A população brasileira convive com constante deficiência dos serviços públicos e consequentes graves violações de direitos fundamentais. O descumprimento dos deveres dos gestores, muitas vezes, demanda a intervenção por parte Poder Judiciário na busca pela resolução desses casos em que grupos têm seus direitos desrespeitados. Contudo, ainda não existe uma uniformidade na forma como é realizada a atuação dos juízes em situações dessa natureza. O assunto foi tema da dissertação de mestrado de um juiz potiguar, que resultou na publicação do livro “Ações Estruturais e o Estado de Coisas Inconstitucional”, que expõe a maneira como os magistrados podem atuar na solução desses problemas.
Juiz Federal da 14ª Vara Federal de Natal, mestre em Direito Público e atuando como juiz instrutor no Supremo Tribunal Federal, Eduardo Sousa Dantas explica que a escolha do tema ocorreu devido à atualidade do assunto, com casos de graves violações de direitos fundamentais que geram grande repercussão na sociedade. De acordo com ele, situações que apontam o desrespeito ao direito de toda a população, como falta de estrutura e deficiência de serviços na Saúde, ou de grandes grupos, como a situação degradante de detentos devido a falhas do Poder Público, são difíceis de serem enfrentados pelo juízes de acordo com a lógica tradicional e rotineira do processo.
“O juiz está acostumado a decidir um processo individual, de A contra B, em que ele dá uma sentença, executa e resolve o problema. Mas o que se faz quando os direitos de todos os usuários do Serviço de Saúde são violados? Ou quando os presidiários enfrentam situação degradante por culpa do Poder Público? Os casos mais extremos constituem o estado de coisas inconstitucional, caracterizado pela violação massiva de direitos fundamentais envolvendo a atuação de diversos órgãos púbicos. É isso que discutimos no livro”, explicou o autor.
Fazendo um levantamento sobre a atuação do poder judiciário em episódio de segregação racial em escolas públicas nos Estados Unidos, no chamado caso Brown versus Board of Education, o autor pesquisou sobre o trabalho realizado por juízes também no Brasil, Canadá, Colômbia, Índia e África do Sul, fazendo o histórico e traçando diretrizes que se afastam do processo tradicional.
“O juiz não pode atuar de forma tradicional porque os casos são totalmente diferentes. O processo é feito para ação individual, de A e B, sendo que nesses casos que estudamos ele vai estar tratando de processos que envolvem União, Estado, municípios, opinião pública e o direito de milhares de pessoas que não são identificáveis de plano, por exemplo. Por isso, a atuação é diferente”, disse Eduardo Dantas.
Segundo o magistrado, os juízes, nessas situações, podem colaborar com êxito na solução dos problemas atuando como facilitadores na discussão e buscando formas compartilhadas ou integradas para a resolução das complexas questões discutidas. A partir de inclusão do tema na agenda política, da realização de audiências públicas, levando o debate à mídia e à população, os magistrados conseguem, junto ao próprio Poder Público, obter resultados que melhoram o nível de efetivação dos direitos fundamentais da população em geral.
“Com os conhecimentos que são compartilhados durante esse processo, em vez de dar uma sentença sobre um assunto que não domina, o magistrado abre espaço para as sugestões dos envolvidos, estabelecendo planos e medidas que são capazes de regular o caso. O livro trata disso e como os magistrados podem atuar para solucionar esses problemas”, resumiu o autor.
Ainda de acordo com o magistrado, na publicação também são apresentados os resultados de investigação sobre as diversas técnicas de decisão utilizadas nessas ações e os modelos “de ordens rígidas e fechadas, de ordens abertas e flexíveis e o modelo típico do experimentalismo democrático”.
“Estudamos a efetividade prática desses instrumentos e o resultado está apresentado no livro. É um tema que considerei atual e de grande interesse não só para as pessoas do meio jurídico, mas para toda a população”, disse.
O livro será lançado em Brasília e Natal, mas a data ainda está indefinida. A venda online do livro já foi iniciada, através do site da Juruá Editora, ao custo de R$ 69 (versão digital) e R$ 99 (versão impressa).
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