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Pedir demissão é melhor que sofrer com esgotamento por excesso de trabalho, diz autor de “Morrendo por um salário”

Autor de “Dying for a paycheck” (Morrendo por um salário, em tradução livre) diz que uma vez que você arruinou sua saúde física e psicológica por estar em ambientes nocivos, pode ser muito difícil reverter esse dano.

Jeffrey Pfeffer – PR NEWSWIRE

1.Uma das conclusões de seu livro é que o esgotamento no trabalho, conhecido como burnout, é um problema que extrapola um setor específico da indústria ou uma única profissão. O que isso revela sobre o atual sistema econômico?

Para ser claro: este não é um livro sobre burnout. É um livro sobre a maior causa de doenças, mortes e gastos com saúde no mundo. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, 75% dos gastos com assistência médica globais são com doenças crônicas. Essas enfermidades são causadas, em grande parte, por estresse e por comportamentos como fumar e beber, pelo abuso de drogas e por comer em excesso. E o estresse, que motiva essas atitudes, é em muitos casos originado nos locais de trabalho. O local de trabalho é um sério problema de saúde pública. Condições prejudiciais (à saúde) ali certamente não se limitam a determinados países, níveis de renda e ocupações. Afetam trabalhadores manuais e burocráticos. Acho que isso diz menos sobre o sistema capitalista e mais sobre como as pessoas gerenciam empresas. Há muitas empresas competindo com sucesso sem “matar” seus funcionários. Esse é um problema das empresas, não do sistema.

2.Quais são as causas e os sintomas mais comuns que levam ao esgotamento no trabalho?

As causas, ou as condições de trabalho mais prejudiciais à saúde, são insegurança econômica – como demissões –, falta de controle do trabalho – microgerenciamento –, conflito entre trabalho e família, longas jornadas, turnos de trabalho e ausência de processos, ou justiça, nos locais de trabalho. Os sintomas, por sua vez, são exaustão, incapacidade de concentração, distúrbios estomacais, erupções cutâneas e necessidade de muitos medicamentos prescritos – por exemplo, pílulas para dormir, antidepressivos – para lidar com a rotina laboral.

3. Para as empresas, como prevenir – em vez de remediar – os efeitos nocivos do esgotamento no trabalho?

De fato, temos de nos concentrar mais na prevenção do que na necessidade de correção. E a resposta mais simples é não fazer as coisas que causam os problemas de saúde. Exemplos: proibir o assédio moral e abuso no local de trabalho; não tolerar discriminação de raça e gênero; limitar as horas de trabalho; implementar políticas que facilitem o equilíbrio entre as obrigações trabalhistas e familiares; não demitir – sim, isso é possível: a Southwest Airlines, em um setor muito volátil, nunca teve demissões ou licenças. E, por fim, fornecer apoio social aos trabalhadores. As iniciativas de bem-estar se concentram frequentemente no lugar errado – nos funcionários individualmente, em vez de na cultura da empresa. Se há um chefe ou um local de trabalho que não oferecem a seus funcionários controle sobre seu emprego, que não os colocam em uma situação de segurança econômica, com a constante ameaça de demissão, a reação pode ser, por exemplo, fumar mais, beber ou usar substâncias narcóticas ilegais, porque são as válvulas de escape que as pessoas têm para lidar com ambientes estressantes.

4. E para os trabalhadores?

Demitir-se. Não há outra alternativa.

5. O que o senhor diria para uma pessoa que vive em uma situação de esgotamento no trabalho e não pode se demitir por razões financeiras?

Não aceito a premissa dessa questão. Se você está em uma sala cheia de fumaça – e sabemos que muitas práticas no local de trabalho são tão prejudiciais quanto o fumo passivo –, você precisa sair. Se você não puder sair, precisará enfrentar as consequências para sua saúde. E, uma vez que você arruinou sua saúde física e psicológica por estar nesses ambientes nocivos e tóxicos, pode ser muito difícil reverter esse dano.

6. O senhor acredita que, apesar de oferecer facilidades, o WhatsApp pode ser um inimigo dos trabalhadores? Deveria haver regras para seu uso corporativo?

Acredito que todas as redes são projetadas para viciar. Isso porque, quanto mais tempo as pessoas investem nesses aplicativos, mais publicidade a empresa proprietária pode vender e mais dinheiro ela ganha. Eu não destacaria uma rede social em particular, como o WhatsApp. São as pessoas que precisam limitar o tempo em que elas se expõem e aprender a deixar o trabalho nos locais de trabalho.

7. O Brasil passou por uma das piores crises econômicas dos últimos tempos, com o fim de centenas de milhares de empregos formais e o aumento do desemprego. Qual é a relação entre insegurança econômica e o estresse no mercado de trabalho?

Existe uma extensa literatura epidemiológica que relaciona o desemprego e os baixos salários a problemas de saúde. Há, portanto, uma relação direta entre a perda de emprego e a mortalidade. Evidências científicas mostram que as demissões podem aumentar a taxa de suicídio em até duas vezes e meia. E também que o risco de doenças cardiovasculares sobe quase 50% após a perda de emprego.

8. Como, em um contexto de crise, desemprego e muita pressão – como é o caso da economia brasileira —, as pessoas podem ter qualidade de vida no trabalho?

Devemos entender o seguinte: demissões raramente resolvem problemas econômicos. Longas horas de trabalho são, até certo ponto, inversamente proporcionais a ganhos de produtividade. Muito do que as empresas fazem resulta em prejuízos, tanto para elas próprias quanto para os funcionários. É claramente uma situação de perde-perde.

9. O senhor acredita que o aumento nos casos de esgotamento no trabalho pode estimular o trabalho autônomo? Quais as principais consequências desse processo?

O trabalho autônomo não é a solução para os problemas de estresse no ambiente corporativo. Isso porque a insegurança econômica é maior. Há uma enorme quantidade de dados que sugerem que, quando as pessoas não têm certeza sobre quais serão seus horários e sua rotina laboral, isso também é uma fonte significativa de estresse. Se você não sabe quantas horas vai trabalhar, obviamente também não saberá quanto dinheiro vai ganhar. A Gallup define que um bom trabalho é o de tempo integral. A consultoria também mostra que a proporção de bons empregos em uma economia está diretamente correlacionada com o PIB per capita dos países. As pessoas podem abandonar seus chefes e os lugares acreditando que terão mais flexibilidade e uma vida menos estressante. Mas, no fim das contas, você terá de contrabalançar essas fontes de estresse com o estresse da insegurança econômica e os riscos da vida de freelancer.

10. Do ponto de vista da saúde emocional e mental, o que ajuda a tornar uma pessoa produtiva?

As pessoas são produtivas quando estão motivadas e engajadas no trabalho. E as pessoas são motivadas e engajadas quando têm algum nível de autonomia em suas atividades – controle do trabalho –, quando são cuidadas – têm suporte social –, quando têm amigos, quando são tratadas como adultos, quando podem tomar decisões, além de usar e desenvolver seus dons e habilidades. Atividades que colocam as pessoas em contato umas com outras são importantes. Os seres humanos são animais sociais. Gostamos de estar em grupos e, portanto, situações que criam esse clima de apoio social são positivas. O outro ponto é que, à medida que as pessoas envelhecem, elas gostam de ser adultas e tratadas como tais. Algumas situações no trabalho infantilizam e tiram delas um certo senso de controle. Portanto, empregos que proporcionam um senso de autonomia, um sentimento de realização, são bons exemplos de práticas de trabalho em que as pessoas vão prosperar em vez de ficar angustiadas.

11. As pessoas que estão em um local de trabalho tóxico e que vão a entrevistas de emprego devem observar o que para não repetir o erro?

É bom perguntar, basicamente, sobre todos os aspectos que afetam a saúde e causam a chamada “toxicidade” no local de trabalho. Perguntar, por exemplo, se as pessoas empregadas estão tendo férias adequadamente; se estão trabalhando fora do horário regular e nos fins de semana; que remédios estão usando para lidar com a rotina laboral; perguntar quais são as regras. Não acho que isso seja uma abordagem irracional ou estranha. É só descobrir o que o espera. “Quanto controle terei sobre minha agenda?”

12. De quem é a responsabilidade de um local de trabalho saudável: mais das empresas, do sistema de saúde ou do governo? Ou é compartilhada?

Um ambiente saudável nos locais de trabalho depende sobretudo das empresas. É delas a responsabilidade de criar condições de trabalho adequadas para seus funcionários. Os empregadores precisam reconhecer que têm um compromisso pelo bem-estar de seus funcionários e devem monitorar questões como o uso de medicamentos controlados, saber como está o bem-estar físico e mental dos funcionários. Agora, se isso não acontecer de forma voluntária, alguma regulamentação do governo pode ser apropriada.

13. Para as pessoas, a consequência final do esgotamento no trabalho é a morte. E para empresas? Quais podem ser as piores consequências?

As piores consequências para as empresas são a rotatividade excessiva e funcionários improdutivos – o que também, no limite, pode levá-las à “morte”. As empresas precisam ter dimensão da extensão e do custo de locais de trabalho prejudiciais. Esse é o primeiro passo. Caso contrário, nunca farão nada.

14. Como diferenciar quem está realmente sofrendo de esgotamento no trabalho de alguém que está com preguiça de trabalhar ou indisposto?

No nível individual, é praticamente impossível saber. Mas, para dar um exemplo recente e real do Vale do Silício, aqui nos Estados Unidos: quando as chamadas de emergência para ambulâncias estão ocorrendo quase diariamente em uma empresa, sabe-se que, de fato, há um problema.

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