O Brasil foi denunciado na ONU nesta segunda-feira por conta da decisão do Tribunal Superior do Trabalho de vetar, a pedido do governo, a lista de empresas flagradas com mão de obra análoga à escravidão. A iniciativa foi da entidade Conectas, que levou o caso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
No dia 7 de março, o ministro Ives Gandra Filho, presidente do TST, suspendeu a divulgação das listas depois de dois recursos impetrados pelo governo federal contra decisões anteriores da Justiça do Trabalho. A decisão deu ao governo 120 dias para “reformulação e aperfeiçoamento” da portaria que cria a “lista suja”. Para a Conectas, trata-se de uma manobra para esvaziar o instrumento.
A sentença foi revertida no dia 14 de março após um pedido de liminar feito pelo Ministério Público do Trabalho. Ainda assim, a entidade protestou na ONU apontando que essa era “a primeira vez que o Executivo federal se alinha com os interesses dos setores corporativos que se beneficiam da suspensão do documento”.
“Qualquer decisão do Judiciário de suspender a lista com base no argumento de violação de liberdades individuais favorece as corporações privadas envolvidas em trabalho escravo em detrimento dos mais vulneráveis”, afirmou a entidade no Conselho.
O Itamaraty pediu direito de resposta e insistiu que tem o “compromisso de longa data” com a erradicação da escravidão. O governo ainda explicou que um grupo foi nomeado para reformular o instrumento e que uma nova versão deve estar pronta em julho.
Engraçado como esse tipo de matéria sobre abuso de pessoas em situação limítrofe nunca levanta sentimento nenhum, nada daquelas indignações raivosas… Nem mesmo um pouco de compaixão.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar que culminou com a suspensão da divulgação pelo Ministério do Trabalho e Emprego da relação de empregadores flagrados ao submeter trabalhadores a condições análogas à de escravo – a chamada “lista suja”.
A decisão foi tomada em ADIn movida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias e suspende a eficácia da portaria interministerial MTE/SDH 2/11, que estabelece as regras sobre o Cadastro de Empregadores e autoriza o órgão ministerial a atualiza-lo semestralmente.
Competência legislativa
Em dezembro, a Abrainc – representada pelos profissionais do escritório Técio Lins e Silva, Ilídio Moura & Advogados Associados -, ajuizou a ação alegando ofensa ao art. 87, inciso II, ao art. 186, incisos III e IV, da CF, e ao princípio da separação dos poderes, de reserva legal e da presunção de inocência. Na inicial, a associação argumenta que os ministros de Estado, ao editarem o ato impugnado, “inovaram no ordenamento jurídico brasileiro, usurpando a competência do Poder Legislativo”.
“Assim como é inconcebível que empregadores submetam trabalhadores a condições análogas às de escravos, também é inaceitável que pessoas sejam submetidas a situações vexatórias e restritivas de direitos sem que exista uma prévia norma legítima e constitucional que permita tal conduta da Administração Pública.”
A entidade sustenta também que a inscrição do nome na “lista suja” ocorre sem a existência de um devido processo legal, o que se mostra arbitrário. Os advogados da associação alegam, inclusive, que tal modo de proceder já mereceu o repúdio por parte do próprio Supremo, em julgado no qual o ministro Marco Aurélio salientou: “O simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo”.
Inexistência de lei formal
Em sua decisão, Lewandowski ressalta que, mesmo no exercício de fiscalizar a prática e punir os infratores, a Administração Pública deve observar os preceitos constitucionais.
“No caso em apreço, embora se mostre louvável a intenção em criar o Cadastro de Empregadores que tenham submetidos trabalhadores a condições análogas à de escravo, verifico a inexistência de lei formal que respalde a edição da Portaria 2/11 pelos Ministros de Estado, mesmo porque o ato impugnado fez constar em seu bojo o intuito de regulamentar o artigo 186 da Carta Constitucional, que trata da função social da propriedade rural.”
O ministro ainda exemplifica a exigência de lei formal para a criação de tais cadastros citando o CDC, que em seus arts. 43 e 46 prevê expressamente a criação “dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores”. “Ou seja, parece-me que sem essa normativa expressa em lei não seria possível criar uma cadastro de consumidores inadimplentes.”
Para o advogado trabalhista José Augusto Rodrigues Jr., do escritório Rodrigues Jr. Advogados, o deferimento da medida foi uma decisão “infeliz”.
“Achei a decisão do ministro tremendamente infeliz, porque contraria todo um ordenamento que tem sido feito no sentido de acabar com o trabalho escravo no Brasil. Esse tipo de situação não pode ser tratada de uma maneira flexível. É preciso ser duro.”
Ainda segundo o especialista, o plenário não deve referendar a liminar, tendo em vista o perfil dos ministros que compõem a Corte Suprema. “Temos ali ministros muito comprometidos com aspectos sociais e, inclusive, ministros provenientes da área trabalhista, que sempre enfrentaram essa questão lamentável com grande insistência.”
A advogada Ana Flávia Magno Sandoval, da banca Ana Flávia Magno Sandoval – Attorney & Counselor at Law, por sua vez, chama atenção para a questão da importância do princípio da publicidade, que rege o devido processo legal, inclusive processos trabalhistas.
“A publicidade promovida pelo cadastro é importante porque é uma forma de coagir as empresas a respeitarem a legislação que está em vigor e que regulamenta as condições em que o trabalhador deve estar submetido, quando exercendo suas atividades pra gerar riquezas a estas empresas.”
Engraçado como esse tipo de matéria sobre abuso de pessoas em situação limítrofe nunca levanta sentimento nenhum, nada daquelas indignações raivosas… Nem mesmo um pouco de compaixão.