Frequentadores do Festival Brasileiro em Boston, ocorrido em setembro de 2017 – Reprodução de Facebook / Brazilian Festival in Boston – Festival Brasileiro em Boston
Oito em cada dez brasileiros que vivem na região de Boston — onde se concentra a maior comunidade do país nos Estados Unidos, com cerca de 400 mil pessoas — afirmam que a vida piorou desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, revela uma pesquisa inédita da Ideia Big Data. O levantamento exclusivo para o GLOBO indica a principal razão: 95% dos entrevistados têm pelo menos um parente sem documentação legal no país. O aumento do sentimento contra estrangeiros, que cresceu desde que o republicano chegou à Casa Branca, há pouco mais de dez meses, é a grande razão para a piora das condições de vida.
A pesquisa indicou que o tema dos imigrantes sem documentação afeta muito mais os brasileiros que se costuma imaginar. Na região de Boston, amigos e parentes dos primeiros a chegar continuam a se mudar para os EUA, mesmo sem a devida autorização. Nessa área do país, já há cinco gerações de imigrantes brasileiros.
— Para os ilegais e seus parentes, o medo de ser expulso importa mais do que a situação econômica — conta Maurício Moura, presidente da Ideia, que fez a pesquisa de 19 a 21 de novembro com 302 brasileiros em Framingham, Somerville e Cambridge, no estado de Massachusetts.
Número de deportados dobra
Segundo a pesquisa, para 77% deles a vida piorou com Trump, para 18% não mudou, e apenas 5% viram melhorias. E mais do que o discurso contra o estrangeiro, medidas reais do governo de Trump têm afetado a comunidade brasileira nos EUA. O Itamaraty informou que neste ano, até o dia 27 de novembro, 139 brasileiros foram deportados, quase o dobro do registrado em todo 2016, quando 73 pessoas foram expulsas e enviadas ao Brasil por viverem sem os vistos corretos nos EUA. Em muitos casos, há histórias que geram comoção e temor até aos brasileiros com a documentação em dia — seja por parentes, amigos ou até pelo preconceito contra toda a comunidade.
Framingham, que em 2018 se tornará cidade e terá seu primeiro prefeito (eleito em novembro), debate se vai se transformar em “santuário” (onde governos locais decidem não colaborar com o esforço anti-imigração do governo federal) ou não. A localidade de 70 mil habitantes — 20 mil deles brasileiros — avalia se compensa proteger os imigrantes e, com isso, entrar no radar do governo federal, que deixará de enviar recursos ao município e tende a intensificar as atividades de controle de situação migratória. Já se adotar as normas federais, corre o risco de fazer com que os imigrantes sem documentos se prejudiquem a ponto de não solicitar serviços públicos para não serem denunciados.
— O clima aqui está muito ruim. Muitos brasileiros têm abandonado tudo e voltado ao Brasil. Mas, ao mesmo tempo, não param de chegar imigrantes sem documentação do Brasil aqui — salienta Liliane Costa, diretora do Brazilian American Center (Brace). — Sabemos de pessoas que foram detidas ao tentar renovar a autorização para viver nos EUA. Pessoas que estão na fila de deportação mesmo tendo filho nascido nos EUA ou cônjuge em situação legal. Estão todos mais vulneráveis.
Ela afirma que a subjetividade na aplicação de regras aumentou. E isso faz com que autoridades cheguem a descumprir leis. Costa diz que precisou da ajuda de políticos para conseguir que pais sem documentação matriculassem os filhos numa escola pública de Franklin — cidade vizinha a Framingham. A lei proíbe que se restrinja o acesso à educação por motivos migratórios. Ela observa que, antes de Trump, casos como este nunca ocorriam.
— Aflorou o preconceito. Com Trump, há mais perseguição, dificuldades. Sabemos de mais abusos de empregadores, mais riscos para os brasileiros. Os agentes de imigração impõem agora normas que não eram aplicadas, e com um rigor incomum, levando mais pessoas para a detenção. Soube de uma brasileira, que tinha toda a vida aqui, que foi deportada sem passar por um juiz americano, o que é inadmissível — conta Natalicia Tracy, diretora do Centro do Trabalhador Brasileiro em Boston.
Com medo, muitos imigrantes preferem ficar na sombra, o que favorece a criação de guetos e dificulta ainda mais a integração na sociedade americana. Muitos brasileiros evitam até mesmo falar publicamente dos problemas, como em entrevistas, para não assustar suas famílias no Brasil.
A advogada brasileira radicada na Flórida Renata Castro, que atende imigrantes, afirma que a nova orientação do governo assusta até mesmo os estrangeiros em situação legal nos EUA. Segundo ela, até o governo de Barack Obama, o foco dos agentes migratórios era os estrangeiros que cometiam crimes, mas agora todos estão passíveis de problemas.
— Nem mesmo a cidadania americana ou o green card têm evitado problemas. Pessoas nessa situação estão tendo dificuldades para que seus parentes consigam vistos, por exemplo. Soube de um caso de uma pessoa que estava pedindo a cidadania americana e agentes da imigração decidiram rever todo o seu processo de green card. Queriam saber se ela estava de fato casada ou havia apenas feito um casamento de fachada. Isso não ocorria antes, não havia tantos obstáculos — destacou ela.
Temor de ser barrado
Renata conta que mesmo quem se orgulha de ter entrado nos EUA “pela porta da frente”, com um visto de estudo, por exemplo, pode ser deportado caso esteja trabalhando além do limite — algo muito comum — ou não cumpra com todos os requisitos do visto. Ela acrescenta que isso começa a afastar até brasileiros ricos, que temem a burocracia e eventuais constrangimentos na obtenção de vistos.
— Já há casos de pessoas que preferiram ir para a Disney em Paris em vez da Flórida por causa do visto. E isso começa a afetar os investidores, pois muitos entram em pânico só em pensar que podem não passar pela imigração — frisa a advogada. — Hoje, ninguém mais se acha bem-vindo.
O Globo
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