Foto: Kwaku Alston/Netflix
Fundador e um dos CEOs da Netflix, o americano Reed Hastings, de 60 anos, falou a VEJA com exclusividade, por videoconferência, sobre as conquistas e o impacto comportamental da plataforma — além de abordar o futuro do entretenimento
Nestes dez anos no Brasil, o que a Netflix captou sobre o gosto nacional? Aprendemos muito com os brasileiros. O país foi nossa primeira aposta fora da América do Norte, e o hábito de ver o que quiser, na hora e no aparelho da preferência de cada um, logo caiu no gosto das pessoas de todas as regiões. É fascinante notar o apetite de vocês por filmes e séries em línguas que não o português ou o inglês: as pessoas no Brasil curtem produções da Espanha, Alemanha, Japão, de todos os lugares. É um povo muito aberto.
A Netflix se manteve em crescimento na pandemia, enquanto os exibidores de cinema vêm sofrendo perdas irreparáveis. O streaming vai matar o cinema? O efeito da Covid-19 sobre a audiência do streaming é mais modesto do que se imagina. Quando o coronavírus for superado, as pessoas vão voltar a frequentar bares, eventos esportivos, teatros e cinemas. São formas de entretenimento para aproveitar junto com outras pessoas. Felizmente, teremos a chance de fazer tudo isso de novo graças à vacinação. Ir a uma sessão de cinema e assistir a um filme por streaming em casa não são atividades excludentes.
A Netflix acaba de conquistar 35 indicações ao Oscar, um recorde histórico. Qual a receita para esse desempenho? Pensamos, em primeiro lugar, nas boas histórias que podemos trazer para nossos assinantes. A aposta em uma produção original começa sempre com o ponto de vista das pessoas — é preciso estar atento ao que elas adoram compartilhar e falar a respeito. Quando cumprimos bem nossa função, o público se identifica e os votantes da academia do Oscar reconhecem. O foco é na qualidade das tramas que vamos contar, não em se dar bem no prêmio.
A despeito do Oscar, a Netflix ainda desperta alguma aversão nos grandes festivais europeus — o espanhol Pedro Almodóvar já disse que as produções da plataforma não são cinema de verdade. Como vencer a rejeição? De certa maneira, eu concordo com eles. É diferente a magia de ver um filme na tela grande. Mas, na prática, as pessoas acabam vendo a maioria dos filmes em casa. As duas formas de ver filmes podem conviver em harmonia. Nós adoramos os festivais e não temos problemas com eles. Só que o streaming tem sua vantagem: você pode assistir a filmes de todo o mundo que jamais passariam nos cinemas.
Em meio à pandemia, a Warner — um estúdio tradicional — chocou Hollywood ao anunciar que passaria a lançar seus filmes ao mesmo tempo nos cinemas e em seu serviço de streaming, o HBO Max. A distância entre os lançamentos nos vários meios de exibição está fadada ao fim? Nossa meta é que as pessoas sintam prazer com o entretenimento do modo como quiserem. E isso inclui dar aos consumidores a escolha de ver um filme em casa ou no cinema. Se a nova estratégia de lançamentos for apreciada, não vejo por que ignorar seu apelo. Na nossa visão, as janelas de exibição (distância entre lançamentos no cinema, televisão e streaming) são hostis ao interesse do público. O prazer do consumidor vem em primeiro lugar. Vejo com otimismo a coexistência de múltiplas telas, inclusive a dos smartphones. Na minha idade, não me imagino vendo um longa assim. Mas muita gente vê e acha o máximo.
A Netflix enfrenta a concorrência cada vez mais forte de serviços de streaming como o Disney+ e o HBO Max. Há espaço para todos? A competição global veio para ficar, e todas essas são grandes companhias. Mas não se trata de nosso único desafio. No caso do Brasil, a existência de uma empresa tão focada e onipresente como a Globo significa concorrência em várias frentes. De longe, eles são o maior rival que temos por aqui, e em nenhum outro país vejo uma empresa local tão forte. Nós admiramos e ao mesmo tempo tememos a Globo. Adoraríamos trabalhar com eles, e quem sabe produzir programas juntos.
A Disney não assusta mais? A Disney é, sem dúvida, nossa competidora global. As produções da companhia são amadas pelas pessoas no mundo inteiro. Eles sempre fizeram um grande trabalho em conceber filmes, séries e outras atrações cultuadas por gerações. Eu diria que ainda estamos lidando para atingir um alcance cultural como o da Disney.
Em vez de investir em seus próprios estúdios, como a Amazon e a Disney, a Netflix optou por produzir filmes e séries com múltiplos parceiros. Qual a vantagem? Há muitos talentos disponíveis no Brasil e em outros países, e podemos trabalhar com maior flexibilidade se não formos proprietários das estruturas físicas de estúdios. Aprendemos a nos adaptar às parcerias com produtores diferentes, em contextos culturais diversos. Com isso, ganhamos agilidade para buscar as melhores histórias.
Uma crítica recorrente é que, apesar de produções de prestígio como Mank, há mais quantidade que qualidade na Netflix. O que pensa dessas reclamações? As pessoas ao redor do mundo têm gostos muito diferentes. Alguns gostam de cinema chique, como Mank, mas parte da audiência pode achar filmes assim lentos e aborrecidos. Outros curtem tramas de ação, ou musicais — as preferências são ilimitadas. Queremos que a Netflix traga títulos de qualidade para todas as faixas. Mas é verdade que, se você buscar aleatoriamente em nosso catálogo, provavelmente topará com títulos de que não goste.
Qual é o perfil do típico espectador da Netflix no país? Todo mundo assiste à Netflix no Brasil. De forma geral, no entanto, nosso público costuma ser ligeiramente mais jovem em todos os países, pois esses espectadores se sentem mais confortáveis com a internet e os smartphones, enquanto as pessoas mais velhas passaram a vida sendo fiéis a atrações como as telenovelas na TV aberta, e vão continuar assim. Mas entendemos as necessidades dessas pessoas, e estamos trabalhando para que elas se sintam felizes na Netflix.
Produzir novelas está na mira de vocês? Com certeza. Vamos fazer novelas e nos arriscar em muitos outros campos. Não queremos parar de fazer coisas diferentes, e poder dar nossa contribuição.
A Netflix financia sua política agressiva de investimentos em superproduções com uma dívida que passa de 16 bilhões de dólares. É um arranjo sustentável? Sim, é sustentável porque nós continuamos a crescer, e investimos mais para crescer mais. Uma série leva dois anos para ser finalizada, e é preciso gastar pesado antes de lucrar. Financiar a expansão assim tem funcionado muito bem até agora. Valeu a pena.
Como será o entretenimento daqui a dez anos? Em uma década, ver vídeos por streaming será quase automático e estará em toda parte, como a eletricidade. A qualidade de imagem será superior, pois os televisores em 4k serão muito baratos. E a indústria de entretenimento se tornará ainda mais global, com filmes e séries do mundo inteiro disponíveis. Será um futuro espetacular, em termos daquilo que poderemos oferecer aos espectadores.
O que embasa sua previsão otimista? Muito dessa evolução se dará pela competição acirrada. A competição dificulta as coisas para nós e nossos rivais, mas é ótima para os consumidores. Daremos nosso melhor para que sejamos os favoritos das pessoas até lá.
Veja
Ta precisando de um jornalismo imparcial, onde só as notícias interessam, sem esse como o da globo lixo, onde apresentadores dizem que é o que tem e que o choro é livre.
Palhaçada.
A cambaleada globo lixo, agora vai.
Que tal um jornalismo sério sem lados??