Episódios de cafetinagem, filmagens íntimas sem consentimento e até suicídios entre integrantes de grupos disputam a atenção dos fãs com shows e clipes; entenda como o k-pop se tornou trilha para tantos escândalos
O grupo de kpop BTS no Billboard Music Awards, em 2017 Foto: MARIO ANZUONI / Reuters
Uma fila que se estendeu por duas quadras, muitos fãs de mãos abanando RIO — depois de tentar a sorte na internet: cenas do início (e quase que imediato fim) da venda de ingressos para os shows que o grupo BTS fará no Allianz Parque, em São Paulo, nos dias 25 e 26 de maio. O septeto é o nome mais visível do k-pop, movimento artístico da Coreia do Sul que, correndo há pelo menos uma década por fora dos esquemas das gravadoras que impulsionam os fenômenos musicais dos Estados Unidos e Inglaterra (e baseando-se em um incansável trabalho de preparação dos artistas e sua promoção nas redes sociais), conseguiu arrebanhar seguidores aos milhares, em vários países.
Hoje, o BTS (que se apresentou este ano no Grammy, a grande festa de premiação americana da música) não está mais mais sozinho na invasão dos EUA, a pátria por excelência do pop. Neste mês, o grupo feminino Blackpink (cuja música “Kiss and make up”, em colaboração com a estrela pop inglesa Dua Lipa, vem tocando nas rádios brasileiras) ganhou reportagem de capa da revista “Billboard”, a bíblia da música comercial dos EUA.
O universo do k-pop também começa a chamar a atenção do noticiário do Ocidente por seus escândalos — como o de Seungri, integrante do grupo Big Bang (envolvido em esquema de cafetinagem) e do cantor Jung Joon-young (que compartilhou vídeos de sexo gravados sem a permissão das parceiras). Já no Brasil, o pop coreano tem sido até tema de estudos acadêmicos.
— Esse fenômeno vai numa espécie de contrafluxo da questão linguística — explica Krystal Urbano, de 36 anos, fã de k-pop que analisou o tema em sua tese de doutorado em Comunicação na UFF, defendida em 2018.
“O inglês era, até há pouco, o idioma padrão da música pop, mas houve mudanças, especialmente depois do sucesso do “Despacito”. Na era do streaming, os artistas do k-pop mostraram que era possível fazer um som global cantando em coreano.” (Krystal Urbano – Doutora em Comunicação)
Carisma e perfeccionismo
Mas nada disso aconteceu da noite para o dia. O k-pop teve sua origem por volta de 1997, quando se iniciou uma grande onda de exportação de cultura pop coreana, denominada hallyu. Primeiro, com as novelas, depois com a música pop, o país foi conquistando importantes fatias de mercado entre os vizinhos, como a China e o Japão. No Brasil, os coreanos conseguiram infiltrar sua produção junto ao público das feiras de cultura japonesa — bem populares no Brasil dos anos 1980 e 1990 por causa dos animes e mangás. Em 2011, a primeira visita de um grupo de k-pop ao Brasil, o MBLAQ, provocou um inesperado tumulto na Avenida Paulista.
— Até uns anos atrás, o Brasil ainda se via muito sob a lente japonesa. Hoje a cultura pop oriental com que ele mais se identifica é a coreana — conta Krystal, que contabiliza 48 shows de grupos de k-pop no Brasil de 2011 a 2018. — Enquanto o Japão criou um pop original e sólido para o seu país, os coreanos tinham a perspectiva de conquistar outros territórios. E o BTS veio com uma estratégia diferente daquela dos outros grupos, que foi a de atacar os mercados menores antes de chegar aos Estados Unidos. Eles têm vindo ao Brasil desde 2013.
Doutoranda em Comunicação, também pela UFF, com um projeto relativo ao k-pop, Daniela Mazur, de 27 anos, acredita que a vantagem que os grupos coreanos têm em relação aos grandes astros do Ocidente está em “uma soma de carisma e perfeccionismo”:
— Eles executam coreografias complexas. E se utilizam muito bem das redes sociais.
Mestre em Comunicação com tese sobre os fãs brasileiros do k-pop e colega de Daniela e Krystal na UFF, Alessandra Vinco, de 29 anos, diz que o empenho na dança e a constante interação com seu público pela internet são diferenciais importantes. Mas ressalta outra qualidade dos coreanos:
— Eles são muito versáteis. Os grupos do k-pop geralmente não têm um conceito fixo. Eles podem ser fofos num disco e sexy no outro. Ou hip hop, girl power… são vários os conceitos.
O tabu da saúde mental
Girl group BlackPink Foto: Chung Sung-Jun / Getty Images
Daniela chama a atenção ainda para a cultura “extremamente machista” do país, que colabora para penalizar ainda mais as artistas femininas. Apesar disso, grupos como o Blackpink estão ajudando hoje a sedimentar o conceito girl power, com uma imagem mais emancipada da mulher — mas, é bem verdade, elas ainda nem chegam perto do sucesso das boy bands.
Como em outros ambientes nos quais fama e dinheiro dão as cartas (e, especificamente no caso do k-pop, empresas controlam com mão de ferro as vidas dos astros), escândalos e tragédias são corriqueiros — e disputam a atenção dos fãs com shows, clipes e canções. No fim de 2017, o suicídio de Kim Jong-hyun, o Jonghyun do SHINee (grupo que chegou a se apresentar no Brasil), aos 27 anos, revelou como a depressão pode se agravar diante de pressões pelo estrelato.
— A saúde mental é um tabu na Coreia do Sul. As pessoas que procuram tratamento psicológico ou psiquiátrico ainda são muito malvistas pela sociedade. E a produção de um ídolo de k-pop, com todas as aulas de dança, canto e atuação, costuma ser pesada— conta Daniela.
O Globo
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