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Fomos ingênuos em crer no Vale do Silício, diz historiador

O historiador escocês Niall Ferguson, autor de “Civilização” (ed. Planeta, 2013, publicado originalmente em 2011), diz que o Brasil deve esperar em 2018 “uma repetição do que aconteceu nos EUA em 2016, quando a mídia social teve papel decisivo na eleição de Donald Trump”.

Para ele, “a promessa do Vale do Silício era que as redes sociais gigantes fariam o mundo melhor”, mas o que produziram foi “polarização, ‘fake news’ e visões extremistas”. Empresas como Facebook e Google “têm como prioridade gerar receita de publicidade, não fazer do mundo um lugar melhor”, diz.

Central European University/Divulgação

Ferguson, 53, faz palestra nesta terça em São Paulo, às 20h30, no ciclo Fronteiras do Pensamento, com ingressos esgotados. A seguir, trechos de entrevista realizada por telefone, na segunda (27).

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Folha – Num ensaio recente na revista “Foreign Affairs”, o sr. escreve sobre a “falsa profecia da hiperconectividade” e os impactos políticos das redes sociais. Quais são eles? O sr. poderia resumir a crítica do que chama de “visões messiânicas” espalhadas pelo Vale do Silício?

Niall Ferguson – A promessa do Vale do Silício era que as redes sociais gigantes on-line fariam o mundo melhor. Nós todos seríamos “netizens” [cidadãos da internet] igualmente conectados, igualmente capazes de publicar, igualmente capazes de confrontar o poder. Mas não saiu bem assim. E eu acredito que era previsível que não sairia.

Previsível?

Ainda que só soubesse um pouco de história e de ciência das redes, você podia ver que criar redes gigantes não produziria uma “comunidade global”, como diz a frase de Mark Zuckerberg [presidente do Facebook]. Que mais provavelmente produziria polarização, “fake news” [notícias falsas ], visões extremistas e outros problemas que se tornaram muito evidentes na eleição dos EUA no ano passado. Aquele tipo de problema era inerente ao projeto de redes sociais gigantes on-line, e fomos ingênuos de acreditar no que o Vale do Silício nos falou. Afinal, empresas como Facebook e Google têm como prioridade gerar receita de publicidade, não fazer do mundo um lugar melhor.

O sr. está no Brasil, que era festejado como um gigante que acordava e agora está submerso numa crise política e econômica sem fim, com a sombra da direita radical crescendo dia a dia. Quais são as suas ideias sobre este país?

Bem, sempre sou cuidadoso ao comentar países que estou visitando brevemente. Professores de Stanford e Harvard têm uma tendência de presumir que sabem mais sobre os países do que as pessoas que moram neles. Portanto, com a humildade necessária, deixe-me responder o seguinte:

Primeiro, eu acredito que a crise da classe política do Brasil é característica do nosso tempo, que não é, de modo nenhum, limitada à América Latina. Uma consequência da maior transparência trazida pela internet foi expor corrupção no hemisfério Norte assim como no Sul e estimular a frustração popular com os establishments políticos. Estamos vendo um fenômeno global, e o Brasil é um entre muitos países onde isso está ocorrendo.

Em segundo lugar, as dificuldades econômicas do Brasil provêm muito claramente daquela grande queda nos mercados de commodities, que aconteceu na segunda fase da crise financeira e parou com a festa econômica que estava acontecendo neste país. Acredito que isso [queda do preço das commodities] em grande parte passou, e estamos vendo fluxos tremendos de dinheiro para a América Latina no espaço do último ano. Portanto, minha sensação é que a crise econômica está chegando ao fim, mas a crise política, não.

O que pode advir disso?

É o ponto final que eu levantaria: nas eleições do ano que vem, os brasileiros vão encarar algumas grandes escolhas, e você já citou o fato de que há um candidato populista da direita radical. O que nós todos devemos esperar, e eu penso que isso se aplica também à eleição mexicana [em julho de 2018], é uma repetição do que aconteceu nos EUA no ano passado —quando a mídia social teve um papel decisivo na eleição de Donald Trump. Devemos esperar que Facebook e outras plataformas de mídia social tenham um papel muito maior do que antes. E o candidato que compreender melhor como usar essas plataformas terá uma chance muito forte de vencer.

O sr. vem alertando para um novo “crash” financeiro, dizendo que as luzes vermelhas estão se acendendo, como antes da crise econômica de 2008. Quais são essas luzes, o que anunciam? É possível evitar o que está a caminho?

Bom, não há como evitar crises financeiras, elas são parte recorrente da história. A ideia de uma economia mundial sem crises é ilusória. O que me deixa preocupado no momento é que estamos vendo, depois de quase dez anos de medidas extraordinárias de política monetária, uma mudança na postura dos grandes bancos centrais —começando com o Federal Reserve [nos EUA] e o Banco da Inglaterra, mas também com sinais do Banco Central Europeu e do Banco do Japão. Para usar a palavra favorita dos bancos centrais, “normalização”.

Não acredito que você possa ter juros em alta e balanço do Fed [os títulos de dívida que o banco recomprou ao longo da crise] em queda, sem consequências para a economia como um todo —dado que não só domicílios mas muitas outras entidades, inclusive governos, ainda estão muito endividados, pois não houve maior desalavancagem desde a crise; e dado que a inflação se recusa a voltar, nas economias desenvolvidas. Assim, você vê previsões de aumento de juros, mas pouco sinal de que a inflação vá subir. Ter juros reais maiores, endividando mais os domicílios e outras entidades, é uma perspectiva assustadora.

O que está levando a isso?

Os banqueiros centrais estão usando modelos ultrapassados de funcionamento da economia, que realmente surgiram na metade do século 20. Eles ficam procurando inflação e esperando a Curva Phillips [relação inversa entre inflação e desemprego], perdida há muito tempo, quando na verdade este é um mundo muito deflacionário, por causa da tecnologia. Tudo está ficando mais barato, e o trabalho está sendo cada vez mais substituído por robôs. A combinação de alta de juros e um mundo estruturalmente deflacionário deve acabar com a festa que vêm acontecendo nos mercados de ações, em algum momento do próximo ano, estimo.

Neste domingo, no “Sunday Times”, o sr. escreveu que estamos passando por uma nova revolução moral vitoriana, com o movimento #metoo sendo parte disso. É uma mudança tão grande assim?

Há uma grande mudança, no sentido de que o comportamento que era tolerado há muito tempo, em Hollywood, na cidade de Nova York, naquilo que poderíamos chamar de elite liberal, está sob escrutínio muito mais severo. O que começou com [o produtor] Harvey Weinstein fez aparecer, em poucas semanas, quase 40 casos de assédio por figuras públicas, inclusive o senador [democrata] Al Franken. E não vejo sinal de que esse processo de revelações vá parar. Para a maioria, as regras de combate entre homens e mulheres, no ambiente de trabalho, vêm mudando gradualmente, ao longo de anos. Agora percebemos que essa mudança não havia ocorrido no topo, seja em Wall Street ou em Hollywood.

Minha preocupação é que essas revoluções em conduta têm uma propensão ao exagero, o que pode ser uma das consequências do movimento #metoo [de mulheres que relatam assédio]. Quando o “New York Times” publica um artigo de opinião que sugere que todos os homens são estupradores, estamos numa quadra muito ruim, porque é sem sentido e se torna uma espécie de sexismo reverso, dirigido contra os homens.

O sr. é supostamente o modelo de Irwin, o professor da peça “The History Boys”, de 2004 [lançada como filme em 2006, “Fazendo História”]. O sr. se viu nele? Gostou da peça de Alan Bennett?

Bennett diz no programa e nos seus diários que eu fui o modelo para o personagem. Mas foi um choque para mim, quando fui ver a primeira montagem, em Londres, porque não sabia até ler o programa que estava envolvido.

Acho que o personagem de Irwin, na primeira metade, tem algumas características de Ferguson. Ele encoraja seus estudantes a escrever e pensar o contraditório, a questionar a visão estabelecida e a tornar seus ensaios históricos interessantes. Ele também encoraja seus estudantes a sobressaírem, quer que todos entrem para Oxford ou Cambridge. Eu certamente consigo me identificar com tudo isso, sempre encorajei meus alunos a ir contra a visão convencional e a aspirar por excelência. Mas, talvez você se lembre que, na segunda metade, Irwin tem uma espécie de crise pessoal e acho que se revela gay. Bem, aí a semelhança acaba.

O que o sr. vai abordar, aqui?

Estou dando uma palestra [no Fronteiras do Pensamento] intitulada “A Civilização Ocidental Acabou?”.

E qual é a sua resposta?

Eu acho que vai mal. No meu livro “Civilização”, escrevi que há seis instituições e ideias que tornaram o Ocidente grande e o fizeram dominante nos séculos 18, 19 e 20. Agora aquelas ideias e instituições são praticamente globais, não mais monopólio de europeus e norte-americanos. Mas, de maneira preocupante, as instituições que eram tão centrais para o sucesso do Ocidente parecem estar em declínio.

Em “A Grande Degeneração [ed. Planeta, 2013], defendi que, se você olhar para as finanças públicas, a regulação, o estado de direito e a sociedade civil, as coisas estavam indo mal para os EUA. Isso foi publicado há quase cinco anos, e as coisas estão piores hoje. O governo Trump se comprometeu a melhorar o problema da regulação excessiva e possivelmente do estado de direito, mas nas finanças públicas e na sociedade civil o quadro está piorando.

O déficit só vai crescer, com o novo projeto tributário republicano, e eu vejo, na sociedade civil, uma grave deterioração, em grande parte por causa das redes sociais, o que nos leva ao início da nossa conversa.

Isso já estava em “Degeneração”?

O que não previ, cinco anos atrás, foi que Facebook, Twitter e os demais polarizariam a discussão política de maneira tão extrema, a ponto de estarmos nos tornando uma espécie de sociedade incivil [grosseira] em que as pessoas são estimuladas a serem abusivas em seus debates on-line. A civilização ocidental está se tornando bastante incivilizada, pelo menos julgando pelas coisas que as pessoas escrevem on-line.

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RAIO-X

Nome
Niall Campbell Ferguson

Nascimento
abril de 1964 em Glasgow (Escócia)

Formação
História, com pós-doutorado pelo Magdalen College da Universidade de Oxford

Carreira
Lecionou na London School of Economics e na Universidade Harvard; atualmente é professor na Universidade de Stanford e mantém uma consultoria geopolítica, a Greenmantle

Vida pessoal

Casado com a escritora e ativista somali-holandesa de direitos da mulher Ayaan Hirsi Ali, tem cinco filhos, três deles com sua primeira mulher, a jornalista Sue Douglas

Livros

“Paper and Iron: Hamburg Business and German Politics in the Era of Inflation 1897-1927” (1995; Cambridge University Press)
“Virtual History: Alternatives and Counterfactuals” (1997; Macmillan,)
“The World’s Banker: The History of the House of Rothschild” (1998; Weidenfeld & Nicolson)
“O Horror da Guerra” (1998; Planeta, 2014)
“The Cash Nexus: Money and Power in the Modern World, 1700-2000” (2001; Allen Lane/Penguin)
“Império: Como os britânicos fizeram o mundo moderno” (2003; Crítica, 2017)
“Ascensão e Queda do Império Americano” (2004; Planeta, 2017)
“A Guerra do Mundo” (2006; Planeta, 2015)
“The Evolution of Financial Services” (2007, Oliver Wyman; com Oliver Wyman)
“A ascensão do dinheiro – A história financeira do mundo” (2008; Crítica, 2017)
“High Financier : The Lives and Time of Siegmund Warburg” (2010; Penguin)
“A grande degeneração – A decadência do mundo ocidental” (2010; Planeta, 2013)
“Civilização – Ocidente x Oriente” (2011; Crítica, 2017)
“Kissinger: 1923-1968: The Idealist” (2015; Allen Lane)
“The Square and the Tower: Networks and Power, from the Freemasons to Facebook” (a ser lançado em 2018; Allen Lane)

Folha de São Paulo

 

Opinião dos leitores

  1. Está revoltadinho porque a internet democratizou a informação e as pessoas agora não dependem apenas das mídias tradicionais, nem estão limitadas a ouvir apenas as opiniões de "especialistas" como ele. Com todos os problemas que possam existir, ainda é infinitamente melhor do que antes, quando a informação era monopolizada e manipulada pela grande mídia da forma que bem entendiam, inclusive por esse jornaleco que produziu a matéria.

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