Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS / AFP
Com o início das campanhas de imunização contra a Covid-19 ao redor do mundo nas últimas semanas, uma questão voltou a ser debatida: será que o certificado de vacinação se tornará uma exigência para o retorno de viagens internacionais da forma como conhecíamos antes da pandemia? Especialistas advertem que, por mais que as cenas de pessoas felizes com braços espetados tragam esperança, o tal “passaporte da imunidade” pode demorar a ser concretizado, ou até mesmo nem ser necessário.
A ideia de um “passe livre” para recuperados da Covid-19 vem do início da pandemia e costuma ser vista como uma tábua de salvação para o setor de viagens. A vacinação tem sido responsável por uma “nova onda” de otimismo, mas com pé no chão.
— As pessoas ficarão mais confiantes e seguras em viajar e muitas fonteiras começarão a reabrir. Mas só vejo isso acontecendo no segundo semestre, ou além. A vacinação acabou de começar está ocorrendo em de forma e ritmo diferentes ao redor do mundo — acredita Roberto Haro Nedelciu, presidente da Associação Brasileira de Operadoras de Viagem (Braztoa).
Será como o certificado contra a febre amarela?
Atualmente, o modelo de certificado internacional de vacinação que melhor conhecemos é o da febre amarela, exigida de pessoas que viajam de locais onde existe a doença para aqueles onde ela pode ser propagada. O mesmo poderia acontecer com os imunizantes contra a Covid-19?
Não necessariamente. A razão é a diferença entre as duas doenças e, logo, entre as vacinas desenvolvidas para elas. A infectologista Karis Rodrigues, do Centro de Informação em Saúde para Viajantes (Cives/UFRJ), explica que a pessoa que é vacinada contra a febre amarela, em praticamente 100% dos casos, é completamente imunizada e deixa de carregar esse vírus em seu organismo, após dez dias da aplicação, mesmo que picada por um mosquito, o vetor natural da doença:
— As vacinas testadas e aprovadas até agora para o Sars-CoV-2, que também se propõem a evitar a doença, não impedem que o vírus circule com a mesma eficácia que a da febre amarela. Então uma pessoa vacinada pode continuar transmitindo para outras. Se a ideia é evitar que o vírus entre no país, então essa vacina pode não ser uma exigência de entrada ideal.
Ela vai substituir os testes de PCR contra Covid-19?
Flávia Bravo, gerente-médica do Centro Brasileiro de Medicina do Viajante (CBMEVi), concorda que um certificado de vacinação contra a Covid-19 pode não ser necessário, principalmente se o resultado das campanhas de imunização for positivo, com grande parcela da população vacinada e as epidemias internas de cada país controladas. Para ela, é mais garantido que o teste RT-PCR negativo continue sendo exigido, por cada vez mais países:
— Eles não são 100% garantidos, porque a pessoa pode se infectar em algum momento entre o exame e a viagem, ou mesmo ter o vírus, e ele não ser detectado por estar fora da janela de coleta. Ainda assim são uma barreira importante e filtram um grande número de casos. Acredito que muitos países continuarão exigindo o PCR, mesmo com a vacina.
Quem já admite exigir o certificado de vacinação?
Oficialmente, a vacina ainda não é um requisito para a entrada em nenhum destino ou embarque em companhias aéreas, o que não acontece com o PCR negativo. Mas, na última sexta-feira, a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, admitiu, atendendo a um pedido da Grécia, que é favorável à adoção do certificado para ampliar a circulação de pessoas dentro do bloco. Países como Dinamarca, Estônia e Israel já planejam a criação de um certificado de imunidade para que seus cidadãos já vacinados possam circular dentro e fora de seus países.
Nos Estados Unidos, a discussão também atingiu altos escalões das autoridades sanitárias. No começo do mês, o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, Anthony Fauci, declarou que considerava possível a exigência do certificado de vacinação contra a Covid-19 para viagens internacionais.
No Brasil, a decisão é da Anvisa que, até o momento do fechamento desta reportagem, não havia respondido se tem a intenção ou não de adotar a exigência no futuro.
Entre as companhias aéreas, apenas a australiana Qantas Airways se manifestou oficialmente sobre o assunto, em novembro, ao afirmar que, quando a vacinação estivesse avançada em todo o mundo, apenas passageiros com certificado de imunização poderiam embarcar em seus aviões.
— Condicionar o embarque ou não à vacinação será uma decisão de cada empresa, a não ser que haja determinações dos governos locais, que serão cumpridas. No Brasil, as companhias vão esperar as orientações das agências como Anac e Anvisa — disse o presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz.
O que são os passaportes de saúde digitais?
Sanovicz afirmou também que as empresas brasileiras ainda estão analisando que plataformas digitais adotarão para verificar os certificados de saúde dos passageiros, como os testes PCR negativos e, futuramente, a vacinação.
No momento, uma série de organizações e empresas do ramo da tecnologia estão trabalhando para desenvolver aplicativos para celulares que servem de “carteiras virtuais” para certificados relacionados à Covid-19. O usuário pode inserir no programa dados do PCR negativo, ou a sorologia que indica a presença de anticorpos, ou mesmo o certificado de vacinação. O programa então codifica essas informações, que são lidas através de códigos QR pelos agentes portuários das companhias aéreas ou dos serviços de migração dos aeroportos.
Para viajantes, há duas iniciativas bem adiantadas. O primeiro é o Common Pass, que tem o Fórum Econômico Mundial como um de seus desenvolvedores. Ele mostra ao viajante os requisitos sanitários tanto do local de partida quanto do destino, e já está sendo testado por companhias aéreas como Lufthansa, Swiss, United Airlines e Virgin Atlantic. O segundo é o Iata Travel Pass, da Associação Internacional de Transorte Aéreo (Iata), que tem funções parecidas. A partir de abril, o sistema será adotada no voos da Emirates.
O Globo
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