Um assunto que não sai de cena devido a gravidade do caso: nosso sistema penitenciário. O último capítulo desta novela que parece estar longe de chegar ao fim trata da possibilidade de novas unidades prisionais serem interditadas. A matéria da Tribuna do Norte, assinada pelos repórteres Alex Costa e Valdir Julião, repercute isso e mostra o que foi discutido durante coletiva de imprensa realizada ontem na presença de diversos juízes de varas Varas de Execuções Penais do RN.
Uma causa direta para os problemas enfrentados hoje, à exemplo da superlotação e sucateamento da estrutura predial na qual os presos estão albergados, seria a “omissão do governo”, segundo apontou o titular das comarcas de Natal e Nísia Floresta, Henrique Baltazar.
Uma sucessão de ações equivocadas desembocaram no “inchaço” do sistema. A primeira delas, segundo o magistrado, foi a desativação da Penitenciária João Chaves, na zona Norte, e a falta de construção de estabelecimentos prisionais que pudessem absorver aquela população carcerária. Num efeito cascata, por exemplo, o Presídio Estadual de Alcaçuz passou de sua lotação ideal de 480 apenados para 620 como é presenciado hoje.
A inexistência de recursos orçamentários da gestão estadual para investir no setor foi afastada pelos juízes. E um argumento já conhecido e compartilhado pela sociedade civil ganhou força no discurso dos magistrados. Se foi possível derrubar o Machadão e construir uma arena nas proporções da que está sendo erguida, qual a razão então de se esquecer o sistema prisional? O questionamento foi feito pelo juiz da comarca de Caicó, Luiz Cândido Vilaça.
Uma dívida com a empresa responsável pela construção modular do Pavilhão 5 de Alcaçuz, a Verdi, também é um dos “rombos” na rede. Segundo representantes da empresa gáucha, até o momento só receberam um quarto dos cerca de 11 milhões acordados com o Governo.
Segue matéria na íntegra:
Juízes das varas de execução penal da capital e do interior mostraram na tarde de ontem (17), em coletiva à imprensa, as principais fragilidades no sistema carcerário potiguar. “A omissão do governo não impede que o poder judiciário determine a interdição de todos presídios do RN”, resumiu Henrique Baltazar, juiz da comarca de Natal e Nísia Floresta. Parte dos problemas apontados, ainda segundo os magistrados, tem relação direta com a superlotação dos presídios.
O número de apenados nas cadeias do Estado ultrapassa severamente o número de vagas oficiais decretadas pelo Estado. Ao todo, mais de 6 mil presidiários, entre condenados e provisórios, dividem as celas do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte, cuja capacidade é para receber 4.166 apenados oficialmente.
“Ou seja, são dois mil presos a mais nas celas das cadeias do Estado. O número, além de elevado, se une à falta de estrutura das cadeias e à carência de agentes penitenciários”, frisou o juiz da comarca de Natal.
Ainda segundo o magistrado, a situação do sistema carcerário começou a se agravar quando o antigo governo fechou a penitenciária João Chaves, na Zona Norte de Natal, e não providenciou nenhum novo estabelecimento prisional para abrigar os presos da capital.
“A solução foi estabelecer decretos para aumentar indiscriminadamente o número de vagas nos demais presídios e CDPs. A lotação dos presídios hoje corresponde à má administração das gestões do Executivo e se constitui num ato irresponsável e inaceitável”, pontuou.
Foi através de um desses decretos que a penitenciária de Alcaçuz, localizada no município de Nísia Floresta, aumentou o número de vagas para presos de 480 para 620. Henrique Baltazar apresentou números de outros presídios da capital potiguar apresentados por agentes penitenciários. A Cadeia Pública Raimundo Nonato possui um número oficial estabelecido em decreto de 208 presos. Porém a capacidade efetiva seria de apenas 160. O Centro de Detenção Provisória do Panatis, na Zona Norte de Natal, sofreu deterioração nas celas desde a última rebelião, no início deste ano, reduzindo sua capacidade de 140 vagas para apenas 40. “Hoje há 39 apenados no CDP de Panatis”, complementou.
Para os juízes, a questão não é falta de dinheiro no orçamento estadual, mas a forma como os recursos são aplicados. “Há dinheiro para a Copa do Mundo sendo investido. Derrubou-se um estádio para construir um monumento. Mas o sistema prisional é totalmente esquecido. Esquecem-se que a reclusão passa pela assistência social e pela educação. Não queremos levar os apenados à segregação social”, colocou o juiz Luiz Cândido Vilaça, da comarca de Caicó.
De acordo com Rivaldo Pereira Neto, juiz da comarca de Pau dos Ferros, a situação no Alto Oeste é idêntica às unidades prisionais das demais regiões. O presídio está sem telefone há um ano. Materiais de limpeza e água potável são comprados pelos próprios agentes penitenciários.
“Não contamos também com o apoio de veículos para o transporte dos presos. Todos os dias vivemos um estresse, sem saber se o preso vem ou não pela falta de carros. Se não vier, acaba solto. Para evitar isso, houve vezes de eu usar o meu carro pessoal para mandar buscar o preso”, alegou Rivaldo.
O juiz da comarca de Mossoró, Vagnos Kelly de Medeiros, criticou severamente as penas de reclusão em regime aberto que não são monitoradas pela Secretaria de Justiça e Cidadania. O presídio Manoel Onofre de Souza está com as guaritas sem funcionar, cercas ineficazes, e os presos conseguem muitas vezes sair e voltar para o presídio sem nenhuma dificuldade. “Não podemos brincar de fazer justiça. É preciso levar a coisa a sério”, finaliza.
Governo admite e não paga dívida
O enredo da ocupação do Pavilhão 5 da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, não vai terminar somente com a sua reabertura para abrigar 400 novos presos, em virtude de outros desdobramentos, pois a empresa gaúcha Verdi Sistemas Construtivos S/A diz que só recebeu um quarto do valor investido na execução da obra, que custou em torno de R$ 11 milhões.
“A empresa não recebeu todo o pagamento e aguarda uma oportunidade para encontrar uma solução do problema junto à Secretaria de Justiça e Cidadania ou ao governo do Estado”, informou, por e-mail, a arquiteta Carla Deboni, indicada para falar em nome da empresa, que continuou – “A Verdi cumpriu na íntegra o objeto do contrato, porém recebeu da contratante apenas 25% do valor contratado”.
Além disso, Carla Deboni afirmou que a empresa Verdi Sistemas Construtivos S.A. não tem conhecimento de inauguração oficial do empreendimento, como também “o contratante [Goerno do Estado através da Sejuc] até a presente data não recebeu oficialmente os serviços. Porém não há nenhum serviço pendente que fizesse parte do escopo da Verdi”.
Quanto ao comprovante de pagamento, que a TRIBUNA DO NORTE indagou se a Verdi tinha, ela disse “que a empresa possui contabilidade regular, portanto, tem comprovante de pagamento do valor pago pelo contratante”.
O ex-secretário estadual da Justiça e da Cidadania, Leonardo Arruda Câmara, confirmou as informações prestadas pela Verdi: “É verdade, atrasou uma fatura só”.
Leonardo Arruda deixou a Sejuc em 31 dezembro de 2010, quando já haviam sido feitas duas medições das obras do pavilhão 5: “O governo deixou concluída a obra, que foi construída em 120 dias, dentro dos prazos”.
Arruda também disse que faltou a terceira e última medição, que tinha de ser feita depois da mudança de governo, mas admitiu que o dinheiro da segunda medição não foi pago, à época, em virtude das dificuldades financeiras do Estado, que usou recursos próprios para pagar em torno de R$ 2,6 a R$ 2,8 milhões de um total de R$ 6 milhões relativos a duas medições.
O ex-secretário conta que por causa da escassez de recursos, o então governador, Iberê Ferreira de Souza, conseguiu que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberasse um empréstimo para o pagamento das obras, que não tinham dinheiro do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Segundo Arruda, ocorreu que quando estava sendo encaminhada a documentação para o BNDES, inclusive o título de domínio da área, descobriu-se que o terreno pertencia a Hortigranjeira, uma empresa que fora extinta no governo Geraldo Melo (1987/1991) “e estava hipotecada” por causa de dívidas de imposto da terra junto ao Incra.
“Nós passamos dois meses, não tinha escritura, não tinha nada”, disse Arruda. Um problema que acabou impedindo a liberação do empréstimo do BNDES, o que terminou o Estado a usar de recursos próprios para pagamento da primeira medição à empresa Verdi.
“A Justiça Federal mandou retirar a penhora e passar o terreno para o Estado em 30 de dezembro de 2010 e não deu tempo da obra ser pago pelo empréstimo do BNDES”, continuou ele.
O atual secretário de Justiça e Cidadania, Kércio Pinto, informou que a Secretaria reconhece a dívida herdada da antiga gestão e que orientou um dos diretores da Verdi a buscar junto à Secretaria de Planejamento e Finanças do Estado (Seplan) uma forma de negociação do valor, em torno de R$ 8,2 milhões, em regime de indenização.
“A Sejuc não tem recursos para realizar esse pagamento. A orientação foi no sentido da empresa tratar diretamente com o Planejamento, para formalmente requerer o pagamento da dívida”, disse. O secretário não soube informar se a Seplan já foi contatada pela Verdi, tampouco sobre prazos para a quitação do débito. A TRIBUNA DO NORTE não conseguiu contato com o secretário Obery Rodrigues na tarde de ontem.
Presos fazem motim para impedir revista
Desta vez foi no pavilhão “A” da Cadeia Pública Raimundo Nonato Fernandes, na Zona Norte da capital potiguar. Os 80 presos alojados nesse setor tentaram impedir a realização de uma revista nas dez celas da ala. O tumulto foi controlado pelos 10 agentes penitenciários, que inspecionaram cada uma das dez celas na manhã de ontem (17).
Após contornar a situação, os agentes penitenciários apreenderam 16 telefones celulares, 32 carregadores e ainda 300 gramas de maconha que estavam em poder dos presidiários.
A tentativa de impedir a revista das celas, que não é feita diariamente, mas é realizada periodicamente, ocorreu por volta das 9 horas, mas em dez minutos o motim foi controlado pelos agentes penitenciários.
A direção do presídio também chamou o Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar (GOE), que é uma guarnição criada para atuar dentro de estabelecimentos penais, exclusivamente, para contornar eventos dessa natureza.
Os presos tentaram tumultuar o ambiente interno do presídio depois que a direção orientou todos os ocupantes do pavilhão “A” para que se dirigissem à quadra onde, normalmente, eles têm direito ao banho de sol. Os presos passaram a atirar pedras, garrafas e o que encontravam pela frente contra os agentes penitenciários, que revidaram ao ataque com tiros de armas não letais, utilizando-se de balas de borrachas.
A situação da cadeia pública está sob análise do juiz da Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar, que não descarta uma interdição. Especialmente devido aos problemas estruturais e à superlotação. Mas a definição depende ainda de eventuais providências sugeridas pelo magistrados e, por enquanto, não implementadas.
Fonte: Tribuna do Norte
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