o resultado estar longe da meta, já superou a gestão de Jair Bolsonaro, que repassou seis rodovias à iniciativa privada
O tamanho do desafio fica ainda mais claro quando se considera que apenas 26 estradas federais são operadas por concessionárias atualmente, em um processo que foi iniciado na década de 1990. Segundo o Ministério dos Transportes, a média histórica é de 1,2 leilão por ano.
—Desde a década de 90, não tenho referência de uma concentração de leilões tão grande nesse setor em um período tão curto de tempo. É um momento único na história do Brasil — afirma Ana Cândida, sócia de infraestrutura, regulação e assuntos governamentais do escritório BMA Advogados.
Segundo a advogada, essa conjuntura é resultado de uma combinação de rodovias que ainda não tinham sido concedidas com a repactuação de contratos “estressados”, ou seja, a tentativa do governo de solucionar concessões problemáticas, cujo plano de obras foi interrompido seja por um erro na modelagem ou por problemas inesperados.
Além do avanço numérico, houve aumento da atratividade da carteira e retorno de operadores estrangeiros aos leilões rodoviários, o que não ocorria desde 2007. Em setembro, o grupo francês Vinci ganhou a concessão da Rota dos Cristais, de Cristalina (GO) a Belo Horizonte (MG), superando os lances da CCR, da gestora 4UM em consórcio com a gestora Opportunity e do banco BTG.
“Esse feito histórico amplia a concorrência em nossos leilões, o que foi evidenciado em 2024 com seis vencedores diferentes nos seis certames realizados”, destacou o ministério, em nota.
A pasta afirma que o resultado é fruto de um intenso trabalho de prospecção junto a possíveis investidores brasileiros e estrangeiros. Foram realizados diferentes roadshows internacionais desde o ano passado, com passagens por Portugal, Estados Unidos, Reino Unido e Espanha.
O ministério também cita o aumento da qualidade dos projetos estruturados e a diversidade da carteira, tanto em investimento como em extensão, assim como o diálogo com o mercado, a clareza e a modernidade na matriz de risco,a regulação contínua da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
— O ambiente regulatório vem melhorando nos últimos anos, aumentando a atratividade e o interesse de novos players. Existem novos grupos econômicos, incluindo fundos de investimentos, que possuem interesse e capital para fazer frente a novos projetos — concorda André Paiva, gerente sênior da Tendências Consultoria.
Ana Cândida destaca que não muito tempo atrás o mercado era formado por quatro grandes empresas: CCR, Ecorodovias, Arteris e Invepar.
— No começo do governo, havia dúvida se seria possível atrair novos players. Um ano depois, vemos que o governo federal conseguiu sim retomar a atratividade dos leilões. Temos visto outros players. É uma lista bem impressionante, extensa, maior do que a das tradicionais, com capacidade bastante robusta de investimento — diz a advogada, elogiando o trabalho do governo e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Apesar da maior concorrência, contudo, os especialistas avaliam que a própria extensão da carteira de projetos impõe limites ao número de leilões, uma vez que são necessários esforços dos interessados em termos de estudos dos ativos e, posteriormente, em compra de insumos e contratação de mão de obra. É normal, portanto, priorizar aqueles projetos naturalmente mais atrativos.
Já os projetos mais desafiadores têm baixa adesão ou mesmo nenhuma. Como foi o caso da Rodovia da Morte, em Minas, que precisou de três tentativas para ser concedida, e da Rota da Celulose, cujo projeto, estruturado pelo governo do Mato Grosso do Sul, não obteve interessados no leilão marcado para dezembro de 2024.
No último caso, a advogada afirma que houve bastante discussão sobre um possível descasamento entre o custo das obras e a matriz de risco do projeto. Segundo ela, o mercado vem olhando com lupa o risco de aumento do preço de insumos, considerando os problemas nos contratos na última década.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também tem feito análise sobre o assunto, com impacto no andamento das licitações. A depender das exigências estabelecidas pelo órgão, podem ser necessárias prorrogações no lançamento do edital do leilão. Um exemplo é a licitação do Lote 6 de rodovias do Paraná, que era previsto para ocorrer em meados desse ano, mas foi o último de 2024, no dia 19 de dezembro.
— As diversas discussões em torno de projetos antigos têm levado a uma busca por uma visão mais ampla sobre os possíveis aspectos que podem afetar a viabilidade econômico-financeira e como tratá-los nas premissas dos projetos e dos contratos — explica Paiva.
O consultor da Tendências afirma que as alterações na tributação sobre o consumo e as mudanças climáticas são outros fatores que geram incerteza em um contrato de longo prazo, como as concessões de rodovias, e deixam investidores mais cautelosos em relação à viabilidade econômico-financeira dos projetos. Os contratos mais modernos, contudo, já preveem mitigação e reequilíbrio automático para determinados riscos, disse:
— Vale ressaltar que grande parte dos ativos mais atrativos já foi licitada. Muitos dos ativos que estão sendo licitados agora têm características significativamente diferentes desses projetos anteriores, o que torna necessário ao governo e ao setor privado considerar soluções inovadoras para tornar esses projetos eficientes e economicamente viáveis.
O Globo
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