Judiciário

Cadeias são ‘home office’ de chefes de facções, diz promotor

Policiais realizam vistoria no refeitório do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus – Raphael Alves / AFP / 14-1-2017

Responsável pelas investigações mais recentes contra o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, o promotor Lincoln Gakiya compara a cúpula da facção a “executivos que trabalham em home office”. Segundo ele, enquanto os “soldados” do grupo criminoso estão dispostos a matar e morrer em brigas com outras facções, que já causaram mais de 100 mortes em presídios nas últimas semanas, o comando do crime organizado está seguro dentro das prisões paulistas, com a maioria dos chefes enriquecendo com o tráfico.

Gakiya defende que os chefes das facções passem mais tempo no chamado cárcere duro, como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Para o promotor, se for comprovado que determinado preso ocupa um cargo de comando no crime organizado, ele deve ser isolado por pelo menos três anos. A mudança atingiria detentos como Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado nas investigações como um dos sete integrantes da “sintonia final” do PCC, o estágio mais alto da hierarquia da facção.

Marcola foi transferido para o RDD da penitenciária de Presidente Bernardes, no interior de São Paulo, no fim do ano passado, depois de uma denúncia feita por Gakiya, onde deve ficar até um ano. Nesse regime, o preso fica 22 horas sozinho em uma cela. Não tem acesso a TV, jornais ou revistas, nem pode receber visitas íntimas. Para o promotor, conversas das lideranças com advogados deveriam ser monitoradas. As gravações não valeriam como prova para casos cometidos no passado.

— Essas organizações prestam, num primeiro momento, auxílio para proteger os presos dentro do sistema penitenciário. Oferecem papel higiênico, produtos de higiene, coisas que o Estado deveria fazer — afirma Gakiya, que continua: — Mas o que essas facções fazem mesmo é enriquecer as lideranças. A liderança nunca move um dedo. Via de regra eles não dão ordem direta para a rua. Então, quando alguém cai na investigação, é alguém do segundo escalão. É o home office do crime. A massa carcerária acaba sendo usada em prol desses líderes, para os familiares gozarem de uma vida de riqueza na rua, viagens no exterior, férias.

Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público mostram que a chefia da facção paulista fica com 50% de todo o lucro obtido com a venda de drogas. A outra metade é utilizada pelo crime para comprar mais droga, pagar a operação de transporte, distribuição e venda, além de oferecer alguns benefícios para os presos, como transporte para os familiares irem visitá-los. Outra fonte de renda da facção é uma mensalidade de R$ 750 que os afiliados passam a pagar quando saem da prisão.

Gakiya estima que a facção criminosa páulista tenha integrantes em cerca de 90% das penitenciárias do estado de São Paulo. Planilhas apreendidas pelo MP apontam que a organização tenha 7 mil integrantes no estado de São Paulo — desses, cerca de 2 mil estariam em liberdade. Fora do estado, seriam em torno de 16 mil integrantes.

Segundo o promotor, a facção se aproveita da bagunça dos presídios para “vender” a ideia de que coloca ordem na cadeia por meio do seu estatuto. Para conseguir mais filiados, a facção passou a aceitar batismo de homossexuais e mulheres, o que era proibido há alguns anos.

— O sujeito entra no presídio e não tem muito como resistir a entrar na facção. Ele já não tem acesso a quase nada, vai estar numa cela com 20, 30 presos do PCC. Como é que vai ficar ali dentro e garantir a segurança de seus familiares? Eles acabaram com os estupros, com extorsões dentro da cadeia. E eles têm espalhado isso nas cadeias do Brasil todo. Onde está aquela bagunça, começa a ficar organizado. Só que isso tem um custo: o aumento no seu poderio, dos seus soldados, do seu território.

O Ministério Público descobriu que antes de deflagrar a guerra com o Comando Vermelho, em outubro do ano passado, o PCC tentou contatar líderes da facção carioca que estão num presídio federal por meio de cartas para um acordo, o que não foi possível.

— Acho que para as duas facções a guerra não é um bom negócio, em função de atrair polícia, atrapalhar o tráfico. Mas acabou não havendo composição entre eles e romperam, de fato, fora dos estados do Rio e de São Paulo.

O Globo

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