Foto: LLUIS GENE / AFP
Sempre conectados e carregados diariamente em bolsos e bolsas, os smartphones são fontes de informações preciosas sobre o deslocamento das pessoas. Aproveitando essa característica, o Instituto Nacional de Estatística (INE) da Espanha apresentou um projeto ambicioso e inédito, mas bastante controverso: coletar dados da movimentação de todos os celulares do país, por oito dias. O objetivo é analisar esses dados para criar um mapa dos deslocamentos cotidianos da população, mas críticos levantam dúvidas sobre a invasão da privacidade.
“Fico surpreso com a falta de consciência, cada vez menor, de se ter um GPS no bolso e o que isso significa para os Estados, que pouco a pouco estão encontrando justificativas para usar esses dados ‘para o nosso bem’”, criticou o advogado David Maeztu, pelo Twitter.
Os planos do INE foram adiantados pelo “El País” nesta terça-feira. Segundo o jornal espanhol, o rastreamento vai acontecer durante quatro dias úteis consecutivos em novembro, entre os dias 18 e 21. Para estabelecer os locais de residência, os estatísticos analisarão os dados móveis entre meia-noite e seis da manhã. Para estabelecer os deslocamentos, serão analisadas informações entre nove da manhã e seis da tarde.
A ideia é contabilizar quantas pessoas vivem em cada região do país e os deslocamentos diários, informações que podem servir para a reformulação dos sistemas de transporte, além da mensuração das necessidades de cada local por serviços públicos, como escolas e hospitais. Para contabilizar a atividade noturnas, serão analisados dados coletados 6h, 10h, 14h, 18h, 22h e 2h.
Para complementar essas informações, o INE fará análises em dois dias durante o verão no Hemisfério Norte, nos dias 20 e julho e 15 de agosto, para contabilizar as migrações sazonais durante o período de férias. E nos dias 25 de dezembro, feriado de Natal, e 24 de novembro, um domingo no fim do ano.
Com essas informações, o INE saberá como os espanhóis de movem, informações relevantes para descobrir quais são os deslocamentos habituais da população e, dessa forma, onde os serviços públicos devem ser prestados e a infraestrutura reforçada. Também se saberá onde os espanhóis vão passar férias e feriados dentro do território nacional.
Coleta de dados anônimos
Em comunicado, o INE — instituto responsável pelas estatísticas oficiais do país, como o IBGE — informa que esses dados serão incorporados às “informações sobre mobilidade que oferece tradicionalmente os Censos de População e Domicílios”. Pela metodologia, o território espanhol foi dividido em 3,2 mil células, cada uma com pelo menos 5 mil moradores. As três principais operadoras do país repassarão o número de telefones em cada uma dessas células em vários momentos do dia.
O instituto ressalta que as operadoras (Movistar, Orange e Vodafone) não fornecerão “dados individuais sobre os números dos telefones, nem sobre os titulares das linhas, para que em nenhum caso o INE possa rastrear a posição de um terminal”. Segundo o órgão, a coleta é uma “estatística submetida, como todas que elabora, à Lei da Função Estatística Pública, que garante o segredo estatístico e cumpre com todos os requerimentos da Lei de Proteção de Dados”.
Mas nem todos estão confortáveis com a situação. Sites espanhóis divulgam formas de não serem rastreados pelo governo, como a remoção do chip SIM durante os dias indicados, ou simplesmente o abandono do celular desligado em casa nessas datas. A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD), órgão do governo responsável pela proteção da privacidade, já solicitou ao INE “informações sobre os protocolos estabelecidos com as operadoras para a utilização dos dados dos celulares”.
Críticos argumentam que o INE precisaria do consentimento expresso de cada um dos donos de celulares. Mesmo com os dados anonimizados, sem informações que possam identificar os usuários, o mero feito de coleta e tratamento para definir onde estão os celulares seria uma violação às leis de proteção de dados, sustenta Maeztu.
O tema é polêmico. Outros especialistas argumentam que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados abre espaço para a iniciativa do INE. O artigo 89 diz que o “tratamento para fins de arquivo de interesse público, ou para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, está sujeito a garantias adequadas, nos termos do presente regulamento, para os direitos e liberdades do titular dos dados. Essas garantias asseguram a adoção de medidas técnicas e organizativas a fim de assegurar, nomeadamente, o respeito do princípio da minimização dos dados”.
— Entendemos que a operação do INE pode escandalizar as pessoas, mas talvez elas esqueçam que as empresas privadas nos mostram publicidade móvel com base em onde estamos andando, alegando uma melhor experiência do usuário com um objetivo comercial — comentou Rubén Sánchez, porta-voz da associação Favua-Consumidores em Acción, ao “El País”. — Se o objetivo realmente é o uso do big data para melhorar os serviços públicos, tudo bem, mas esses dados também podem justificar cortes ou fechamento de serviços. O objetivo é lícito, mas o problema pode estar em como os resultados serão usados.
O Globo
Comente aqui