http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=2vsvyg9y9MM
O passe de Léo Moura foi primoroso. A bola chegou até Deivid na bandeja, com talheres de prata e guardanapo de linho egípcio. Não havia adversários à frente. O goleiro estava batido. Ninguém pra atrapalhar. A trave ali, convidativa, escancarada. Um sopro faria a bola rolar, docemente, até o fundo da rede.
Criou-se para Deivid um dilema hamletiano: ou faço o gol ou faço o gol. E ele optou pela única alternativa não disponível. O torcedor vascaíno pôs-se a urrar o nome do ex-rival, em feérica louvação coletiva.
O pedaço flamenguista das arquibancadas deu razão a Dostoiévski: se Deus não existe, tudo é permitido. Se um jogador perde um gol como aquele, extinguem-se todos os valores morais sobre a Terra. Podemos invadir os asilos para esganar os velhinhos.
Impossível ler o noticiário esportivo sem tropeçar no nome de Deivid. O Vasco prevaleceu sobre o Flamengo por 2 a 1. Três gols na partida. E não se fala senão no gol que foi jogado pela janela. Todo mundo se pergunta: Por quê?
Eis a resposta: a bola não aceita desaforo. E Deivid a ofendeu. O gol pareceu-lhe tão feito que ele, como que idealizando o vôo dos companheiros sobre seus ombros, esqueceu de dar tratos à bola. E ela, caprichosa e birrenta, preferiu beijar a trave a balançar o véu da noiva.
Muita gente deve ter cruzado a madrugada sentado no meio-fio, chorando. Quanto a Deivid, há de ter sonhado com um exílio de Gonçalves Dias. Durante muito tempo, os urubus que aqui gorjeiam irão despejar sobre seus ouvidos grunhidos de mau agouro.
Josias de Souza
Comente aqui