Foto: Ilustrativa
A Justiça do Trabalho tem sido menos tolerante quando uma das partes do processo falta com a ética, mente ou age de forma desonesta. O número de condenações por litigância de má-fé mais do que dobrou nos últimos dez anos, segundo levantamento da empresa de jurimetria Data Lawyer feito a pedido do Valor. Em 2023, foram 118 mil decisões de primeira e segunda instâncias em todo o país. Há dez anos, 58 mil – uma alta de 105%.
O pico foi atingido em 2017, ano da reforma trabalhista, com mais de 154 mil punições. Porém, a Lei nº 13.467, de 2017, de acordo com especialistas, não trouxe novidade, apenas regulamentou na Justiça do Trabalho a litigância de má-fé – já prevista no Código de Processo Civil (CPC) desde 1973. As multas variam entre 1% e 10% sobre o valor da causa e, normalmente, os juízes consideram a gravidade da conduta e o caráter pedagógico para estipular as condenações.
Presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), o desembargador Célio Horst Waldraff explica que esse tipo de penalidade tem sido mais aplicada por uma mudança de cultura dos magistrados. “Percebemos uma conscientização e mudança na cultura jurídica, de forma mais gradual e lenta do que vista nos textos legais. Mas se percebe claramente essa tendência”, afirma ele, que também é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O que a reforma trabalhista trouxe de novo, dizem especialistas, foi a possibilidade de também se condenar testemunha por litigar má-fé – não só as partes e advogados. Além disso, desde 2017, o trabalhador está sujeito a pagar honorários de sucumbência sobre pedidos negados pelo juiz, de 5% a 15% sobre os valores exigidos. O Legislativo chegou até a impor essa previsão para os beneficiários da Justiça gratuita, mas a medida foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021 (ADI 5766).
Por conta disso, logo após a reforma, houve um certo “temor” dos empregados, por receio da derrota. “Antes, o trabalhador, além de não ter custo processual, não era condenado em honorários. No primeiro momento, houve essa cautela. A parte pensava duas vezes antes de se aventurar em um pedido. Depois, a jurisprudência foi se sedimentando e as pessoas ganharam coragem de tentar reaver os direitos”, diz a juíza substituta Jéssica Grazielle Andrade Martins, atualmente na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Um caso recente de condenação por litigância de má-fé ocorreu na Justiça do Trabalho de Mato Grosso. Uma mulher que dizia ser viúva de um capataz morto em acidente de trabalho pedia indenização por dano moral e material ao empregador. Porém, ficou provado por meio de uma gravação telefônica feita pelo próprio patrão que os dois não estavam juntos há três anos. Na conversa gravada, ela própria admite que os dois eram separados e não questionou a prova nos autos.
Como o casal já não tinha “relação jurídica de direito material”, não havia legitimidade de a ex-mulher pleitear a reparação, segundo a juíza Rafaela Barros Pantarotto, da Vara do Trabalho de Diamantino. Além de extinguir os pedidos, a juíza a condenou por litigância de má-fé, pois “formulou declaração segundo a qual, quando do acidente, já não mantinha união estável com o empregado falecido há três anos, razão pela qual faltou com a verdade na narrativa fática apresentada na inicial, segundo a qual seria viúva” (processo nº 0000108-88.2023.5.23.0056).
A ex-esposa do trabalhador pediu a indenização junto com os cinco filhos do casal – quatro menores de idade. Eles, por sua vez, tiverem o direito reconhecido: R$ 750 mil por dano moral e, pelo dano material, uma pensão mensal de R$ 2.424 até os 25 anos. Os valores serão divididos entre os cinco herdeiros. Já a multa aplicada à mãe por mentir foi de 1,01% sobre a cota indenizatória, montante que ainda será calculado na fase de liquidação. O valor da causa é de R$ 2 milhões. A advogada do empregador disse que vai recorrer da sentença e inclusive pedir majoração da multa pela litigância.
Valor Econômico
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