Política

O que parecia uma nuvem negra se tornou o melhor dia de Trump desde a posse

Foto: Eric Baradat/AFP

​​Para o presidente Donald Trump, pode ter sido o melhor dia de seu mandato. A nuvem mais escura e ameaçadora que pairava sobre sua Presidência foi praticamente dissipada no domingo com a divulgação das conclusões do promotor especial, que reduziram em muito a ameaça de impeachment e lhe deram um ímpeto poderoso para os 22 meses ainda restantes de seu mandato.

Ainda há outras nuvens escuras no céu, e ninguém fora do Departamento de Justiça até agora leu o relatório de Robert Mueller, o promotor especial. Se o documento for levado a público, é possível que ainda revele informações fortemente negativas. Mas o fato de a investigação ter terminado sem encontrar evidências de conluio com a Rússia fortaleceu o presidente para as batalhas que estão por vir, incluindo a campanha para sua reeleição.

Críticos ainda vão discutir se Trump tentou ou não obstruir a justiça, mas o presidente se apressou a declarar-se inocentado, e aliados republicanos de Trump atacaram seus colegas democratas pelo que descreveram como uma campanha partidária implacável contra ele. Mas, ao mesmo tempo em que os líderes republicanos no Congresso exortavam o país a agora voltar-se para o futuro, o presidente indicou que talvez ainda não esteja preparado para isso, dizendo que a própria existência da investigação de Mueller foi “uma tentativa ilegal de derrubada que fracassou” e pedindo uma contra investigação para apurar como ela começou.

Agora, encorajado e furioso, o presidente poderá levar adiante sua administração sem ter sua atenção distraída por novos mandados de busca e novos indiciamentos pela equipe de Mueller e sem o receio de que o promotor especial possa fazer acusações criminais contra membros de sua família ou sequer trazer à tona uma prova cabal de que sua campanha teria colaborado com o governo russo para garantir sua eleição em 2016. As perguntas sobre a interferência eleitoral do Kremlin que perseguiam o presidente em quase todo lugar podem sumir em breve, ao mesmo tempo que outros investigadores continuam a tentar deslindar outras alegações.

A equipe de Mueller confirmou que a Rússia tentou manipular a eleição para favorecer Trump, mas sua conclusão de que não houve conluio de Trump com esse esforço pode abrir o caminho para Trump redirecionar a política externa americana em direção a Moscou e seu presidente ditatorial, Vladimir Putin, sem tanta preocupação com as consequências domésticas. E pode conferir confiança renovada a Trump, que se queixa de que suas relações com líderes mundiais foram prejudicadas pelo fato de esses líderes não terem certeza se ele conseguiria sobreviver à investigação.

O fim do inquérito de Mueller também deixou os democratas na defensiva e os obrigará a decidir com quanto vigor querem continuar a levar adiante as alegações de erro de conduta por parte do presidente e seus aliados, incluindo muitas alegações que não foram estudadas pelo promotor especial, cuja esfera de ação foi limitada à interferência da Rússia na eleição e qualquer possível obstrução de justiça decorrente dela.

Enquanto Trump afirmou que as conclusões de Mueller o “isentam completa e totalmente”, Mueller declarou explicitamente que não o fez. Embora não tenha encontrado evidências de uma conspiração com a Rússia, Mueller não chegou a nenhuma determinação quanto à obstrução de justiça. “Enquanto este relatório não conclui que o presidente tenha cometido um crime, ele tampouco o exonera”, escreveu Mueller, segundo o resumo de seu relatório enviado ao Congresso pelo Departamento de Justiça.

Em vez disso, segundo o resumo, Mueller listou vários atos de Trump que podem ser vistos como obstrução de justiça, deixando a cargo de outros determinar se, vistos em conjunto, podem ser interpretados desse modo. William Barr, o secretário de Justiça nomeado recentemente por Trump depois de ter redigido um memorando particular postulando que um presidente não deve poder ser acusado de obstruir a justiça por exercer seu poder constitucional, concluiu no domingo que não podem.

Mas a Câmara, controlada pelos democratas, possui o poder constitucional de decidir por si mesma se os atos do presidente constituíram ou não “crimes graves e contravenções” que possam justificar o impeachment. E ela pode fazer outra interpretação das evidências colhidas por Mueller, depois de ter acesso a elas.

A próxima fase da história será, portanto, a luta dos democratas da Câmara para obrigar Barr a entregar ao Congresso a íntegra do relatório de Mueller e as evidências que o acompanham. Será uma batalha constitucional que pode acabar sendo resolvida nos tribunais.

Além disso, ao mesmo tempo em que Mueller encerrou sua investigação, investigadores federais, estaduais e congressionais ainda estão examinando os negócios de Trump, suas finanças, seu comitê de posse e pessoas que trabalharam com ele.

Promotores federais em Nova York implicaram Trump em um esquema que visou violar as leis de financiamento de campanha, enviando dinheiro a duas mulheres para que elas não viessem a público antes da eleição de 2016 denunciar casos extraconjugais que teriam tido com ele. O estado de Nova York o obrigou a fechar sua fundação, depois de descobrir “um padrão chocante de ilegalidade” na organização. O Comitê Judiciário da Câmara pediu documentos de 81 pessoas e entidades ligadas a Trump, relativos a uma grande gama de tópicos.

Mas Mueller tinha credibilidade e gozava do respeito de ambos os partidos de uma maneira que não ocorre com nenhum dos outros acusadores do presidente, apesar dos esforços do próprio Trump para derrubá-lo. Agora o presidente que rotineiramente atacava Mueller e seus “13 democratas irados” pela “caça às bruxas” que moviam contra ele certamente vai aproveitar os resultados da investigação do promotor especial para descartar todos os outros acusadores como nada mais que partes de um esforço conspiratório e de perseguição vingativa contra ele, independentemente do que os fatos possam ou não indicar.

“Não indiciados” ou “sem impeachment” talvez não representasse grande coisa no passado como adesivo de para-choque, mas no ambiente político polarizado de hoje cada lado enxerga essas questões sob sua própria ótica.

A ideia de que o sistema, sob a forma de Mueller, tentou derrubar Trump e não conseguiu vai se encaixar à perfeição com a narrativa do presidente, em que ele se queixa e se apresenta como vítima, reforçando o retrato que ele faz de si mesmo de alguém que ameaça a ordem existente.

Para Trump, o dia não poderia ter sido melhor.

FOLHA DE SP, com THE NEW YORK TIMES

 

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