Foto: Viacheslav Besputin/Getty Images/iStockphoto
Em uma mensagem compartilhada no Twitter no último sábado (27), uma jovem mostra o alerta de um amigo a respeito de uma “deep nude” feita com uma foto dela. Segundo ele, a imagem da jovem sem roupa, conteúdo que ela nunca produziu, circula por um aplicativo de mensagens, o Discord. “Pegaram uma foto sua e tiraram a roupa, provavelmente com inteligência artificial”.
A prática de criar “nudes falsos” é mais uma forma de expor mulheres na internet sem autorização delas e, infelizmente, é bastante comum. Para a produção das montagens, há sites e aplicativos destinados a esse tipo de edição que “tiram a roupa” de quem simplesmente publicou nas redes sociais, ou enviou para alguém, uma foto de si mesma.
O corpo é criado virtualmente, mas o crime pelo qual os autores da montagem podem responder é real: segundo a advogada Andressa Cardoso, especialista em violência doméstica e direito das mulheres, a ação se encaixa como registro não autorizado da intimidade sexual, previsto no artigo 216-B do Código Penal.
A lei contempla montagens que incluam a pessoa em cena de nudez, ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e também “produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes”, com pena de detenção de seis meses a um ano.
“Deep nude” expõe mulheres na internet
O “deep nude” não só reforça a ideia de que “internet é uma terra sem lei”, ao gerar um conteúdo em que a vítima não sabe que está sendo exposta, como está ligado à ideia de que o corpo da mulher pode ser explorado sem consentimento. Não é só um golpe baixo contra a mulher; é um crime, assim como gravá-la em atos sexuais, como a participante do BBB Sarah disse ter sido alvo, em uma conversa no reality.
Segundo relatório de uma empresa de segurança na internet, entre 2019 e 2020, pelo menos 100 mil mulheres foram vítimas dessa alteração digital para “tirar a roupa” feita por um robô no Telegram, aplicativo de mensagens.
Um aplicativo para celular que levava o nome da prática foi descontinuado em 2019, após matéria da revista Vice norte-americana denunciar como funcionavam as adulterações. Um dos criadores do programa, de forma anônima, chegou a dizer para a publicação que ele funcionava apenas para desnudar corpos de mulheres, pois era mais fácil formar uma base para que a inteligência artificial trabalhasse colhendo nudes femininos pela internet ou enviadas pelos usuários.
Pornô de vingança e envio de nudes
“Essa prática reflete a ideia do machismo e do patriarcado de observar a mulher como objeto sexual, de se entender que o corpo dela pode ser utilizado livremente para qualquer fim”, explica a advogada. “E o que a gente percebe é que embora as mulheres sejam vítimas desse tipo de violência, ainda são julgadas quando as fotos são divulgadas”.
A disseminação da falsa nudez pode estar ligada a outra prática criminosa: o pornô de vingança (porn revenge), em que vídeos ou imagens íntimas são jogadas na internet por alguém que quer chantagear ou constranger outra pessoa, principalmente quando há término de relacionamento.
No Manual Universa Para Jornalistas – “Boas práticas na cobertura da violência contra a mulher”, aliás, discutimos como os crimes de violência de gênero na internet são mais usuais do que parece: 28% dos homens ouvidos em uma pesquisa realizada pelo Data Popular/Instituto Avon em 2014, por exemplo, afirmaram ter repassado fotos e vídeos de mulheres nuas que receberam pelo celular a outras pessoas.
Tem uma foto pelada minha na internet, mas é falsa. O que fazer?
Não há dicas que possam contribuir para evitar ser vítima de uma “deep nude”, já que o conteúdo pode ser adulterado a partir de qualquer foto divulgada na internet. Um dos cuidados que podem ser tomados é manter perfis em modo privado nas redes sociais — e, mesmo assim, não há garantias de que um registro seu não caia nas mãos de quem faz as montagens por outros meios.
Andressa explica que quando se é vítima do “deep nude” é recomendável que colha o máximo de provas que puder: dar prints da foto publicada, tentar identificar a URL da página em que a montagem foi divulgada são os primeiros passos.
Com isso em mãos, é possível procurar uma delegacia que investigue crimes cibernéticos ou uma especializada em defesa da mulher. “Se foi uma foto compartilhada em grupos, como de WhatsApp, a mulher deve pedir para quem tem acesso que registre quem são os participantes do grupo”, explica a especialista.
A divulgação sem consentimento do “deep nude” ainda pode ser enquadrada na lei Maria da Penha como violência psicológica, por ter provocado violação da intimidade da vítima. “Nisso entra a disseminação de fotos tanto falsas quanto verdadeiras”. A pessoa que se sentir constrangida ou abalada emocionalmente pela disseminação do material pode ainda procurar apoio de terapia ou outras redes para conseguir lidar com a situação.
Além da investigação criminal, há outras formas de buscar ajuda: se a foto foi encontrada em redes sociais, como Twitter, Instagram ou Facebook, a publicação pode ser denunciada às empresas, para que o autor da imagem seja punido. A SaferNet recebe denúncias, se houver link da imagem, e tem um canal de apoio a quem sofre com crimes na internet, com orientação e indicação de especialistas para cada caso.
Universa – UOL
Comente aqui