Pedro da Silva, de 68 anos, esperou por seis meses por exame que comprovasse câncer Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo
Foi o resultado de um exame de sangue que acendeu o sinal amarelo na vida do aposentado Pedro da Silva, de 68 anos. O PSA , proteína que, quando alta, indica câncer de próstata , estava acima do indicado. Ainda assim, era preciso uma tomografia para a confirmação. O teste, no entanto, só foi realizado seis meses depois .
O caso do morador de Volta Redonda ilustra um cenário comum no país: falta a urgência adequada em casos da doença, o que leva a diagnósticos com os tumores já em estágios avançados — como atesta relatório do Tribunal de Contas da União ( TCU ) divulgado em setembro.
— Demorou muito para fazer o exame. Só quando cheguei ao Inca é que a coisa andou — conta Silva, no ônibus da prefeitura de Volta Redonda que leva os pacientes da cidade do Sul Fluminense até o hospital na praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio.
Segundo o estudo do TCU, 80% dos cânceres de pulmão, tireoide, estômago e cavidade oral são diagnosticados em estágios mais avançados. Já a doença no cólon, reto, colo de útero, mama e próstata também têm patamar de 50% nos diagnósticos demorados.
Desde 2013, ainda de acordo com o estudo, só 6% das pessoas são diagnosticadas na primeira fase da doença. Esse é o mesmo patamar encontado desde 2013. Segundo estimativa do Inca apresentada pelo TCU, cujo estudo considera dados de 2017 em 14 estados do país, 420 mil pessoas terão câncer entre 2018 e 2019.
Na semana passada, o Senado aprovou uma lei que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a fazer, em até 30 dias, exames que confirmam o câncer, após o paciente ter passado por uma consulta médica que levante suspeita da doença. O texto seguiu para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.
Se aprovada, a mudança será incluída na lei que já estipula o início do tratamento pelo SUS em no máximo 60 dias a partir do diagnóstico do câncer.
Fila eletrônica
No sistema público de saúde, a responsabilidade pelo exame de confirmação da doença é dos municípios. Após o diagnóstico, a rede municipal encaminha o paciente para as redes de complexidade mais alta, a estadual ou a federal.
A organização dos exames é feita através de uma espécie de fila eletrônica. Na cidade do Rio, por exemplo, o Sistema de Regulação (Sisreg) aponta que todas as 108 mulheres com o grau mais alto de urgência terão que esperar por uma ultrassonografia de mama — um dos exames para o diagnóstico de câncer no local — por pelo menos dois meses. A primeira da fila neste momento,por exemplo, entrou no sistema em fevereiro do ano passado.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio afirmou que a ultrassonografia de mama “não é o exame de rastreio ou diagnóstico de câncer, mas sim a mamografia”, que tem “número mais do que suficiente para atender à demanda da cidade”. Também diz que é preciso avaliar cada caso da ultrassonografia para explicar a demora.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia do Rio de Janeiro, Sandra Gioia, diz, no entanto, que a ultrassonografia de mama é importante para diagnosticar o câncer quando a mamografia não consegue a confirmação do resultado.
— O que nós queremos é a detecção precoce. Aí a mamografia é indispensável e o ultrassom pode ser necessário — afirmou a médica.
Rede sem estrutura
O estudo do TCU atesta que o diagnóstico do câncer no país não está sendo realizado em tempo hábil. E revela um alto percentual de pacientes diagnosticados com a doença “em grau de estadiamento IV e V” — ou seja, os dois mais avançados dos cinco que existem.
— Uma paciente com nódulo suspeito, por exemplo, não pode entrar numa fila normal. Tem que ter tratamento especial, de urgência — defende Gioia. — A gente recebe os pacientes com os nódulos grandes, sangrando, o braço inchado. São sintomas da demora dos exames que levarão ao diagnóstico.
O estudo do TCU também destaca que a rede de exames ofertados pelo SUS não está suficientemente estruturada para possibilitar aos pacientes com suspeita de câncer receberem no tempo adequado o diagnóstico exato.
A regulação do acesso à assistência à saúde no país, segundo o TCU, possui “deficiências quanto à organização, ao gerenciamento e à priorização do acesso por meio de fluxos assistenciais no âmbito do SUS”.
O Ministério da Saúde afirmou que, em oito anos, dobrou os recursos federais destinados aos tratamentos do câncer na rede pública de saúde, passando de R$ 2,2 bilhões em 2010 para R$ 4,4 bilhões em 2018.
Afirma ainda que “a auditoria (do TCU) retrata uma amostra apenas dos oito tipos de cânceres mais prevalentes, o que não representa o cenário nacional”.
Segundo a pasta, o Brasil tem 309 hospitais habilitados a oferecer assistência ao paciente com câncer.
Compromisso
Presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), a médica Maira Caleffi afirmou que esteve pessoalmente com o vice-presidente Hamilton Mourão e conseguiu dele o compromisso de que a lei aprovada no Senado, que garante um exame de confirmação da doença em até 30 dias quando há a suspeita de câncer, será sancionada ainda no Outubro Rosa.
A Femama, composta por 71 instituições espalhadas por 18 estados, além do Distrito Federal, foi a responsável pela formulação da lei.
— Estive com o vice-presidente, Hamilton Mourão, e entreguei o ofício (da sanção) na sexta-feira. Ele se comprometeu pessoalmente a sancionar a lei ainda neste mês, ou através do presidente ou como presidente interino (Bolsonaro está em viagem na Ásia),— diz Caleffi.
A médica afirmou, ainda, que se encontraria com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, para entregar o mesmo documento.
A aprovação pelo Senado, segundo ela, pegou todas de surpresa pelo desafio orçamentário. A pauta é objeto de críticas de setores da administração pública, uma vez que não há sinalização de verba extra — assim como ocorreu na lei dos 60 dias.
— Faríamos um ato pela aprovação, mas, graças a Deus, ela aconteceu. O próximo passo é lutar para que haja verbas. Para que a lei seja colocada em prática, são 180 dias a partir da sanção. Temos que trabalhar em uma articulação para que haja financiamento e não aconteça a mesma coisa que aconteceu com a lei dos 60 dias. Até hoje, não houve nenhum aporte extra para financiá-la.
Para Caleffi, todos estão contra o câncer e o diálogo deve ser a base do debate.
— No momento em que começamos a poder exigir e cobrar a lei de 60 dias, aprovada em 2012, começamos a perceber um represamento. Pacientes estavam parados antes do diagnóstico porque, se a doença fosse diagnosticada, o Estado teria que tratar — alega.
O Globo
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