Desprezando o bom senso e todos os sinais de alerta, o governo decidiu investir sua reputação – e não só dinheiro público – na fusão dos Grupos Pão de Açúcar e Carrefour, um negócio polêmico, legalmente arriscado, potencialmente nocivo a consumidores e fornecedores e inteiramente estranho à missão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Apesar de seu empenho, nenhuma autoridade conseguiu justificar a participação do Executivo nessa aventura nem dissipar os temores diante da ameaça de maior concentração de poder no mercado de alimentos e de outros bens essenciais. Ao contrário: ao tentar defender o indefensável, as autoridades se arriscam cada vez mais num terreno política e moralmente pantanoso.
Não se usará recurso público nessa operação, disse a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Segundo ela, o dinheiro será investido pelo BNDESPar, numa transação de mercado. Mas todo o recurso usado pelo sistema BNDES – para empréstimo ou para investimento – é público, venha do Tesouro, do Fundo de Amparo ao Trabalhador, de fontes internacionais ou do lucro de suas operações. O BNDES é um banco público, sem acionistas privados, e esse é o status também do BNDESPar. A advogada Gleisi Hoffmann, ex-diretora financeira de Itaipu e especialista em gestão pública, certamente conhece esses dados, mas parece havê-los esquecido.
O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, presidente do Conselho de Administração do BNDES, foi igualmente infeliz ao defender a fusão e a possível participação do banco. A associação entre o Pão de Açúcar e o Carrefour “abrirá uma porta importantíssima para a colocação de produtos brasileiros industrializados no mundo inteiro”, afirmou. Segundo ele, seria esse o grande interesse estratégico da operação. A alegação é constrangedoramente ridícula.
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