Foto: Divulgação
Alguns estudos estimam que, em 2045, um em cada cinco jovens fará sexo com um robô de forma bem habitual. A conexão entre sexo e tecnologia – conhecida como sextech – será três vezes maior daqui a 20 anos e se multiplicará por sete em 2050; alguns cientistas garantem que, a essa altura, serão mais frequentes as relações sexuais entre humano e tecnologia do que entre pessoas. Embora pareça ficção científica, a realidade é que, no futuro, além da popularizarão de bonecos ‘humanos’ equipados com Inteligência Artificial (IA), nós também teremos a possibilidade de acariciar a parceira mesmo à distância, imprimir em 3D uma réplica dos órgãos genitais de outro ser humano, coordenar seus movimentos por um aplicativo móvel ou usar tecnologias que nos façam sentir o orgasmo de várias pessoas simultaneamente.
Mas o sextech precisa ser olhado também de uma perspectiva bioética. Em 2015, foi lançada a campanha (CARS – Campaign Against Sex Robots) para alertar contra os perigos de normalizar as relações com máquinas, reforçando a desumanização feminina e prolongando relações assimétricas de gênero já bem conhecidas, que reduzem o corpo da mulher às suas partes. Tal campanha deu origem a um movimento mundial que busca uma abordagem mais ética, feminista e humanística à robótica, computação, IA e tecnologias futuras.
Pensando na mesma lógica de parcialismo e objetificação da pessoa humana, poderíamos incluir na reflexão os vibradores realísticos, que reproduzem pênis humanos? Na perspectiva de princípio ideológico como movimento contra a desigualdade, o pênis sempre foi representante da potência sexual, investido de positividade, atividade, poder. Muitos falos encontrados à venda em sex shops são reproduções orgulhosas de pênis de atores pornôs. Homens cis, normalmente, não se sentem historicamente objetos sexuais, à exceção dos homens negros que ocuparam o lugar de objetificação no período escravagista, haja vista que foram inclusive usados como reprodutores despidos de humanidade. Ou seja, na perspectiva de gênero, as bonecas femininas não têm o mesmo significado que o vibrador realístico masculino, o que não significa em hipótese alguma que, em ambos os casos, não haja objetificação dos corpos e não provoque incômodo em muitos. É bem comum ouvir sobre o rechaço masculino em relação aos vibradores de suas parceiras, chamando-os de “concorrentes”, expressando indignação diante do sentido de insuficiência. Parece-me, no entanto, que a origem da inquietação está relacionada à potência do falo e não à questão ética da redução do humano ao seu corpo objetificado. Gostaria de ouvir os homens sobre isso.
Mas há outras implicações da associação entre sexo e tecnologia ainda mais complicadas que também estão em jogo. No site da campanha CARS há o alerta para como a indústria voltada para o sextech corre o risco de, ao se propor a desenvolver robôs para satisfação sexual das pessoas, fomentar a pedofilia e o abuso contra crianças. Embora algumas pessoas considerem que robôs ou bonecas real born possam ajudar aqueles que se sentem atraídos por menores a descarregar suas tensões sexuais, não há estudos realizados com usuários que legitimem essa hipótese, isto é, que mostrem que a prática com bonecos evite de fato o abuso e a violência sexual contra crianças, púberes e adolescentes humanos ou se os estimule ainda mais.
Ainda segundo o CARS, há uma dificuldade dos governos de legislar sobre esse tema. Em grandes sites de compras e marketplace, não é difícil achar pedaços de corpos ou bonecos infantis na mesma página de vendas de produtos para a prática de BDSM, por exemplo. Pioneira em legislar sobre esse tema é a Austrália, que, desde 2019, considera tais bonecos como material de exploração sexual infantil.
Robôs concebidos para práticas sexuais já estão disponíveis para compra. Harmony, a primeira máquina erótica, custa cerca de R$ 73 mil e é capaz de falar, memorizar as preferências da parceria e realizar práticas sexuais como sexo a três ou surras com chicote, se for disso a pessoa gosta. No futuro, iremos testemunhar o crescimento dos digisexuais – pessoas que fazem sexo quase exclusivamente com máquinas. Como me disse outro dia a escritora Lili Prata, o ponto interessante é que, ao invés de tratar o outro como um objeto/máquina ou se colocar na relação como máquina, poderemos ter a opção de fazer sexo objetificado com uma máquina e sexo humano com um humano. Sob essa perspectiva, de todo ruim, não será.
Universa – UOL
Comente aqui