Voluntária desinfeta a entrada de um abrigo do Exército da Salvação no Texas; os EUA são um dos países que vêm apresentando queda de casos na comparação com final do ano passado Foto: SHELBY TAUBER / REUTERS
O número de novos casos da Covid-19 no mundo vem caindo nas últimas semanas. De acordo com o boletim semanal mais recente da Organização Mundial da Saúde, do dia 16 deste mês, houve uma redução de 16% nas infecções em relação à semana anterior. A queda, segundo afirmam especialistas, é resultado do endurecimento das medidas restritivas implementadas no fim do ano passado e do início da campanha de vacinação contra o vírus, além de imunidade coletiva — embora este último, segundo apontam estudos, seja um fator transitório.
Desde que os primeiros casos do novo coronavírus foram confirmados, em janeiro do ano passado, o mundo já registrou mais de 111 milhões de infecções e quase 2,5 milhões de mortes provocadas pela doença altamente contagiosa. Segundo o relatório da OMS, a semana encerrada no dia 16 também registrou uma queda de 10% nos novos óbitos. Essa tendência aparece desde meados de janeiro, pelo menos. No entanto, apesar de ser uma boa notícia a respeito da crise sanitária, há muitas ressalvas.
Sem uniformidade
A redução de casos e mortes não é um fenômeno homogêneo. Das seis regiões examinadas pela OMS, uma apresentou aumento do número de novos casos: o Mediterrâneo Oriental, que engloba países do Oriente Médio, Norte da África e Ásia Central, e registrou um crescimento de 7% nas infecções. Além disso, embora a Europa e o continente americano tenham apresentado queda em seus números, essas regiões continuam a registrar um alto índice de casos diariamente, que ainda é maior do que os números de setembro do ano passado. Na sexta-feira, as médias móveis nas duas regiões eram, respectivamente, de 170 e 310 novos casos por milhão de habitantes.
— Quando falamos de valores globais, eles precisam ser quebrados em regiões e países para entendermos o que significam. Um número único não nos diz muita coisa — ressalta Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão Ciência (IQC) e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Segundo Gabriel Maisonnave, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, ao analisar a curva da pandemia desde o início, o mundo já teve três “degraus” de contaminação, isto é, o número de casos já teve um aumento expressivo três vezes, sinalizando o início de cada onda. Desta vez, a redução de infecções é mais significativa, apesar de seu número absoluto ser maior do que nas ondas anteriores. No entanto, a tendência não reflete o real cenário nos países.
—Vemos que há surtos muito fortes do coronavírus nas Américas e na Europa, enquanto na Ásia e na África os casos são mais controlados. O que temos na verdade são epidemias locais com ritmos diferentes — explica o professor.
Os Estados Unidos, que de longe são o país mais afetado em números absolutos, com 28 milhões de casos e mais de 498 mil mortes, também vivem uma queda nas infecções e óbitos. Isso se deu principalmente após a posse do novo presidente americano, Joe Biden, em 20 de janeiro. Desde então, como uma nova orientação federal no combate à pandemia, o país passou a adotar mais medidas restritivas obrigatórias, como o uso de máscaras e o distanciamento físico, e acelerou a campanha de imunização.
— A troca de Presidência teve um efeito muito positivo no combate à pandemia. Saiu uma pessoa que era negacionista e entrou alguém mais favorável à ciência — afirma Pasternak, referindo-se ao presidente Donald Trump.
Brasil na contramão
Por diversas vezes, o republicano adotou uma postura errática em relação à crise sanitária, menosprezando a gravidade do vírus. A conduta levou a mortes que poderiam ter sido evitadas, apontou um relatório da revista científica Lancet.
Enquanto alguns países acompanham a tendência global de queda nos casos e mortes, outros seguem na direção contrária. É o caso do Brasil, que desde o dia 21 de janeiro registra uma média de mortes acima de mil por dia. O Brasil é o segundo país no mundo com mais mortes pela Covid-19 — 244 mil ao todo — e o terceiro com mais casos, tendo registrado mais de 10 milhões de infecções.
Com os gargalos na produção e distribuição da vacina contra a Covid-19, o país só conseguiu imunizar com uma dose 2,74% da população, segundo dados do consórcio de veículos do qual O GLOBO faz parte. Aqueles que receberam a segunda dose somam 0,53%, muito longe da proporção necessária para a volta da normalidade.
— Estimamos que é preciso ter 30% da população vacinados para começar a ver os efeitos da imunização. E 70% para podermos voltar à normalidade — explica Gabriel Maisonnave.
Taxas de 30% da população vacinados com duas doses foram atingidas em poucos lugares, como Israel, onde já foi possível verificar uma relação direta da imunização com a queda de casos.
O aumento da cobertura vacinal e a adoção de medidas mais rígidas para conter o contágio são as únicas soluções para a pandemia, apontam os especialistas. E embora haja uma redução nos casos e nas mortes por Covid-19 no mundo, este não é o momento para aliviar as restrições nem diminuir os esforços pela imunização, ressalta Paulo Petry, doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
— Numa metáfora, é como se estivéssemos num incêndio e alguns países tivessem conseguido diminuir o fogo. Mas ele não apagou. Se a gente se descuidar, o fogo volta a acender — explica Petry, que alerta para as consequências das aglomerações e desrespeito das medidas restritivas. — Quanto mais tempo a gente permite que o vírus circule, maior é a chance de ele sofrer mutações que podem pôr em xeque a eficácia das vacinas.
Risco das variantes
Esse é o mesmo alerta feito pela epidemiologista-chefe da OMS, Maria Van Kerkhove, responsável técnica pelo combate à pandemia na organização.
— Agora não é hora de baixar a guarda. Não podemos entrar em uma situação em que os casos voltem a subir — afirmou Kerkhove na semana passada, sobre a circulação das novas variantes do coronavírus por diversas regiões do mundo.
Até o momento, são três as principais variantes detectadas e com um potencial maior de contágio do que o vírus original: a britânica, a sul-africana e a brasileira. De acordo com o relatório da OMS, a mutação britânica já foi detectada em 94 países e é responsável, pelo menos na Europa, por frear uma queda maior no contágio. Já as variantes oriundas da África do Sul e de Manaus foram encontradas em 46 e 21 países, respectivamente.
Segundo Maisonnave, o surgimento de novas variantes é o principal risco decorrente dos diferentes estágios da pandemia em países e regiões. Sem o controle mais uniforme, casos e mortes sempre poderão voltar a aumentar.
— Ou o mundo inteiro controla a pandemia, ou ainda vamos viver essa situação por muito tempo.
O Globo
Comente aqui