Ontem foi um dos piores dias de minha vida.
Por volta das 19h, desta terça-feira, 3 de julho de 2012, tinha acabado de chegar em casa, no bairro de Morro Branco, zona Sul de Natal, e minha noiva entrou para se arrumar. Estávamos nos preparando para sair para jantar. Eu estava com o carro estacionado em frente a um estabelecimento comercial, cheio de clientes. Decidi entrar em casa também para ir até o banheiro. Antes de desligar o carro percebi a aproximação de um rapaz pelo retrovisor esquerdo do veículo, mas ele estava andando normalmente pela calçada, sem qualquer tipo de atitude suspeita. Desliguei o carro. Em seguida, desliguei o som. Assim que desliguei o som, fui surpreendido por uma voz anunciando: “Isso é um assalto. Sai do carro agora”. Como conheço várias pessoas no bairro, pensei que fosse brincadeira de alguém e me virei rindo, ainda sentado no banco do motorista e olhei nos olhos do rapaz que anunciara e percebi que não o reconhecia. Ao ver que eu não tinha esboçado qualquer tipo de reação a não ser rir do anúncio, ele insistiu: “Bora mermão! Isso é um assalto! Sai do carro agora”. Só aí que me dei conta que realmente se tratava de um assalto. Não deu nem tempo de cair a ficha e ele sacou um revólver, apontou para a minha cabeça e me ameaçou de forma violenta: “Bora mermão. Tá esperando o que? Quer morrer? Sai do carro agora!”.
Não estava acreditando que aquilo estava acontecendo comigo e fui saindo devagar do carro para evitar que a raiva dele se transformasse num simples ato de puxar o gatilho. Ele nem esperou eu sair e já me puxou pelo braço para fora do carro. Quando eu estava saindo, veio um segundo elemento e entrou no carro pela porta do passageiro. Nesse momento bateu uma mistura de raiva, indignação, revolta e tristeza. Senti-me impotente, um nada. Sensação realmente horrível totalmente incapaz de fazer alguma coisa. Olhei para a arma dele e pensei em reagir, mas pensei em minha mãe. Enquanto pensava na minha mãe, olhei para a janela e vi que minha noiva estava vendo tudo. Desisti de qualquer reação. Afinal, essa seria a atitude mais errada a ser tomada naquele momento. Logo em seguida, ele disse: “Fica de costas e sai andando normalmente, se você se virar a gente ativa” Pior, olhei de canto de olho e vi que o assaltante também viu minha noiva na janela. Olhei para dentro do comércio e vi que os clientes nem notaram a ação criminosa. Eles deram partida no carro e ao invés de fugir, deram ré para ver o que eu estava fazendo. Fui entrando lentamente no ponto comercial e, com medo de que algum tiro viesse a ser disparado. Ainda consegui raciocinar e avisar baixinho à balconista e aos clientes: “Vai todo mundo para o fundo. Tem dois homens armados roubando meu carro. Eles podem atirar”. As pessoas ficaram sem entender e ainda viram o carro na frente. Eu repeti: “Vão pros fundos, vão”. Nesse momento os criminosos se evadiram, aparentemente, rumo à Nova Descoberta. Vi todo o trabalho árduo de meses ir embora na frente da residência da minha noiva, do local que deveria ser um refúgio.
Entrei em casa e não bastando ter passado por um momento traumático, vem meu segundo drama: conseguir acionar o serviço de emergência, o 190. Foram várias ligações de quatro números diferentes para conseguir, quase 10 minutos após o ocorrido, contato com algum atendente. A Polícia Militar foi acionada, quando os bandidos já tinha tempo de percorrer alguns quilômetros. Aproveitei os contatos que fiz enquanto trabalhei fazendo coberturas jornalísticas na área policial para reforçar o apelo de ajuda. Entrei na rede social Twitter, para anunciar o que havia acontecido, na tentativa de que alguém pudesse localizar o veículo. Foram mais de 200 tweets e retweets que circularam entre centenas (talvez milhares) de pessoas, mas ninguém conseguiu ver o veículo. Um Novo Uno, modelo Way, de cor cinza escuro, de placas NNX-9117. Era como ver uma agulha no palheiro, em meio a tantas vias e tantos veículos que trafegavam na cidade nesse horário. Mesmo assim, tenho imensa gratidão, agradeço realmente de coração, a todos que tentaram e que ainda tentam me ajudar. Recebi várias ligações de amigos me consolando, me ajudando a ter força para erguer a cabeça e recomeçar. Dentro do carro havia pagamentos, um tablet de um amigo meu e vários pertences de valor. Dos males, os menores: o carro tem seguro e eu estou aqui, vivo, para relatar esse momento dramático para vocês. O valor do ressarcimento não cobre o total do saldo devedor, ou seja, ainda terei que arcar com alguns reais para quitar o que está nas mãos de bandidos. Depois de tudo me dirigi à Delegacia Especializada em Defesa e Propriedade de Veículos e Cargas (Deprov), onde o caso foi devidamente registrado e emitido o Boletim de Ocorrência, mais conhecido pelo acrônimo “BO”.
Ontem, não consegui dormir e, hoje, não consigo me concentrar para trabalhar. A cada minuto que penso em fazer alguma coisa, me volta o sentimento de revolta, raiva e impotência que senti ontem à noite com uma arma apontada para minha cabeça.
Não bastando, ainda fico refletindo: onde está o Poder Público que não dá educação de qualidade para evitar que pessoas jovens entrem no mundo da criminalidade para conseguir sustentar um vício ou uma família? Onde está o Poder Público que não dá educação de qualidade para fazer com que as pessoas não passem trotes para os serviços de emergência, atrapalhando quem realmente precisa? Onde está o Poder Público que tem um serviço de emergência demorado com poucos profissionais? Onde está o Poder Público que não me garante segurança com uma quantidade suficiente que me permita estar na calçada da minha casa (bem como na casa de todos)? Onde está o Poder Público que não tem uma polícia judiciária suficiente para elucidar crimes e retirar mais bandidos armados das ruas? Onde está o Poder Público que deixa essas armas circularem nas mãos de bandidos? Onde está o Poder Público que não consegue manter presos os que deveriam estar pagando pelos crimes que cometeram? Afinal, quem foge de uma unidade prisional se mantém como? Onde está o Poder Público que mantém um Estado com leis tão frágeis, cheias de interpretações dúbias, que permitem que verdadeiros criminosos fiquem nas portas de nossas casas?
O que mais lamento no final de tanta reflexão é ver que tive o carro tomado de minhas mãos na porta de casa e que nada posso fazer e não ser escrever esse texto e rezar para que tudo termine bem. Também rezo para que isso não aconteça com vocês ou com suas famílias. Afinal das contas, a cada dia, centenas de natalenses, potiguares e brasileiros passam pela mesma situação que passei ontem.
Marcius Valerius
Jornalista
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