A revista Isto É, traz uma excelente entrevista com o chef francês Erick Jacquin, que o BG reproduz:
O chef francês Erick Jacquin, 50 anos, tem fama de mau. Como um dos jurados do programa de competições culinárias MasterChef Brasil, exibido pela Rede Bandeirantes, ele tece comentários ácidos sobre os pratos que fazem gelar o estômago dos competidores, mas, ao mesmo tempo, arrancam risos de quem o assiste em casa. Como chef de cozinha, consagrou-se um dos mais bem sucedidos do País, até ter de fechar seu restaurante, o La Brasserie, em 2013, por falta de dinheiro.
Hoje, ele atua como consultor do recém inaugurado Le Bife, no Itaim, zona sul de São Paulo. Nessa conversa com ISTOÉ, Jacquin fala da má fama, de seus problemas financeiros e dá sua opinião sobre os chefs celebridades e sobre a polêmica proibição do foie gras (fígado gordo de pato) em São Paulo, cidade onde mora há duas décadas.
Olha, eu acho que as pessoas enxergam oportunidades de me criticar. É muito fácil criticar, mas é muito difícil fazer aquilo que se está criticando. O Le Bife não tem nem dois meses de funcionamento. É como um bebê que acabou de sair da maternidade. Você não critica um bebê por ele não saber andar direito. Para avaliar um restaurante, é preciso tempo. Mas eu agradeço as críticas. Toda crítica é positiva. E, para falar a verdade, eu nem ligo. Eu sei o que estou fazendo. Podem me criticar, mas, por favor, falem de mim.
Eu fiquei triste pelo prefeito Fernando Haddad. Como o prefeito da maior cidade do Brasil faz uma lei que ele não sabe se vai dar certo? Acho que ele anda muito mal assessorado. Parece que a atual administração só pensa em bicicleta e pato. Haddad vai precisar fazer faixa para pato na cidade logo mais. Patos ao lado das bicicletas! Mas, o que eu queria dizer mesmo é “muito obrigado, prefeito”. O Haddad virou garoto propaganda do foie gras. Nunca o foie gras foi tão conhecido por aqui. Depois dessa polêmica, todo mundo quer provar.
Sim, muitas vezes. As pessoas que são contra o foie gras são muito agressivas. Escrevem mensagens para mim dizendo “vou pegar seu filho”, “vou estourar o fígado do seu filho como você faz com os patos”. Eu não criei o foie gras. Isso existe há dois mil anos, começou com os egípcios, e sempre vai existir.
Eu acho que esse cara não vai mais ser vereador em breve. Por que ele não faz uma lei para prender bandido? Por que não fecha o buraco que tem em frente à minha casa, por favor? Eu moro nos Jardins (bairro nobre de São Paulo) e tem um buraco enorme na minha rua. Se é assim ali, imagina como é na periferia.
O MasterChef é uma oportunidade de consolidar a minha carreira. Antes, só os clientes do meu antigo restaurante (La Brasserie, que fechou em 2013) me conheciam. Eram sempre os mesmos, um grupo restrito, porque era um restaurante caro. Hoje, todo mundo sabe quem eu sou, graças ao programa. Quando eu aceitei participar do MasterChef eu estava numa fase muito difícil da minha vida, tinha fechado o La Brasserie. Ser jurado foi uma forma de continuar no mercado. Algumas pessoas me olham e pensam: “Ah, o cara deve dinheiro e quer fazer o bonitão, aparecer na tevê.” Não é fazer o bonitão, é trabalhar para pagar o que eu devo. Já consegui saldar parte das minhas dívidas. Não sei se vou conseguir pagar tudo. Sabe como é o Brasil, né? Juros em cima de juros. Mas tudo se negocia. Eu sou honesto. Poderia ter fugido, voltado para a França. Mas não fiz isso.
Porque não tinha mais dinheiro. No final da Brasserie, eu estava totalmente sem grana. Eu rezava para que os clientes trouxessem o próprio vinho, porque não tinha dinheiro para comprar. Nenhum fornecedor me entregava mercadoria, só se eu pagasse à vista. Eu já não tinha mais foie gras, nem pato. Não estava mais aguentando a pressão. Chamei os funcionários e disse: não tenho como pagar vocês. Teve gente que me apoiou até o final. Não todos, mas muitos. Até hoje eu me pergunto se tomei a decisão certa. Chorei bastante. Dediquei dez anos da minha vida ao La Brasserie. Foram os dez anos mais importantes da minha vida. As pessoas falam: “O Jacquin não conseguiu administrar o restaurante dele.” Deve ser verdade, não vou mentir. Mas São Paulo não é uma cidade fácil. Tem muito restaurante, as pessoas gostam do que é moda. Eu sou um cara tradicional.
Sim. O Brasil tem um grande problema. É um país que não se reforma, não se reinventa, apesar de a população ser muito jovem. Ninguém faz uma grande reforma política, ninguém tem coragem para isso. O Brasil precisa se reformar. Precisa de uma mudança trabalhista e tributária, com leis mais justas e mais elaboradas. O governo precisa parar de colocar imposto em cima de imposto. Nunca mais quero ser dono de restaurante.
Tem uma palavra brasileira que não existe na França, “saudade”. Essas pessoas são antigos clientes do La Brasserie que têm saudade da minha comida, do meu jeito de estar na mesa. Muitos deles me chamam para fazer jantares nas casas deles só para me ajudar, porque sabem que eu preciso.
Não é só fama, eu sou mau. Não tenho duas caras. Eu sempre fui assim. Se minha esposa estivesse aqui, eu falaria palavrão do mesmo jeito, olharia as mulheres do mesmo jeito. Ela sabe. Eu sou uma pessoa que reage no momento, na hora. Eu não penso. Às vezes eu me arrependo. Às vezes eu falo merda. Mas, bem ou mal, nunca mudei minha personalidade.
Fazer o melhor é obrigação para quem trabalha comigo. É o normal. Eu faço elogios, mas não a cada cinco minutos. Para eu elogiar uma pessoa, ela tem que ter feito uma coisa muito extraordinária. Mas você também não pode falar todo dia para um funcionário que ele é péssimo. Se ele botar na cabeça que é ruim, nunca vai ser bom. Eu não sou assim. Eu posso estourar na hora, mas depois levo todo mundo para tomar uma cerveja comigo. Posso dar bronca, mas depois carinho. É igual ao sexo. Tem beijo, carinho e tapinha.
O ambiente de cozinha profissional é quente. Para mim, é o melhor lugar do mundo. Tem gente que acha muito duro. Lógico que é. Você acha que é fácil servir 80 pessoas sem saber com antecedência o que vão comer? Tudo deve sair na hora e perfeito, então a pressão é muito grande. Mas é uma pressão que dura pouco tempo. São duas ou três horas de pressão intensa, em que você tem de estar 100% concentrado. Mas eu vivo disso, eu amo isso. A pressão me fez me apaixonar por essa profissão. Deve ser a mesma coisa que um jogador de futebol sente quando entra em campo.
Não vejo assim. A alimentação do dia-a-dia deve ser boa e um prazer, mas devemos cuidar da saúde também. Eu mesmo tenho diabetes. Acho importante que os alimentos tragam as informações nutricionais nos rótulos. O Brasil tem um problema de obesidade hoje. Aqui se come muito arroz, feijão e sanduíche. Na França, além dos queijos e vinhos, comem-se muitos legumes e frutas da estação. Se você olhar bem, os franceses não são gordos. Acho que eu sou o único francês gordo.
Há 20 anos, quando cheguei ao Brasil, falar que era cozinheiro era uma vergonha. Hoje, ser cozinheiro virou moda. Hoje várias universidades têm curso de gastronomia. Todos os filhos de papai querem ser cozinheiros, mas nunca vão ser. Não tenho tempo de assistir a outros programas de culinária, mas acredito que o grande mérito do MasterChef e dos outros programas não é transformar chefs em celebridades, mas mostrar que qualquer um pode cozinhar. A gastronomia, seja brasileira, francesa, o que for, é um patrimônio cultural de um país. Educação gastronômica deve fazer parte da educação das crianças. E esse patrimônio não pertence aos chefs de cozinha, mas sim às donas de casa.
Sim, vou casar dia 23 de outubro. Minha família vem da França para a festa. Estou há dez anos com a minha mulher (Rosângela Menezes), mas é como se a tivesse conhecido ontem. Já moramos juntos, mas agora vamos regularizar a situação. Acho que ela merece, é respeitoso. A festa será no Jockey Club de São Paulo. Eu não tenho dinheiro para fazer a festa lá. Todo mundo sabe disso, mas é bom falar. A nova administração do Jockey me ofereceu, me deu de presente. E eu não recusei.
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