Pelo menos 110 mil dos 587 mil servidores públicos do Poder Executivo federal terão direito à aposentadoria até 2015. Só neste ano, 15 mil poderão deixar para trás a labuta diária. Se a maioria resolver vestir o pijama, haverá perda significativa de profissionais tarimbados, detentores da memória administrativa do país — aqueles que tocam o barco independentemente do comando e sabem exatamente quais são e como funcionam os programas executados pelo órgão a que pertencem. Além disso, a realização de concursos para preenchimento das vagas, o treinamento de novatos e o pagamento concomitante dos proventos de quem sai e do salário de quem entra ampliam os gastos do Tesouro.
O mais grave é o custo para manter cerca de 1 milhão de servidores federais inativos. O rombo previdenciário do setor é de R$ 60 bilhões. Valor muito acima do deficit do Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), que atende a 29 milhões de trabalhadores aposentados, e está na casa dos R$ 42 bilhões. Para diminuir a sangria dos cofres públicos e a perda de técnicos capacitados em áreas estratégicas, como Banco Central e Fazenda, o governo oferece abono de permanência de 11% àqueles que optam por continuar trabalhando.
Atualmente, o benefício é pago a 83.982 funcionários. De acordo com o Ministério do Planejamento (Mpog), com base na média dos últimos cinco anos, apenas 20% dos 110 mil deverão optar pela aposentadoria. Embora o Planejamento informe que o peso futuro na folha de pessoal não pode ser avaliado, porque “envolve variáveis impossíveis” de serem antecipadas, estimativas apontam que o custo vai dobrar nos 12 meses de 2015, passando dos atuais R$ 630 milhões para R$ 1,6 bilhão os gastos com o pagamento do abono de permanência. Mesmo assim, a balança que pesa custos e benefícios pende para o segundo prato. É mais barato manter o servidor na ativa do que deixá-lo ir para casa.
O abono de 11% equivale à contribuição previdenciária (Plano de Seguridade Social – PSS). Entre os previstos para se aposentar no próximo triênio, 65% estão, segundo o Planejamento, em ministérios com maior contingente de servidores efetivos: Fazenda (12 mil), Educação (37 mil) e Saúde (22 mil). Não há relação direta entre aposentadorias e cargos a serem preenchidos. O governo decide contratar ou criar outras carreiras após analisar a execução de suas políticas. Com o benefício, o governo espera que o servidor trabalhe até a compulsória, aos 70 anos de idade. Uma vez incorporado ao salário, o abono sofre desconto de Imposto de Renda.
Insatisfação
Apesar de 80% dos servidores optarem por continuar na ativa, o abono de permanência é considerado uma “escravidão” pelo secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Josemilton Costa. “A maioria não se aposenta porque perde quase 30% da remuneração, devido às mudanças das regras em 2007, quando o governo deixou de considerar para a aposentadoria a média dos últimos cinco anos de contribuição e passou a pagar apenas 50% da gratificação por desempenho”, reclamou.
Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), considera que o acréscimo de 11% no salário não configura incentivo. “Os dispêndios com transporte, vestuário e alimentação ultrapassam esse valor. Eu, certamente, não deixaria de me aposentar por mais R$ 2 mil, em uma função que, pela complexidade, qualquer deslize sem dolo (intenção) pode provocar autuação, processo administrativo e até a perda de direitos adquiridos. É muito pouco. Se fosse pelo menos 50% do salário, talvez pudesse ser considerado”, destacou. Ele admitiu que, devido aos riscos, a tendência é de os mais qualificados irem para a iniciativa privada ou abrirem o próprio negócio.
Sonho que pode não se concretizar. Apesar do alto grau de especialização, esses profissionais do serviço público vão encontrar dificuldades na disputa lá fora. “O sucesso em novo emprego depende de outros fatores. O mercado de trabalho para mão de obra qualificada já não está tão aquecido como há cinco anos”, explicou Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco do Central, para quem o Executivo está no caminho certo ao propor o incentivo.
Já Ruy Coutinho, presidente da Consultoria Latinlink,acredita que, apesar da economia com a redução de concursos, “o governo deixa de injetar na administração sangue novo, talvez até com melhor formação”, em um momento de fortes mudanças. Antes, alto nível de especialização era o suficiente. “Hoje, as empresas dão preferência aos generalistas, pessoas de visão conjuntural mais completa, aptas a mensurar variáveis políticas e sociais. Não bastam só conhecimento e experiência”, afirmou.
Fonte: Correioweb
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