Educação

Estudo da UFRN em Natal comprova que cochilos pós-aula impulsionam a aprendizagem declarativa

De acordo com a pesquisa realizada em uma escola pública de Natal, uma soneca de até 60 minutos ajudou a aumentar a retenção de conteúdo curricular em 10%.

José de Paiva Rebouças – Ascom/ICe-UFRN

O filho da servidora pública Juliana Brandão, 32, só tem dois anos e meio, mas precisa acordar todos os dias às 6h30 da manhã para ir à escola. Ele não gosta muito e por isso, segundo ela, é comum chegar atrasado e mal-humorado. A pedagoga Amanda Ravenna, 32, por sua vez, usa a música como estratégia no início de suas aulas matinais para acordar os sonolentos na escola onde trabalha. “Com idades entre 8 e 9 anos, já tive um aluno que dormia em sala”, conta.

Dormir bem é fundamental para recuperar as energias e deixar o corpo regulado em qualquer idade. Existem evidências, principalmente em animais, mostrando que o sono permite a limpeza de toxinas acumuladas no tecido cerebral.

Não é de hoje que a ciência apresenta indícios de que o sono beneficia a aprendizagem. Por isso, é possível sugerir que, no caso da educação básica matutina, atrasar o início das aulas para aumentar a quantidade de sono de pré-aprendizagem pode melhorar a frequência e até diminuir aquele velho mal-estar das crianças.

Um novo estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) vai mais além e demonstra que cochilos durante o período das aulas podem ser usados para impulsionar a aprendizagem escolar de uma maneira escalável e de baixo custo. Uma medida simples com potencial para melhorar a educação em todo o mundo.

Com o título “Cochilos pós-aula impulsionam a aprendizagem declarativa em um ambiente escolar naturalista”, a pesquisa coordenada pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, chefe do Laboratório de Memória, sono e sonhos do ICe-UFRN, em colaboração com o Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro (Washington/EUA) e a Escola Estadual Berilo Wanderley, foi publicada na revista Science of Learning, do grupo Nature.

Evidências neste sentido já foram demonstradas, mas é a primeira vez que cientistas realizam esta investigação em um contexto escolar sem interferências externas. Ou seja: além de considerar as aulas do currículo normal da escola e a rotina do professor, foi trabalhado um desenho cruzado com randomização semanal que permitiu a cada aluno participar do experimento em todos os grupos.

“O procedimento estatístico de nossa pesquisa a torna mais valiosa em relação a outras realizadas até aqui, permitindo aquilo que parece ser interessante, ser, de fato, interessante, levando em conta o contexto real em que foi realizada”, observa Sidarta Ribeiro.

Um cochilo entre as aulas

O estudo, realizado em uma escola pública de Natal (RN), teve como amostra um grupo de 24 estudantes, de ambos os sexos, da 5ª série com idade média de 10 anos. Os testes, que duraram seis semanas, eram realizados durante três dias: segundas, terças e sextas-feiras. A coleta de dados aconteceu inteiramente dentro da escola, com sorteio semanal para decidir quem dormiria e quem veria aula durante o experimento.

Nas segundas-feiras, após assistirem uma aula de 60 minutos (07h15 às 08h15) sobre os conteúdos curriculares em andamento na escola, o grupo era dividido. Metade era conduzida a um quarto adaptado, onde podia dormir por até uma hora. A outra metade permanecia em sala para ver o próximo conteúdo. No dia seguinte (terça-feira), o processo se repetia, mas aqueles alunos que dormiram no dia anterior, tinham a aula que não assistiram e os demais a oportunidade de dormir.

Nesses dias, ao acordar, cada aluno relatava por quanto tempo estimava ter dormido. Já nas sextas-feiras, era aplicado um teste de múltipla escolha com 10 questões dos conteúdos das aulas com todo o grupo ao mesmo tempo.

Depois das seis semanas de testes, os resultados mostraram que os conteúdos das aulas seguidos por cochilos longos, maiores de 30 minutos, foram significativamente melhor retidos pelos alunos do que os conteúdos seguidos por outra aula.

Conteúdos seguidos de longos cochilos foram também melhor armazenados do que os conteúdos seguidos de cochilos interrompidos. Os cochilos curtos, no entanto, não provocaram diferenças significativas no aprendizado, o que sugere que os benefícios atribuídos aos cochilos pós-aprendizagem não são artefatos de interferência reduzida.

O resultado mostrou que cochilos com duração de 30 a 60 minutos parecem aumentar a retenção de conteúdo curricular em 10%, semelhante à avaliação anterior em estudantes de faixa etária semelhante. Além disso, a falta de efeito para cochilos mais curtos está de acordo com os achados laboratoriais anteriores.

Pelo que foi observado, os benefícios do cochilo matinal provavelmente estão referidos ao estágio dois do sono, que tem sido relacionado à memória declarativa, e não ao sono REM (Rapid Eye Movement) que beneficia a criatividade.

“O material aprendido correspondeu a conteúdos declarativos, e o teste envolveu a memorização e a associação de múltiplos conteúdos, mas não pensamento abstrato ou criativo”, completou Sidarta Ribeiro.

Um dos autores, Sidarta Ribeiro é pesquisador do Instituto do Cérebro (ICE) da UFRN. Laboratório liderado por ele, o Sono, Sonhos e Memória tem uma equipe composta atualmente por quatro pós-doutorandos, quatro doutorandos, cinco mestrandos e três alunos de graduação. Foto: Cícero Oliveira.

Os novos desafios da pesquisa

Esta pesquisa significa um grande avanço no estudo do sono e da aprendizagem, no entanto, segundo Natalia Mota, coautora do trabalho, para adequar isso à rotina escolar, outras pesquisas são necessárias para saber como oferecer um período de descanso na rotina dos alunos, com adequação dos demais conteúdos.

“Alunos mais descansados estariam melhor preparados para receber o conteúdo, e, portanto, as aulas poderiam ser mais objetivas, contando com maior foco e atenção dos alunos. Se esse sono deve ser antes, depois da aula, só se o aluno estiver sonolento ou se deve ser estimulada uma rotina, tudo isso ainda são perguntas a serem respondidas com pesquisas futuras sobre a aplicação dessa intervenção na escola, melhorando a translação de um conhecimento científico para o cotidiano da educação”, disse Natalia.

Sidarta acrescenta que ainda não é possível identificar se há ganho cumulativo ao longo do experimento. Por isso, os passos seguintes são aumentar a escala de sujeitos, ou seja, realizar o experimento em várias escolas, bem como viabilizar a utilização de eletrodos para observar quais as fases do sono e as oscilações neurais implicam no processo de aprendizagem do aluno.

Com informações da UFRN

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Diversos

Estudo comprova: homens que assediam mulheres on-line são ‘perdedores’

20100818081902285afpPara os pesquisadores, homens menos habilidosos sentem suas posições sociais ameaçadas pelas mulheres – OLIVER BERG / AFP

Uma nova pesquisa comprova o que muitos já sabiam: homens que assediam mulheres em ambientes on-line são, pode-se dizer, perdedores. O trabalho, realizado por Michael Kasumovic e Jeffrey Kuznekoff, das universidades de New South Wales e Miami, respectivamente, analisou as conversas entre jogadores de videogame e demonstrou que os mais hostis contra elas eram os que apresentavam pior desempenho.

O estudo foi publicado na semana passada na revista acadêmica PLOS One, e observou como homens tratavam as mulheres durante 183 horas de disputas no jogo “Halo 3”. Os pesquisadores perceberam que, independente do nível de habilidade, os homens são bastante cordiais entre eles, e os melhores jogadores tendem a tecer elogios, tanto para jogadores como para jogadoras.

Entretanto, os jogadores com menos habilidade, que tinham pior desempenho em relação aos seus pares, faziam comentários desagradáveis contra as jogadoras. Em outras palavras, homens sexistas são, literalmente, perdedores.

“Nós sugerimos que homens de baixo status aumentam a hostilidade direcionada às mulheres para minimizar a perda de posição como consequência de uma reconfiguração hierárquica resultante da entrada de uma mulher na arena competitiva”, dizem os autores dos estudo.

Por outro lado, dizem os pesquisadores, os mais habilidosos tendem a ser mais positivos com as mulheres que com os homens, “numa tentativa de apoiar e ganhar a atenção da jogadora”.

Os autores argumentam que esse estudo é o que fornece evidências mais claras sobre as relações entre gêneros em ambiente competitivo. Segundo eles, os videogames misturam ambientes biológicos e socialmente construídos, fornecendo uma boa oportunidade para observar como a competição intersexual molda o comportamento humano.

Porém, alguns pontos devem ser considerados. Os jogadores de “Halo 3” são anônimos, e a possibilidade de vigiar o comportamento dos outros é praticamente impossível; eles se encontram raramente em outras partidas; e a quantidade de jogadores homens é superior ao de mulheres. Essa mesma configuração é semelhante em outros ambientes on-line também marcados pelo sexismo, como os fóruns Reddit e os “chans”.

MULHERES SOFREM ASSÉDIOS MAIS SEVEROS

A questão do sexismo em espaços na internet é uma questão séria. Um relatório elaborado ano passado pelo Pew Research Center mostra que tanto homens quanto mulheres são vítimas de assédio on-line, mas “as jovens mulheres experimentam particularmente as formas mais severas”. No levantamento, 40% dos entrevistados disseram já terem sido vítimas desse novo tipo de violência, mas elas são assediadas sexualmente e perseguidas, enquanto eles são, majoritariamente, xingados.

O assédio contra mulheres se tornou particularmente evidente no episódio que ficou conhecido como GamerGate, quando mulheres envolvidas no mundo do videogame passaram a sofrer ameaças de morte.

“Como os homens confiam na agressão para manter seu status de dominação social, o aumento da hostilidade contra as mulheres pelos homens de baixa posição social pode ser uma tentativa para desprezar a performance feminina e suprimir a alteração causada por elas na hierarquia”, concluem os pesquisadores.

O Globo

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