O governador Wilson Witzel na coletiva sobre a prisão dos suspeitos do assassinato a vereadora Marielle Franco Foto: O Globo
O governador Wilson Witzel, o vice-governador Cláudio Castro e o secretário de Polícia Civil, Marcus Vinícius Braga, participam na manhã desta terça-feira de uma coletiva de imprensa sobre o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, e do motorista Anderson Gomes. Na quinta-feira, os crimem completam um ano.
O encontro de Witzel com jornalistas no Palácio Guanabara, na zona sul do Rio, tem como objetivo prestar esclarecimentos sobre a prisão de dois suspeitos de terem cometido o crime : o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, de 46 anos. Os dois foram detidos na manhã desta terça-feira (o primeiro acusado de ter matado a parlamentar, e o segundo de ter dirigido o carro utilizado na ocasião).
Também estarão presentes na coletiva Antônio Ricardo Nunes (diretor do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, DGHPP) e Giniton Lages (titular da Delegacia de Homicídios).
O inquérito do caso Marielle apresentado aos jornalistas em síntese reuniu, segundo a polícia, 29 volumes que somaram 5.700 páginas, sendo que 16 volumes continham conteúdo sigiloso. Há um banco de imagens com 760 gigas de imagens.
Ao longo da investigação, foram ouvidas 230 pessoas, número que se justificou pela diversidade das linhas de investigações. As ações envolveram o trabalho de 47 policiais. Foram realizadas perícia necroscópica, de local de crime, de componentes de munições, de reprodução simulada dos fatos, de informática e de confrontação balística e decadatilar.
Nas tentativas de chegar aos executores e aos mandantes, a polícia analisou os dados cadastrais de 33.329 linhas telefônicas. Desse total, 318 foram interceptadas. Foram ainda 670/533 gigabytes de dados telemáticos analisados.
‘Eles não erraram’, diz delegado sobre criminosos
O crime foi classificado como “muito complexo” por Giniton Lages, uma vez que os dois homens permaneceram duas horas ininterruptas dentro do automóvel e não poderiam ser identificados por testemunhas.
— Sabíamos de cara o nível da sofisticação do crime. Eles não deixaram o carro por duas horas. Isso nos chamou a atenção de cara. Alcançamos três testemunhas presenciais. Foi um crime que foge à regra. 80% dos crimes são elucidados com testemunho. No caso Marielle Anderson não há essa possibilidade, pois eles não deixaram o veículo. O atirador usava touca ninja. Já sabíamos que não contaríamos com este reconhecimento — disse Lages, que, em seguida, completou: — Se todas câmeras de segurança estivessem funcionando, ainda não seria suficiente para fechar o caso. Eles (criminosos) não erraram.
O delegado destacou ainda que as câmeras nas ruas do Estácio, no Centro do Rio, onde Marielle foi morta, estavam mau posicionadas e não conseguiriam identificar os criminosos. Algumas delas estavam desligadas. Lages descartou que o não funcionamento dos equipamentos tivesse a ver com uma ação interna do Centro de Operações do Rio, onde elas são monitoradas. Ele ainda chamou de “teorias da conspiração” as hipóteses que cogitaram essa possibilidade.
Criminosos foram captados na Barra da Tijuca
Imagens de câmeras de segurança do dia do crime foram apresentadas aos jornalistas. Elas mostraram o carro Cobalt prata em que estavam os criminosos circulando na rua Sargento Faria, na área conhecida como quebra-mar na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. A identificação do veículo foi possibilitada, entre outras características, por um “defeito traseiro inconfundível”.
O automóvel foi captado uma hora depois na rua dos Inválidos, na Lapa, às 18h45 do dia 14 de março de 2018. Marielle participaria de um evento no espaço chamado Casa das Pretas, localizado nesta rua. A qualidade de uma das câmeras de segurança permitiu, segundo Giniton Lages, identificar a placa do veículo. O número era clonado e o carro verdadeiramente registrado sob a numeração em questão estava na zona sul da cidade, estacionado na garagem de uma cuidadora de idosos.
Assessora de Marielle quase entrou no Cobalt prata
A partir da observação das câmeras de segurança, a polícia percebeu que uma assessora de Marielle Franco quase entrou no carro em que estavam os criminosos. Ela solicitou um carro através do aplicativo Uber e confundiu o automóvel que havia pedido com o Cobalt prata. A profissional chegou a tocar a maçaneta do veículo, mas depois constatou através da placa que se tratava de outro automóvel.
Witzel cogita delação premiada
No discurso de abertura da coletiva, Witzel mencionou uma inspiração na Operação Lava-Jato relacionada à forma como vê a condução da investigação do caso Marielle, admitiu que é possível que exista um novo “fragmento” na investigação para que seja encontrado o mandante e destacou que os presos de hoje pederão realizar delação premiada.
— Uma segunda fase da investigação poderá vir a ocorrer. Primeiro, falei para (a polícia) encerrar com o que tem. A Lava-Jato nos ensinou que investigação deve ser fragmentada. Quem foi preso hoje pode certamente pensar numa delação premiada.
Inicialmente, Witzel classificou o assassinato de Marielle como um “crime bárbaro” e pontuou como agravante o fato de ter acontecido enquanto ela exercia o mandato para o qual foi eleita em 2016.
— Essa é uma resposta importante que estamos dando à sociedade. A elucidação de um crime bárbaro, cometido contra uma parlamentar, uma mulher, no desempenho de sua atividade democrática, teve sua vida ceifada de forma criminosa, hodienda e inaceitável. Inaceitável a qualquer ser humano, mas muito mais ainda porque Marielle Franco estava no exercício da atividade parlamentar — disse Witzel na abertura da entrevista, afirmando que desde eleito se comprometeu a conhecer as investigações do caso.
‘Ano muito difícil’, diz delegado
Giniton Lages elogiou o ex-secretário de Segurança do Estado, Richard Nunes, e disse que Witzel contribuiu com a investigação. Ele também mencionou positivamente o ex-chefe de Polícia Civil, Rivaldo Barbosa.
— Foi um ano muito difícil. Ninguém queria tanto encerrar esse caso como nós. Tivemos reunião com Witzel, como juiz, e passamos todas dificuldades. Ele soube nos compreender e nos deu, sabiamente, dicas para rumo das diligências em curso. Este crime marcou muito meus policiais. O homicídio atinge a todos nós — contou o delegado.
Sucateamento da polícia
Witzel elogiou a condução do caso por Lages. O governador afirmou que o delegado gostaria de ter encerrado o caso antecipadamente, indicando inclusive os mandantes do assassinato. O motivo na demora para a elucidação teria sido, segundo Witzel, o sucateamento da polícia fluminense e o nível de dificuldade envolvido na busca por provas do crime.
— Certamente a polícia gostaria de ter eluciado o caso no prazo que o processo penal assim determina: de 30 dias. Mas, infelizmente, a polícia do Rio foi sucateada por décadas. Apesar das dificuldades, esses profissionais, como Giniton, fazem a diferença. Não são provas fáceis, documentais , testemunhais. Mas vestígios que deixaram exigiam conhecimento técnico aprofundado — afirmou Witzel.
O governador prometeu melhorar a estrutura da polícia, disse que autorizou a abertura de concurso para 150 delegados e para novos policiais (entre 800 e 1000):
— Nomeei (o secretário) Marcus Braga, nos esforçamos para não ter interferência política na Polícia Civil. Dei total autonomia a ele. São vários casos acontecendo e para os quais estão sendo buscadas soluções.
‘Alfinetada’ no MP
Durante a fala, Witzel disse ter convidado o Ministério Público do Rio para participar da coletiva nesta manhã, mas afirmou que os promotores preferiram dialogar com a imprensa à tarde, a partir de 14h.
— O MP foi convidado, mas preferiu fazer uma nova entrevista. Conversei com o procurador-geral Eduardo Gussem hoje cedo. Assim respeitamos. Assim continuaremos, irmanados, para realizar nosso trabalho — declarou o governador.
Críticas à imprensa
Giniton Lages mencionou a atuação da imprensa como um fator complicador para a investigação do crime. Ele disse que a divulgação pela mídia de qual modelo de arma utilizado pelo atirador representou um momento crítico nos bastidores da operação.
— Agradeço a sensibilidade (da imprensa) em respeitar o sigilo em certos momentos. Mas também precisamos refletir, por exemplo, que nos atrapalhou o vazamento da informação da perícia sobre o uso da submetralhadora MP5 — destacou Lages.
O Globo
E que venham as delações…