Às vésperas da final, o médico Jomar Souza estava absolutamente convencido de que o goleiro titular não poderia ir a campo por causa de uma grave lesão no ombro.
“Doutor, dá a injeção que eu quero jogar”, pedia insistentemente o jovem arqueiro, de olho na primeira chance de aparecer no futebol.
Suplicava uma dose de analgésico que lhe faria esquecer a dor, embora nada fizesse para combater a lesão. O goleiro não queria estar curado. Queria jogar. Souza negou. “O reserva entrou, o time foi campeão, e ele demorou para me perdoar”.
Almeida Rocha – 13.jun.12/Folhapress | ||
O meia Paulo Henrique Ganso, que já jogou três vezes sob efeito de analgésicos |
A Fifa mandou um alerta para jogadores e médicos que não respeitam limites na hora de usar ou receitar remédios para mascarar a dor.
Relatório da entidade divulgado recentemente mostra que 39% dos atletas que disputaram a Copa da África do Sul entraram em campo sob efeito de analgésicos.
E 60% dos mais de 700 jogadores do Mundial usaram remédio contra dor ao menos uma vez durante o torneio.
A prática não é ilegal. Mas o uso regular de analgésicos é ruim à saúde dos atletas. A dor é um sinal dado pelo corpo de que algo está errado.
“Se o atleta vai ao jogo sob efeito desse tipo de substância, vai aumentar a lesão sem perceber”, diz Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. “O ideal é não usar [analgésico], principalmente se o objetivo for jogar.”
A preocupação da Fifa também decorre da constatação de que o hábito de se medicar antes das partidas tem aumentado bastante entre os jovens. “Desde o sub-15, já tem que ter muita competitividade. Eles passam a usar essa substância já nessa idade e continuam usando quando adultos”, afirma Souza.
Às vezes, a ordem vem de cima. Quando o zagueiro do Liverpool Tommy Smith disse que não podia ir a campo por causa de uma lesão no joelho, ouviu do técnico a frase que marcaria sua biografia. “Filho, não é o seu joelho. É o joelho do Liverpool.”
Décadas depois, o santista Paulo Henrique Ganso sofreria também com dores no joelho. Postergou o quanto pôde a cirurgia para não desfalcar sua equipe em partidas decisivas no Paulista e na Libertadores. Jogou três vezes sob efeito de analgésicos.
Muitos outros admitem que agiram da mesma forma quando o corpo deu sinais de esgotamento: Ronaldo, Kaká, Marcos… a lista é longa.
Os médicos, porém, não recomendam que um atleta tome injeções com antiinflamatório e anestésico no local da lesão, as conhecidas infiltrações, e vá jogar em seguida.
Dizem que 48 horas de repouso devem ser respeitadas entre a aplicação e o esforço físico.
MÉDICO DIZ QUE DROGA É FORMA DE ‘DOPING LEGAL’
“O analgésico preenche todos os requisitos de uma substância dopante”, disse Hans Geyer, diretor da Associação Mundial Antidoping, em entrevista recente ao site da BBC.
“A dor é um mecanismo de proteção do corpo, e, com analgésico, você substitui essa proteção, da mesma forma que substituiria a fadiga, que é outro mecanismo de proteção.”
A pressão por rendimento tem aumentado o uso desses remédios em vários esportes. “Dados olímpicos mostram incidência de uso maior do que você esperaria”, afirma Eduardo de Rose, especialista em controle de dopagem.
Ele não acredita em proibição da droga. “Seria viável colocar sob observação. Pode ser um caminho antes de proibir.”
Fonte: Folha
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