Finanças

Brasileiros mais ricos não são os que pagam mais impostos

(FOTO: SERGIO MORAES/REUTERS)

Os brasileiros pagaram R$ 2,127 trilhões em tributos ao longo de 2017. Isso equivale a quase um terço de todo o Produto Interno Bruto do país naquele ano. Esse montante, porém, pesa mais para alguns do que para outros. Os mais ricos do país não são os que pagam, proporcionalmente, mais impostos no Brasil. Isso acontece pela forma como o sistema tributário é desenhado no país.

Com alguma regularidade, o tema da estrutura tributária volta à tona em meio a discussões sobre uma possível reforma. As críticas sobre o sistema atual são várias: carga tributária alta demais, sistema complexo que faz empresas e pessoas perderem tempo e dinheiro, além de um peso excessivo sobre o consumo, o que onera os mais pobres. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, estariam discutindo o texto base para uma reforma tributária, para tramitar no Congresso em paralelo com a da Previdência.

É difícil precisar qual seria a carga tributária “ideal” para um país. Isso depende dos benefícios sociais e serviços que precisam ser oferecidos pelo governo. Afinal, se a administração pública gasta demais, reduzir a arrecadação resultaria em um rombo — ainda maior – nas contas. A carga brasileira, de 32,43% sobre o PIB em 2017, é menor do que a média dos países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 34,3% da produção nacional. Na comparação com os vizinhos da América Latina e Caribe, contudo, o país se destaca na outra ponta: é o segundo que mais tributa, atrás apenas de Cuba.

CARGA TRIBUTÁRIA, NA COMPARAÇÃO COM PAÍSES DA OCDE E DA AMÉRICA LATINA (FOTO: REPRODUÇÃO/RECEITA FEDERAL)

Além do peso dos tributos sobre a economia, é preciso também avaliar de onde vem essa receita. Dos R$ 2,23 trilhões arrecadados em 2017, praticamente metade (R$ 1,03 trilhão) teve origem em tributos que incidem sobre o consumo de bens e serviços. Em 2016, a carga tributária sobre o consumo no Brasil foi de 15,4% — acima da média da OCDE, de 11,2%. Na outra ponta, o Brasil está entre os países que menos tributam renda — com um porcentual de 6,5%, ante 11,4% na média dos países mais ricos do mundo.

O problema é que o tributo sobre o consumo pesa mais sobre quem recebe menos. Isso acontece porque esse é um tipo de cobrança não regressiva. Ou seja, não importa o quanto a pessoa ganha, o valor pago é sempre o mesmo. Quanto mais pobre é a população, maior é a fatia da renda que ela compromete com o consumo e, consequentemente, com os impostos.

“O Brasil é um país de renda média, isso faz com que a gente não tenha tanta base de renda para tributar. Não há como deixar de cobrar sobre o consumo, porque o Estado precisa se financiar”, afirma Claudemir Rodrigues Malaquias, chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal. Os países escandinavos, por exemplo, têm uma população de renda mais alta e que gasta uma parte menor de sua renda no consumo, o que explica a maior incidência de tributos sobre a renda, segundo Malaquias.

“A tributação sobre consumo existe em todos os países. O ideal é que ela não seja tão alta quanto a que incide sobre a renda”, afirma. “A cobrança sobre a renda é progressiva. Já a tributação sobre o consumo, não. Quem ganha mais e quem ganha menos paga o mesmo. É uma injustiça”, diz Malaquias. Se a carga tributária fosse maior sobre a renda do que sobre consumo, diz ele, a distribuição do pagamento de impostos seria mais equitativa na sociedade brasileira.

Imposto de renda

O imposto de renda (IR) no Brasil é progressivo, mas vale lembrar que a tabela, que estipula as faixas de imposto de acordo com a renda de cada contribuinte, não é ajustada desde 2015. Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), a defasagem da tabela em relação à inflação soma 95,4% desde 1996. Na prática, isso significa que a faixa de isenção do IR, hoje válida para quem ganha até R$ 1.903,98, se corrigida, subiria para R$ 3.689,57.

Além disso, há uma particularidade sobre a alíquota efetiva de IR. Principalmente por conta das isenções, após determinada faixa de renda, quem ganha mais paga uma porcentagem menor de imposto sobre o que recebe. As isenções — de lucros e dividendos, por exemplo — são mais comuns para quem ganha mais, o que reduz o valor pago pelos mais ricos.

Segundo a Receita Federal, a alíquota média sobe até a faixa das pessoas que ganham até 160 salários mínimos, chegando a 23,3% da renda recebida. A partir daí, a alíquota efetiva passa a cair, indo para 19,9% entre os brasileiros cuja renda soma mais do que 320 salários mínimos por mês. Ou seja, os mais ricos do país pagam IR uma porcentagem menor daquilo que recebem.

GRÁFICO MOSTRA A ALÍQUOTA EFETIVA MÉDIA PAGA POR CONTRIBUINTES, A DEPENDER DA RENDA (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) (FOTO: GRANDES NÚMEROS IRPF – ANO-CALENDÁRIO 2016)

“No caso do Brasil, temos distorções para serem corrigidas. Não há uma tributação federal sobre doações e heranças, por exemplo. Há ainda uma série de isenções que poderiam ser aperfeiçoadas”, diz Malaquias. Ele afirma, ainda, que o ganho de capital — quando uma pessoa ganha dinheiro com a venda de imóveis ou ações, por exemplo — no Brasil é pouco tributado. Mesmo assim, corrigir essas distorções não seria suficiente para que o país passasse a tributar mais renda do que consumo. Para isso, seria necessário uma ampla reforma tributária que mudasse a estrutura de financiamento do Estado, segundo ele.

Época Negócios

 

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Diversos

Brasileiros mais ricos já superam 74 mil pessoas

TOPO DA PIRÂMIDE NO BRASIL

topo

Antes de o Brasil entrar em recessão, houve um ligeiro aumento da concentração de renda e riqueza no topo da pirâmide social brasileira, apontam dados da Receita Federal. O número de contribuintes com renda mensal superior a 160 salários mínimos subiu de 71.440 em 2013 para 74.611 em 2014.

Trata-se da primeira alta em 3 anos e o maior número desde 2011, quando o topo da pirâmide reuniu 80.930 brasileiros. Veja gráfico acima

O salário mínimo nacional em 2016 é de R$ 880. A renda mensal da população no topo da pirâmide supera R$ 140 mil.

Os números referem-se às declarações de imposto de renda de pessoas físicas entregues em 2015 (ano-calendário 2014), recentemente divulgados pela Receita Federal.

Pela primeira vez, o Fisco divulgou também a quantidade de contribuintes distribuídos no “topo do topo” da pirâmide. Em 2014, eram 13.552 com renda mensal entre 240 e 320 salários mínimos (acima de R$ 211 mil) e 28.433 com rendimentos de acima de 320 salários mínimos por mês (acima de R$ 281 mil).

A declaração de Imposto de Renda em 2015 foi obrigatória para pessoas físicas residentes no Brasil que receberam rendimentos tributáveis superiores a 26.816,55 em 2014 (cerca de R$ 2.235 ao mês).

Pessoas com renda inferior a esse montante não são obrigadas a declarar, mas há exceções, como casos de donos de imóveis.

Concentração de renda e riqueza

Esta elite de 74.611 brasileiros corresponde a menos de 0,3% dos mais de 27,5 milhões de declarantes do IR 2014 e concentrou, em 2014, 15% da renda total e 22,7% da riqueza em bens e direitos declaradas à Receita, totalizando rendimentos de R$ 360,9 bilhões e patrimônio de R$ 1,47 trilhão.

Os dados apontam para uma ligeira alta da concentração de riqueza no topo da pirâmide, na comparação com o ano anterior. Em 2013, o topo da pirâmide concentrava 14% da renda total e 21,7% da riqueza.

“É possível inferir que o Brasil segue sendo um país com uma profunda concentração da renda e da riqueza – ainda que se deva atentar que pobres e trabalhadores de menor renda estão dispensados de entregar a declaração de imposto de renda aqui analisada”, resume o economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV.

As tabelas da Receita mostram o número de declarantes distribuídos por 17 faixas de renda, além de informações como valores totais de rendimentos (isentos e tributáveis) recebidos e a soma do patrimônio declarado em cada uma das camadas da pirâmide social. Veja tabela aqui

Renda ainda mais concentrada no topo

Cálculos do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rodrigo Octávio Orair, a partir dos dados da Receita, apontam para um aumento da concentração de renda no topo da pirâmide.

“Minha estimativa preliminar aponta para aumento da concentração de renda no 0,01% mais rico: de 8,5% da renda bruta do total das famílias para 9,5%”, diz o pesquisador. Segundo ele, o rendimento médio entre os declarantes teve crescimento real (descontada a inflação) de cerca de 2% de 2013 para 2014, ao passo que entre os 74.611 o crescimento médio da renda foi de 9%.

O pesquisador destaca que a análise dos dados entre 2007 e 2014 mostram que a riqueza concentrada pelo topo da pirâmide tem se mantido relativamente estável. “Não houve queda da desigualdade, a renda ficou bem concentrada. Mesmo depois da crise financeira de 2008, quando houve uma queda do valor dos ativos e da lucratividade das empresas, os mais ricos continuaram preservando a sua fatia no topo”, diz Orair.

Projeção para 2015

Orair acredita, entretanto, que em razão da recessão econômica iniciada em 2015, as próximas divulgações devem sinalizar uma ligeira queda nos rendimentos dos mais ricos e até mesmo uma queda no número de brasileiros super-ricos, como já apontam algumas consultorias.

“No topo da pirâmide, a renda é mais volátil, vem de lucros e dividendos, e de aplicações financeiras que são muito voláteis. Então é razoável esperar uma queda em 2015”, diz o pesquisador.

Distorções a serem corrigidas

Os dados da Receita revelam também que quem está nas camadas mais altas paga menos impostos, proporcionalmente à sua renda. Ou seja, a tributação é mais pesada nas faixas de menor rendimento. Na faixa dos que recebem de 3 a 5 salários, por exemplo, cerca de 90% da renda foi alvo de pagamento de imposto em 2014, enquanto que no topo da pirâmide, o percentual de rendimentos tributado ficou ao redor de 30% (Clique aqui para acessar o relatório na íntegra)

tabela1

“Os muito ricos têm a maior parte da renda isenta ou retida exclusivamente na fonte com alíquotas mais baixas. Há espaço para revisar uma série de benefícios tributários ao capital e aos muito ricos dados nos últimos anos e que não se mostraram efetivos para estimular crescimento e investimentos”, defende Orair.

Ele explica que o imposto de renda da pessoa física no Brasil é composto por rendimentos tributáveis (basicamente salários, com alíquota de até 27,5%), tributados exclusivamente retidos na fonte (como aplicações financeiras, com alíquotas de 15% a 22,5%) e rendimentos isentos (como lucro e dividendos por participação acionária).

Para os pesquisadores, os dados disponibilizados pela Receita representam um avanço em termos de transparência e oferecem microdados que colaboram para investigações sobre distribuição de renda como as lideradas pelo economista francês Tomas Pikety, autor do best-seller “O Capital Século XXI”. Eles destacam ainda que os números oferecem subsídios importantes para um debate sobre a revisão do modelo de tributação de renda e riqueza no Brasil.

“Quando maior a renda dos contribuintes, menos eles ganham de salários e mais de outras fontes (desde ganhos financeiros até lucros empresariais), mais eles descontam, e mais bens possuem”, diz o pesquisador do IBRE/FGV. “O rendimento tributário responde por dois terços da renda total, contados todos declarantes. Mas, se computar os mais ricos, eles ganham 6 vezes mais com rendas financeiras e isentas do que com aquelas submetidas ao trabalho”, acrescenta.

“A alíquota medida efetiva do imposto é de 11,5% para o total de pessoas físicas. Não é uma carga alta porque reflete o fato de que muitos brasileiros estão na faixa de isenção, são feitas grandes deduções e cada vez mais trabalhadores viraram pessoas jurídicas para pagar menos impostos. Aliás, mesmo pegando o extrato de maior renda, a alíquota média efetiva é de 27%, o que não é uma alíquota alta para padrões internacionais”, conclui José Roberto Afonso.

G1

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